Como definir os preços das estatais mineiras, ponto essencial do Propag
Cemig, Codemig e Copasa estão no centro da discussão política, mas envolver as empresas na negociação da dívida tem aspecto eminentemente técnico
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Siga noO Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) é a pauta central da política mineira em 2025. O refinanciamento dos cerca de R$ 170 bilhões devidos por Minas Gerais à União movimenta os poderes Legislativo e Executivo nas instâncias estadual e federal e escancara as rusgas existentes entre a Assembleia Legislativa (ALMG), o governador Romeu Zema (Novo) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Sobre toda a celeuma política, paira uma questão eminentemente técnica: quanto valem as estatais mineiras que podem entrar na negociação?
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Por meio do Propag, os estados podem refinanciar as dívidas com a União em até 30 anos e ainda abater os juros, hoje fixados pela inflação a mais 4% ao ano. É possível reduzir a cobrança para dois pontos percentuais se 20% do estoque do débito for amortizado. Para tal operação, o trunfo de Minas Gerais é envolver suas estatais na conversa com a federalização ou a privatização dos ativos, em especial Cemig, Copasa e a Companhia de Desenvolvimento Econômico (Codemig).
A regulamentação do Propag prevê que a avaliação dos ativos que os estados pretendem envolver na negociação caberá ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). À instituição é designada a responsabilidade de um processo longo e meticuloso, como explicam especialistas à reportagem do Estado de Minas.
Ricardo Berzoini, funcionário de carreira do Banco do Brasil e ex-ministro das pastas de Previdência Social; Trabalho e Emprego; Relações Institucionais; Comunicações; e Secretaria de Governo, explica três métodos mais comuns para a determinação do valor de empresas. Ele começa pelo fluxo de caixa descontado.
“É uma previsão da geração de caixa que a empresa tem. Normalmente, se fixa um prazo de 10 anos e, se a empresa tem geração de R$ 1 bilhão anual, por exemplo, ela pode valer R$ 10 bilhões. É preciso também ser feito um trabalho técnico que verifica, além desse fluxo, possíveis passivos que podem impactar o caixa no futuro”, diz.
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“Além disso, o valuation deve levar em conta a natureza do trabalho da companhia. Se é uma mineradora, por exemplo, se calcula a flutuação do valor do minério extraído no mercado para criar uma projeção da geração de caixa para os próximos 10 anos”, completa Berzoini.
O segundo método mais comum, apontado por Berzoini como um dos mais céleres, pode ser aplicado a partir do cálculo do valor da empresa na bolsa de valores, a partir de uma ponderação da variação do custo das ações nos últimos anos. Um terceiro método seria fazer o cálculo pelo valor contábil do patrimônio líquido da companhia.
Especificidades
Independentemente do método, a atividade de valoração precisa ser minuciosa e envolver uma grande equipe multidisciplinar para estabelecer um preço factível. É por isso que o BNDES leva, nos casos mais rápidos, ao menos nove meses para chegar aos resultados finais.
O professor do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG, Ricardo Machado Ruiz, destaca que, após receber uma extensa documentação com os balanços contábeis de uma companhia, a consultoria precisa se debruçar sobre as características específicas relacionadas ao trabalho da empresa. Ele usa a Cemig como exemplo.
“A equipe de avaliação vai requisitar uma quantidade fenomenal de documentos que fundamentam os valores para fazer a checagem. Depois de você checar todo esse material, verificar a contabilidade, você parte para o impairment, que é a precificação a mercado dos ativos da empresa. Para ver se os ativos da empresa não estão subvalorizados ou sobrevalorizados. Eles vão precificar cada um dos ativos que têm na Cemig, as linhas de transmissão, usinas de grande porte, sistemas de distribuição, os contratos de prestação de serviço…”, afirma o professor.
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Para atender às demandas de avaliação específica é necessário contar com especialistas de diferentes áreas nas equipes responsáveis pela valuation. As capacidades técnicas incluem, por exemplo, a área jurídica, para avaliação de aspectos como os passivos trabalhistas associados à empresa em questão, até profissionais que dominam a atividade fim da companhia.
“É preciso um leque muito grande de engenheiros, de pessoal que trabalha em compras nesse setor, pessoal que acompanha o valor dos ativos nesse setor, de uma análise jurídica dos passivos, atrasos de contas, terrenos. Em casos como o da Cemig é preciso calcular, por exemplo, qual o volume de perdas que a empresa tem no processo de distribuição de energia por conta dos famosos ‘gatos’”, diz o professor da UFMG.
Como complemento, Berzoini destaca que exemplos de grandes crises contábeis também podem exemplificar o quão necessário é um processo de avaliação minucioso e meticuloso para evitar distorções em relação à precificação das companhias. Ele destaca que mesmo consultorias consideradas confiáveis e acostumadas com empreitadas de grande porte nesse mercado já cometeram falhas graves como a EKG e a Arthur Andersen.
“Isso vem desde a época do Banco Nacional, Banco Econômico, Bamerindus, o caso da Enron, que foi um escândalo norte-americano, assim como o banco Lehman Brothers em que o balanço estava no mínimo irregular, para não dizer fraudado. Um caso mais recente no Brasil foi o das Lojas Americanas. Em todos eles, houve o trabalho de consultorias de alta reputação que não detectaram os problemas”, recorda o ex-ministro e ex-deputado federal.
Análise por pares
O prazo determinado para a avaliação das empresas via BNDES gerou um ruído que, naturalmente, foi utilizado como combustível na disputa política. A regulamentação do Propag determina que os estados consigam a autorização de suas respectivas assembleias para envolver ativos na negociação da dívida e enviem uma lista dos bens que pretendem usar para amortizar o débito até o fim de outubro. Essa relação será avaliada pelo Ministério da Fazenda e a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), que decidirão o que será aceito como forma de abater o valor devido e reduzir os juros.
Até dezembro, os estados devem decidir se aderem ou não ao Propag. A questão é que o BNDES não vislumbra a possibilidade de avaliar as companhias mineiras dentro deste prazo. Como já demonstrado nesta reportagem, o processo é longo e requer minúcia. Por meio do vice-governador Mateus Simões (Novo), o governo mineiro criticou o que seria um descompasso entre os prazos do programa e do banco. O BNDES admite trabalhar com uma mudança na forma de avaliação para acelerar o processo ou, ao menos, divulgar um preço preliminar para as estatais.
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Toda essa discussão envolverá muita saliva de agentes políticos, que têm preferido as vias do combate às do diálogo. Do ponto de vista técnico, o relevante é que existem formas de se chegar a uma aproximação do preço das estatais de forma célere, como explica o economista e professor da UFMG, Ricardo Ruiz. No caso de Cemig e Copasa, duas empresas de capital aberto e com companhias de atividade semelhante no mercado, uma possibilidade é a chamada avaliação por pares.
Ruiz explica que transações envolvendo empresas de geração e transmissão de energia e companhias de saneamento básico em outros estados, e até mesmo outros países, criam um arcabouço de avaliação que pode ser usado para determinar o preço de suas semelhantes mineiras.
“Cemig e Copasa possuem pares esparramados pelo Brasil. A Copasa é semelhante à Sabesp em São Paulo, por exemplo. Isso já permite eventualmente um dimensionamento dessa empresa de forma mais rápida. Porque você consegue estabelecer outras empresas que oferecem parâmetros para isso, elas têm as mesmas inserções produtivas. A partir do preço determinado lá, você começa a criar algumas dimensões, alguma proporcionalidade entre essas empresas. Talvez, por esse critério de de pares, de similaridade, de equivalência, de múltiplos, para usar um termo mais técnico, elas podem ter uma avaliação mais rápida”, afirma o professor.
Codemig
A Codemig é a menina dos olhos da oposição da Assembleia e até mesmo do grupo de deputados mais ligados à presidência da Casa. A empresa que explora nióbio em parceria contratual com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) na região de Araxá, Triângulo Mineiro, é vista como o ativo mais valioso do estado e gera expectativas de que, sozinha, possa valer mais de R$ 30 bilhões, o suficiente para atingir os 20% do estoque da dívida e reduzir os juros sobre o parcelamento sem ser necessário que Minas se desfaça de mais ativos.
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Saber efetivamente quanto vale a Codemig, no entanto, é o ponto mais complicado de toda essa negociação. Além de a empresa não ser de capital aberto, portanto não ter ações no mercado, ela não tem pares em outros estados, como o caso já descrito de Cemig e Copasa.
Para se somar a tudo isso, o nióbio e a possibilidade de extração de terras raras colocam a atividade fim da empresa em um cenário de incerteza geopolítica, em meio a confrontos internacionais constantes pelas fontes de matrizes que podem viabilizar a transição energética.
Para o professor Ricardo Ruiz, a precificação do nióbio é justamente um dos pontos que tornam a atribuição de um valor para a Codemig um trabalho de maior exigência. O economista destaca que o processo de avaliação da companhia precisa tentar responder a uma série de perguntas sem uma resposta concreta e de uma vasta natureza de áreas do conhecimento.
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“É difícil saber qual a demanda de nióbio em um momento de mudanças de tecnologia e geopolítica. Há protecionismo e conflitos comerciais de toda a natureza e por baixo disso, uma transformação da base produtiva, a tal eletrificação e a renovação de bases energéticas. Não se sabe exatamente, por exemplo, por quanto tempo a mina da Codemig poderá ser explorada. Existe o risco de outros minérios substituírem o nióbio, ou, pelo contrário, pode ocorrer uma expansão da produção de nióbio”, diz Ruiz.
O aspecto técnico da avaliação da Codemig ainda deve levar em conta aspectos jurídicos, como as bases contratuais firmadas com a CBMM, válidas até 2032, e a possibilidade de renovação do vínculo ou a captação de outros investidores para a extração do nióbio.
Ainda na seara metodológica, além das análises jurídicas e mercadológicas, a equipe que avaliará a Codemig precisará contar com profissionais capazes de determinar o custo das tecnologias de extração de nióbio, assim como a capacidade produtiva da mina e sua vida útil.
“Você vai ter que chamar o pessoal de mina, engenheiros de mina de todos os tipos para valorar, redimensionar, medir novamente a quantidade de nióbio viável para extração naquela mina. Isso aí é um trabalho hercúleo. Porque você vai ter que checar se a tonelagem de nióbio é viável do ponto de vista econômico, qual a taxa de extração, se nos próximos 40 anos ela será indisputável, ou seja, se é possível extrair e vender nióbio nesse período”, analisa.