‘Não há possibilidade de recuar’, diz Moraes sobre processo de Bolsonaro
Em entrevista ao Washington Post, ministro do STF rebate críticas de Donald Trump e afirma que processo contra o ex-presidente seguirá sem recuos
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Siga noO ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que não existe "a menor possibilidade" de recuar no processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que é réu na Corte sob acusação de liderar uma trama golpista após as eleições de 2022.
Em entrevista ao jornal norte-americano The Washington Post, publicada nesta segunda-feira (18/8), Moraes rebateu críticas feitas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Republicano), e destacou que o julgamento seguirá estritamente dentro da legalidade.
"Não há a menor possibilidade de recuar um milímetro sequer. Faremos o que é certo: receberemos a acusação, analisaremos as provas, e quem deve ser condenado será condenado, e quem deve ser absolvido será absolvido", disse o magistrado. Segundo ele, 179 testemunhas já foram ouvidas no processo, que classificou como "absolutamente legal".
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Pressões dos EUA
Trump tem chamado o julgamento de Bolsonaro de "caça às bruxas" e citou o caso como uma das razões para impor tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. Além disso, os Estados Unidos revogaram o visto de Moraes e o Tesouro norte-americano aplicou sanções contra ele com base na chamada Lei Magnitsky.
"Entendo que, para uma cultura americana, seja mais difícil compreender a fragilidade da democracia porque nunca houve um golpe lá. Mas o Brasil teve anos de ditadura sob o [presidente Getúlio] Vargas, outros 20 anos de ditadura militar e inúmeras tentativas de golpe. Quando você é muito mais atacado por uma doença, forma anticorpos mais fortes e busca uma vacina preventiva", disse Moraes em um trecho da entrevista.
Ele também destacou que as investigações seguirão enquanto forem necessárias.
Perfil no The Washington Post
A reportagem também traça um perfil da trajetória de Moraes, desde a atuação como promotor em São Paulo até os episódios mais recentes, como o inquérito das fake news, a suspensão do funcionamento do X (antigo Twitter) no Brasil e sua condução das investigações sobre os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. No texto, o magistrado é chamado de "xerife da democracia".
Diante das críticas sobre eventual concentração de poder, Moraes disse que todas as suas decisões são revisadas pelos demais ministros do Supremo. "Meus colegas já revisaram mais de 700 decisões após recursos. Sabe quantas eu perdi? Nenhum", ressaltou.
Relação com os Estados Unidos
Na entrevista, Moraes afirmou ainda que sempre teve admiração pelo modelo constitucional norte-americano. "Todo constitucionalista tem uma grande admiração pelos Estados Unidos", disse.
Apesar das recentes tensões, o ministro afirmou acreditar que o afastamento entre os dois países é temporário. Para ele, o problema está na propagação de desinformação.
"Essas narrativas falsas acabaram envenenando o relacionamento — narrativas falsas sustentadas pela desinformação disseminada por essas pessoas nas redes sociais. Então, o que precisamos fazer, e o que o Brasil está fazendo, é esclarecer as coisas", disse Moraes.
Sobre as sanções pessoais, admitiu: "Não é uma situação agradável".
Quando será o julgamento de Bolsonaro?
O presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cristiano Zanin, marcou para 2 de setembro o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete réus na ação que apura a suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. O pedido para incluir o caso na pauta partiu do relator, ministro Alexandre de Moraes.
Segundo a convocação, foram agendadas sessões extraordinárias nos dias 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro, das 9h às 12h. No dia 12, haverá ainda uma sessão extraordinária à tarde, das 14h às 19h. Além disso, estão previstas sessões ordinárias nos dias 2 e 9 de setembro, das 14h às 19h. Todas as sessões terão como objetivo o julgamento da Ação Penal 2.668, o chamado "Núcleo 1" da trama golpista.
Sobre o que Bolsonaro é acusado?
A Procuradoria-Geral da República pede a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por suspeita de liderar uma organização criminosa que tinha como objetivo efetuar um golpe de Estado após a derrota para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022.
O chamado "núcleo 1" ou "núcleo crucial" abrange a cúpula do governo Bolsonaro. São réus na ação penal os ex-ministros Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, além de Anderson Torres; do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ); do ex-comandante da Marinha Almir Garnier; e do tenente-coronel Mauro Cid.
Eles são acusados de crimes como organização criminosa, tentativa de golpe de Estado, dano ao patrimônio público e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. As investigações foram baseadas na delação de Mauro Cid, em documentos, testemunhos e registros digitais coletados pela Polícia Federal e analisados pela PGR.
Quem faz parte no núcleo 1?
- Jair Bolsonaro (ex-presidente da República) — PGR diz que ele era o líder da organização criminosa e tinha participação ativa na trama golpista. O objetivo era se manter no poder, mesmo após derrota nas eleições presidenciais.
- Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil) — Vice de Bolsonaro na chapa para 2022, é acusado de ser o financiador do plano. Está preso desde dezembro por suspeita de interferência na investigação da Polícia Federal.
- Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional) — General da reserva, quatro estrelas, o mais alto posto do Exército, é apontado como a pessoa que, ao lado de Bolsonaro, participou de uma transmissão na internet para disseminar fake news sobre o processo eleitoral.
- Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) — Acusado pela PGR de endossar críticas às urnas eletrônicas, de instigar o golpe e de apresentar uma versão do decreto golpista para pedir apoio aos comandantes das Forças Armadas.
- Anderson Torres (ex-ministro da Justiça) — Era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal em 8 de janeiro de 2023. PGR cita "estratégia deliberada de afastamento e conivência com as ações violentas que se aproximavam" e a minuta golpista encontrada na casa dele.
- Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-diretor da Abin) — Segundo a denúncia, o aliado de Bolsonaro atuou para descredibilizar o sistema de votação. Ele teria “instrumentalizado” a Abin para uso político para disseminar notícias falsas.
- Almir Garnier (ex-comandante da Marinha do Brasil) — De acordo com a Procuradoria, enquanto os comandantes Exército e da Aeronáutica se posicionaram contrários a aderir a trama golpista, o almirante teria colocado tropas à disposição do plano.
- Mauro Cid (tenente-coronel do Exército) — Ex-ajudante de ordens da Presidência, o militar é acusado de ser o porta-voz de Bolsonaro e transmitia as orientações e ordens aos membros do grupo. Em delação premiada, ele detalhou os detalhes do plano golpista.
Veja o caminho do julgamento da trama golpista até aqui
- 11 de abril: Início
Processo contra núcleo central da trama golpista é aberto
- Até 28 de abril: Defesa prévia
As defesas dos oito réus apresentaram suas considerações iniciais da denúncia
- 30 de abril: Diligências
Moraes autorizou diligências solicitadas pelas defesas dos réus, como a inclusão de documentos nos autos e perícias sobre provas
- De 19 de maio a 2 de junho: Testemunhas
Supremo ouviu 52 testemunhas de acusação e defesa
- 9 e 10 de junho: Depoimento dos réus
Os oito acusados pela trama golpista responderam a perguntas no STF
- 10 de junho: Mais diligências
Moraes abriu novo prazo para defesas solicitarem inclusão de documentos nos autos e diligências extras
- 24 de junho: Acareação
Supremo faz acareação entre Mauro Cid e Braga Netto e outra entre Anderson Torres e Freire Gomes, a pedido das defesas
- 27 de junho: Alegações finais
Moraes encerra a instrução do processo e abre prazo para alegações finais das defesas. Prazos são de 15 dias para PGR, seguido de 15 dias para o delator Mauro Cid e depois de mais 15 dias para os demais réus