A implementação de câmeras em consultórios de psicologia em Timóteo, no Vale do Aço, vem causando debates acalorados depois que uma lei, que obriga os lugares a terem os equipamentos, foi aprovada pela Câmara Municipal em 2023. O intuito é monitorar os atendimentos dos profissionais de saúde nos consultórios da cidade, inclusive nos particulares.
Profissionais de saúde relataram que desde setembro os equipamentos passaram a fazer parte do ambiente das salas de atendimento. As gravações são feitas de forma compulsória, sem qualquer consentimento do profissional. A gravação só não é feita se o paciente ou o responsável legal preencher um formulário contrário ao registro.
O Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG), entre outros representantes de profissionais de saúde, se mostram contrários à legislação e alegam que a presença do equipamento nos consultórios de psicologia, além de violar o sigilo profissional e a garantia da privacidade do paciente, mina a relação de confiança entre as partes.
Contrários
Além do CRP, se posicionaram contrário a legislação o Conselho Estadual de Saúde, Sindicato dos Profissionais das Técnicas Radiológicas (Sinditraux), Sindicato dos Médicos do Estado de Minas Gerais (Sinmed/MG), Conselho Regional de Nutrição e Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais (Sinfarmig). O Sinditraux alertou que, além dos problemas já citados, a Constituição Federal determina que apenas a União, Estados e o Distrito Federal podem legislar sobre proteção e defesa à saúde, inclusive de pessoas portadoras de deficiência.
A psicóloga Marleide Soares, representante do CRP-MG na audiência pública que tratou do tema, ponderou que “o simples fato de ter uma câmera instalada num local de atendimento já será fator de inibição e constrangimento para o paciente, mesmo que o terapeuta diga que ela está desligada, que ela só capte imagens”. Ela afirmou que desde que as câmeras foram instaladas os pacientes têm se mostrado receosos e até desistido de dar prosseguimento aos tratamentos.
Consentimento
O vereador Adriano Alvarenga (PRD), autor do projeto, afirmou, ao Estado de Minas, “o sistema de monitoramento a que se refere a norma permanece desativado, exceto quando o profissional da saúde é expressamente autorizado pelo seu paciente ou responsável legal a ativá-lo”. Contudo, o texto do art.1º, inciso 3, da Lei 3.946/2023 diz o contrário: “A gravação da sessão clínica somente não ocorrerá mediante manifestação direta do paciente, por meio de formulário específico, ou por seu representante legal quando aquele não for capaz de fazê-lo.”
Ele também reconheceu que a presença das câmeras pode desestimular que os pacientes deem prosseguimento aos seus tratamentos. “É possível que ocorra a inibição sim. Não descartamos essa hipótese, e por isso asseguramos a faculdade de o paciente ou o seu responsável legal manifestar-se a favor ou contra o registro de imagens durante as sessões”, respondeu, destacando que apenas as imagens são gravadas, não incluindo áudios.
Marleide Soares afirma que já é garantido que as sessões possam ser gravadas desde que feitas em comum acordo entre o profissional e o paciente ou seus responsáveis. O Estatuto da Pessoa com Deficiência também garante às pessoas atípicas, no artigo 21, que trata especificamente do direito à saúde, que “quando esgotados os meios de atenção à saúde da pessoa com deficiência no local de residência, será prestado atendimento fora de domicílio, para fins de diagnóstico e de tratamento, garantidos o transporte e a acomodação da pessoa com deficiência e de seu acompanhante”.
Sobre a garantia legal de que pessoas atípicas possam ter um acompanhante, o vereador disse que profissionais alegam que “a presença de acompanhante dentro da sala de atendimento pode inibir o paciente, prejudicando o desempenho da realização da sessão de terapia. Ou seja, esse acompanhamento não é concedido e nem garantido por parte dos profissionais”.
Direito fundamental a ser protegido
A implementação das câmeras também causou preocupação em profissionais de outras áreas da saúde, já que algumas das salas do serviço público também são usadas por eles, segundo confirmado por um profissional do município que não quis se identificar.
Apesar disso, o vereador Adriano Alvarenga afirmou que “não há obrigatoriedade da presença de câmeras de monitoramento em todas as salas de atendimento, seja no serviço público ou no privado. Desta forma, os demais atendimentos (outros que não sejam os psicológicos) não se obrigam a ter a presença de câmera de monitoramento nas salas de atendimento”.
Já sobre a possibilidade do profissional se recusar a ter seu atendimento gravado, o parlamentar afirmou que a legislação não dá esse direito ao atendente e que apenas “havendo expressa manifestação do paciente ou do seu responsável para que a sessão não seja gravada, prevalecerá, sempre, a vontade destes”.
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“A privacidade é um direito fundamental que deve ser protegido em todas as esferas da vida e uma das pedras angulares da relação entre psicólogos e pacientes é a confiança mútua (...). Ao buscar ajuda psicológica, os pacientes esperam que suas informações pessoais e as discussões em sessão sejam mantidas em estrita confidencialidade. A instalação de câmeras em uma sala de atendimento psicológico mina essa confiança, já que apresença constante de um dispositivo de vigilância pode comprometer a sensação de segurança e a liberdade de expressão dos pacientes”, afirmou o conselho em ofício encaminhado ao legislativo municipal.