Lei usada por Trump contra Moraes é inspirada em russo morto na prisão
Advogado denunciou corrupção em seu país e, após a morte, deu nome a lei contra violadores de direitos humanos
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Siga noSÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Sergei Magnitsky era um advogado e auditor financeiro com uma carreira em ascensão quando, ao delatar uma fraude fiscal do governo da Rússia em 2008, foi preso e, quase um ano depois, morreu na cadeia.
Mais de 15 anos depois, o nome do advogado virou manchete no Brasil quando a lei Magnitsky foi utilizada por Donald Trump para aplicar sanções financeiras contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal) -incluindo seu nome em uma lista formada por pessoas acusadas de corrupção e violação de direitos humanos.
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Nascido em 1972 na então União Soviética, na região de Odessa -hoje parte do território da Ucrânia-, Magnitsky se especializou em direito tributário e contabilidade, campos pelos quais construiu sua trilha como auditor e consultor. Com 36 anos recém-completados, em junho de 2008, o advogado denunciou uma fraude de 5,4 bilhões de rublos (cerca de R$ 375 milhões atualmente) organizada por policiais e autoridades do Ministério do Interior russo e que envolvia 23 empresas do país.
Meses depois, os agentes de alto escalão que estariam envolvidos no esquema denunciado foram os mesmos responsáveis por prendê-lo antes do julgamento. À época, o governo da Rússia o acusou de evasão fiscal e manteve Magnitsky preso preventivamente, no que opositores apontaram ser uma violação jurídica politicamente motivada.
Na prisão, Magnitsky acusou os agentes penitenciários de maus-tratos e de negar atendimento médico com o objetivo de pressioná-lo a culpar o financista britânico William Browder pela evasão fiscal -Browder era o dono do fundo de investimentos Hermitage Capital Management, para o qual o auditor trabalhava quando descobriu e denunciou a fraude.
O britânico foi um dos principais investidores estrangeiros da Rússia até 2005, quando teve sua entrada no país negada devido à afirmação do governo de que Browder representava uma ameaça para a segurança nacional. Foi próximo desse momento que Magnitsky foi contratado para sua defesa, o que o levou à descoberta do sistema de corrupção anos depois.
Após quase um ano na cadeia, em novembro de 2009, e pouco antes da data em que possivelmente seria libertado, o auditor russo foi encontrado morto na prisão Matrosskaya Tishina, em Moscou, deixando sua esposa e dois filhos. Pouco tempo depois, um órgão consultivo do próprio governo russo chegou a mostrar provas de que o advogado tinha sido espancado e teve cuidados médicos negados, e grupos de direitos humanos disseram que ele foi torturado até a morte. A versão oficial de Moscou, no entanto, negou as acusações de maus-tratos e declarou que a morte foi consequência de uma parada cardíaca.
Desde a morte de Magnitsky, Browder e pessoas próximas à empresa e ao advogado iniciaram uma campanha de cobrança pública a governos estrangeiros para que impusessem sanções e congelamento financeiro contra autoridades corruptas e violadores de direitos humanos.
É a partir desse esforço que, em dezembro de 2012, o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, sanciona a Lei Magnitsky, em retaliação aos abusos de direitos humanos sofridos pelo advogado russo. A priori, 18 empresários e funcionários do governo da Rússia foram proibidos de entrar nos EUA, tiveram seus ativos em bancos americanos congelados e seu uso do sistema bancário do país, proibido.
Duas semanas depois da assinatura de Obama, o presidente russo, Vladimir Putin, sancionou um projeto de lei que bloqueia a adoção de crianças russas por pais dos EUA, na época justificado por supostos casos de maus-tratos nessas relações. O bloqueio, no entanto, foi amplamente visto com uma retaliação do Kremlin.
No mesmo rol de ações russas, a Hermitage Capital já havia sido acusada, na época, de sonegação fiscal e, em paralelo, o governo seguiu com processos contra Magnitsky e Browder. Ambos foram condenados em 2013, mas o britânico não foi preso porque não voltou ao território russo e a Interpol recusou o pedido de incluí-lo na lista de busca internacional por considerar que a decisão de Moscou foi política.
Mais tarde, em 2016, no fim do mandato de Obama, a lei americana foi ampliada, com o objetivo de ser aplicada a suspeitos de violações de direitos humanos em todo o mundo. Até 2025, os EUA já sancionaram mais de 740 estrangeiros baseados nesse texto. Os nomes incluem ditadores e pessoas como Yahya Jammeh, ex-presidente da Gâmbia, de 1994 a 2017, acusado de corrupção e graves violações de direitos humanos; o general Min Aung Hlaing, que assumiu o controle de Mianmar após um golpe de Estado em 2021; e Ramzan Kadyrov, líder da Chechênia vinculado a execuções, torturas e outros casos de abuso.
Na quarta-feira (30), o governo Trump adicionou o nome do ministro Alexandre de Moraes à lista, afirmando que o magistrado tem agido contra a liberdade de expressão e perseguido o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados na ação penal no STF que investiga a trama golpista de 2022.
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William Browder, em entrevista à coluna Mônica Bergamo nesta sexta-feira (1º), aconselhou o ministro a recorrer à Justiça dos EUA para reverter as sanções. Segundo ele, a imposição é um "abuso claro da lei", motivado por razões políticas. "É óbvio que isso não tem a ver com direitos humanos. Tem a ver com ajudar seu amigo Jair Bolsonaro. Isso desrespeita completamente o legado de Sergei", afirmou.