Fliparacatu homenageia guardião do patrimônio histórico brasileiro
Rodrigo Melo Franco de Andrade, primeiro presidente do Iphan e autor de livro de contos, ganha homenagem na 3ª edição do Festival Literário de Paracatu
Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969) foi o primeiro presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), à frente do qual ficou por três décadas crédito: Iphan/divulgação
Agosto é o mês do Patrimônio Nacional, com uma data da maior importância na história da preservação dos bens culturais, incluindo conjuntos arquitetônicos, acervo sacro e obras de arte dos períodos colonial, imperial e republicano. No dia 17, será lembrado o nascimento de Rodrigo Melo Franco de Andrade, belo-horizontino que chegou ao mundo quando a capital mineira tinha apenas oito meses – BH foi inaugurada em 12 de dezembro de 1897. Nada mais natural, portanto, que o 17 de agosto tenha se tornado o Dia do Patrimônio Nacional e represente o despertar para a conscientização sobre os tesouros brasileiros, incluindo igrejas, capelas, mosteiros, prédios públicos, monumentos e todo o casario que enriquece capitais e cidades do interior.
Advogado, jornalista e escritor, Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969) foi o primeiro presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), à frente do qual ficou por três décadas. Com raízes familiares em Paracatu e Ouro Preto, será o patrono do 3º Festival Literário Internacional de Paracatu (Fliparacatu), a ser realizado de 27 a 31 deste mês na cidade do Noroeste de Minas. Para a tarde do sábado (30), está programada a sessão “Patrimônio Histórico: O ideal de Rodrigo Melo Franco de Andrade”, com participação do pesquisador Beto Mateus, associado do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e funcionário do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG), e do jornalista Bernardo Mello Franco.
Idealizador do Fliparacatu, Afonso Borges conta que a mãe de Rodrigo, a paracatuense Dália Melo Franco de Andrade, era filha de Virgílio Martins de Melo Franco, político e intelectual influente, e de Anna Leopoldina Pinto da Fonseca, pertencente a uma das famílias mais prestigiadas de Minas, com forte presença na política, na literatura e na cultura. Em 8 de março de 1897, Dália se casou com Rodrigo Bretas de Andrade, advogado, professor de direito criminal e procurador seccional da República. Rodrigo foi o primeiro dos três filhos do casal.
EXPOENTE CULTURAL
Nome estelar na cultura brasileira no século 20, Rodrigo começou sua trajetória no Iphan em 1936, quando o então ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema (1900-1985), por indicação do escritor Mário de Andrade (1893-1945) e do poeta Manuel Bandeira (1886-1968), o convidou para organizar e dirigir o antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan). “A partir daí, a proteção dos bens patrimoniais do país passou a ser sua atividade principal, ficando em segundo plano a advocacia, a literatura, o jornalismo e a política”, observa Beto Mateus. A implantação do serviço exigiu o cumprimento de diferentes tarefas, como a redação de uma legislação específica priorizando a introdução do instrumento do tombamento, preparação de técnicos e trabalhos na área, disputas judiciais e busca de uma consciência de preservação em nível nacional.
Em poucas vezes, no Brasil, uma única pessoa se associou tanto a um conceito e à defesa de um ideal, como foi o caso do mineiro Rodrigo Melo Franco de Andrade. “Não seria exagero também constatar sua genialidade e constante obstinação para, além de ser responsável pela criação de uma repartição, no caso, dedicada à proteção do patrimônio histórico, tomar para si, com inteiro compromisso público, a responsabilidade de iniciar uma política e consolidar a sua efetiva atuação”, ressalta o pesquisador.
Se tem raízes em Paracatu, o pioneiro do Iphan tem laços fortes com Ouro Preto. Do lado paterno, descende de família tradicional da ex-capital de Minas, em que figura seu bisavô, Rodrigo José Ferreira Bretas, autor da primeira nota biográfica (1858) sobre Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
Em BH, Rodrigo fez o estudo das primeiras letras no Ginásio Mineiro. Aos 12 anos, foi matriculado no Lycée Janson de Sailly, em Paris, na França, onde continuou o curso secundário. Morando com seu tio, o jornalista, escritor e jurista Afonso Arinos (1868-1916), conviveu com inúmeras personalidades que se destacavam na vida intelectual brasileira, como o escritor e diplomata Graça Aranha, o jornalista e político Tobias Monteiro e o escritor Alceu Amoroso Lima.
Retornando ao Brasil, Rodrigo iniciou o curso de Direito na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Devido à transferência de moradia, fez parte do curso em Belo Horizonte e em São Paulo, o que permitiu seu contato com vários intelectuais.
Rodrigo Melo Franco de Andrade com Carlos Drummond de Andrade, no Morro da Queimada, em Ouro Preto (1951) ARQUIVO IPHAN/DIVULGAÇÃO
VIDA PROFISSIONAL
Em 1919, já formado, o jovem Rodrigo trabalhou como oficial de gabinete do diretor da Inspetoria de Obras Contra as Secas, no Rio. Em 1921, no jornal “O Dia”, começou atividade jornalística em coluna que discutia os fatos, os livros e personalidades que marcavam a literatura de então. “Cinco anos depois, exerceu as funções de redator-chefe da ‘Revista do Brasil’, inserindo-a nas ideias defendidas pelo movimento modernista de 1922. Trabalhou também em ‘O Jornal’, de Assis Chateaubriand, no qual foi o diretor-presidente entre os anos de 1928-30. A atuação jornalística se estendeu a vários jornais comoEstado de Minas, ‘A Manhã’, ‘O Estado de São Paulo’, além da revista ‘O Cruzeiro’”, observa Beto Mateus.
Na década de 1930, o belo-horizontino foi convidado para a chefia de gabinete do ministro da Educação e Saúde Francisco Campos. Na ocasião, fez a indicação do arquiteto Lucio Costa para a direção da Escola Nacional de Belas Artes. Já em 1936, veio a decisão que marcaria definitivamente a preservação do patrimônio histórico do país. Indicado por Mário de Andrade e Manuel Bandeira, Rodrigo foi convidado pelo ministro Gustavo Capanema para organizar e dirigir o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan, atual Iphan). “Era necessário instituir as diretrizes para garantir a proteção dos bens culturais e a definição de parâmetros legais e técnicos específicos para a área. Além do pioneirismo da criação de uma instituição de caráter prioritariamente cultural, Dr. Rodrigo, como era chamado pelos companheiros do Sphan, teve a incumbência de garantir a sobrevivência junto a políticos e mudanças de governos.”
Fruto do trabalho do Dr. Rodrigo, a política de preservação do patrimônio histórico e artístico nacional ganhou força e começou a ser desenvolvido com o amparo legal do decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937 que, dentre outras medidas, apresentou ao país a figura do Tombamento. “Nos Livros do Tombo, instituídos pela legislação, deveriam ser inscritos os ‘bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico’”. Difundido, o conceito passou a ser símbolo da preservação do patrimônio cultural brasileiro.
PELA PRESERVAÇÃO
Beto Mateus explica que Rodrigo comandou a instituição desde a fundação até1967, quando se afastou após três décadas de dedicada atuação. Rubem Braga testemunhou a abnegação do Dr. Rodrigo quando das comemorações dos 20 anos da instituição, em 1956. Disse ele: “O que os funcionários ouviram foi um grave e delicado ‘pito’ e um apelo para que trabalhassem mais. Nenhum se queixou depois; todos ficaram comovidos porque o funcionário que Rodrigo mais censurou foi ele mesmo, o chefe. O chefe que viveu estes 20 anos exclusivamente para o serviço, a ele se entregou com um total carinho, uma completa humildade e uma extraordinária devoção. Depois de historiar, com áspera modéstia, o que o Serviço fez nestes 20 anos, Rodrigo fez a lista das coisas que se devia ter feito e não se fez e acusou disso em primeiro lugar a ele, chefe”.
Além da preservação do patrimônio, Dr. Rodrigo se preocupava com a divulgação do tema por meio da apresentação de estudos, ensaios e monografias. Nesse sentido, foi criada a linha editorial do Sphan, com destaque para a “Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”, cujo nº 1 foi lançado em 1937. A publicação de artigos e ensaios sobre o patrimônio cultural do país é incumbida aos principais especialistas e pesquisadores, não se restringindo aos quadros de servidores do Sphan.
Na 2ª Exposição Internacional de Publicações Periódicas, realizada em Cuba em 1946, a Revista foi destacada dentre 1.711 publicações de todo o mundo quando, por unanimidade, o júri a concedeu diploma de honra. Dr. Rodrigo, na apresentação do nº 1, destaca os propósitos da “Revista”: “A publicação desta revista não é uma iniciativa de propaganda do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cujas atividades, por serem ainda muito modestas e limitadas, não justificariam tão cedo a impressão dispendiosa de um volume exclusivamente para registrá-las. O objetivo visado aqui consiste antes de tudo em divulgar o conhecimento dos valores de arte e de história que o Brasil possui e contribuir empenhadamente para o seu estudo”. A “Revista”, está em circulação até os dias de hoje.
“Presente a seminários em todo o mundo sobre a temática de patrimônio, museus e história, a figura de Rodrigo Melo Franco foi associada à de guardião do patrimônio cultural do país. Após se aposentar, em 1967, ele passou a fazer parte, até sua morte em 11 de maio de 1969, do conselho consultivo da instituição da qual foi pioneiro. Em 1998, ano do seu centenário, todo o Brasil passou a celebrar o Dia do Patrimônio Histórico na data de seu nascimento”, informa Beto Mateus. ]
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Literatura, encruzilhada e desumanização em Paracatu
A terceira edição do Festival Literário Internacional de Paracatu (Fliparacatu), a ser realizada entre os dias 27 e 31 deste mês no centro histórico da cidade mineira, tem como tema-conceito “Literatura, Encruzilhada e a Desumanização”. Os autores homenageados são a mineira Ana Maria Gonçalves, eleita este ano para a Academia Brasileira de Letras (ABL) e autora de “Um defeito de cor”, e o português Valter Hugo Mãe, que participa do tema com o romance “A desumanização”, que assina também a identidade visual do festival. O festival inclui mais de 60 autores na programação, entre eles Airton Souza, Amara Moira, Ana Cristina Braga Martes, Andréa del Fuego, Bernardo Ajzenberg, Calila das Mercês, Carla Madeira, Eliana Alves Cruz, Eugênio Bucci, Giovana Madalosso, Lilia Guerra, Luciany Aparecida, Marcelino Freire, Míriam Leitão, Morgana Kretzmann, Natalia Timerman, Ricardo Aleixo, Ricardo Ramos Filho, Sérgio Rodrigues, Trudruá Dorrico e Zeca Camargo. A curadoria é assinada por Bianca Santana, Jeferson Tenório e Sérgio Abranches. “A humanidade está na encruzilhada, com os sinais apontando caminhos errados”, acredita Afonso Borges, idealizador do evento e presidente do Fliaraxá, Flitabira e Flipetrópolis, ao explicar a origem do tema-conceito de 2025. “A encruzilhada nos coloca o caminho da ética como única opção”, defende. A programação completa está disponível no fliparacatu.com.br