LANÇAMENTO

Jardel Dias Cavalcanti estreia na poesia

O livro "Sete poemas de Praga e outros poemas", do historiador e ensaísta, tem lançamento neste sábado na Livraria Scriptum, na Savassi

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Rafael Fava Belúzio


Especial para o EM

Neste sábado, 09 de agosto, às 11h30, acontece na livraria Scriptum o lançamento de “Sete poemas de Praga e outros poemas”, estreia de Jardel Dias Cavalcanti em livro de poesia. O autor possui graduação (UFOP), mestrado e doutorado (Unicamp) e pós-doutorado (UFRJ) sempre com ênfase em História da Arte, área em que atua na UEL há quase 20 anos. Em seus escritos acadêmicos, vale destaque para reflexões sobre artes plásticas e participação política no Brasil dos anos de chumbo. Além disso, ele leva adiante projetos como Galileu Edições e Revista Bunker.

Na obra poética publicada, o historiador desenvolve certa tensão temporal entre fugidio e duradouro. Tal articulação é um modo viável de observar a estética fugaz e longamente elaborada por Cavalcanti. Lenta reunião de textos rápidos que foram publicados em site, revista eletrônica e plaquete, agora sendo agremiados e acrescidos de inéditos. Já no seu ensaístico poema de abertura, o autor trama um equacionamento dessas relações:

“Quando deito as palavras no travesseiro

O mar ainda está tranquilo

Na medida em que o cargueiro avança

Oceano aberto rumo ao infinito

As ondas são tomadas por tempestades

As certezas desaparecem nas sombras

E um desenho novo é criado

Na violenta dança das águas

Tudo vai perdendo o contorno

Até que não resistindo mais

O barco afunda nos sonhos

E os destroços que a maré entrega

No claro amanhecer das praias

É a poesia”

Fugidio (notável nos termos “quando” e “novo”) e duradouro (próximo de “infinito” e “tudo”) dançam nas imagens e nos sons da estrofe. É audível a partir das momentâneas batidas do temporal (“as onDas são TomaDas Por TemPesTaDes”) a dissolução do instante, a perda dos contornos, o afundar nos sonhos. E emergindo um tanto límpida e breve, na última linha, a poesia, algo barroca, é também destroço.

A sonoridade do poema, e da obra em prismas largos, é menos métrica e mais melódica, modulando nos momentos mais felizes um ondular imprevisível de aliterações e assonâncias. Aliás, o livro mistura estes registros valorizados e outros registros sem grande estima (escutados nas rimas com palavras de classe gramatical idêntica, em “Café noturno”). Dessa maneira, Jardel Dias Cavalcanti, a um só tempo, torce, aprimora, alteia, lima as melodias, lentamente, e colhe os versos rápidos e rasteiros, com muito prazer. “E eles vão tentar decifrar/ o caminho percorrido/ entre a santidade e a baixeza” – chega a dizer em “A notícia”.

Tais encaminhamentos guardam meditado laço com o inacabamento, a pressa. Em contiguidade, o tema da passante, tão caro à tradição lírica, aqui não retrata aquela que passa num doce balanço a caminho do mar. Não raro, em Cavalcanti o poema, formalmente, é ele mesmo um passante, um instante; e, ao restar como destroço, talvez busque uma (impossível?) eternidade.

Essa tensão temporal continua edificada ao abordar a cidade. Vale apreciar as sete composições dedicadas à capital da República Tcheca e ainda “O poeta de B. H.”, “Leblon blues” e “A avenida”. Em “Noturno de Praga”, surgem linhas que poderiam sair de uma crônica de Antônio Maria:

“O vento gelado persegue um gato sobre o telhado

Palácios dormem

Suas pedras enormes quebraram ombros

Falam da História

Igrejas alçam voo até as nuvens

Mas não abdicam de sua matéria

Como um anjo sem asa

Não me converto ao espírito”

Mas nem só de crônica vive a poesia. Transitório, fugidio e contingente são uma face difícil de mensurar na arte de Jardel Dias Cavalcanti; no entanto, ela também sonha com eterno e imutável. Nisso, ecoa bastante de Charles Baudelaire e de Walter Benjamin. Além deles, e no tratamento sensorial dado ao tempo, o eu lírico parece em busca de recursos caros a Marcel Proust. Sem falar nos profundos diálogos com as artes visuais, reconhecível no caos matemático à maneira de Jackson Pollock, nos estilhaços de imagens ao estilo de Pablo Picasso e nas cinematográficas imagens em movimento a homenagear Pier Paolo Pasolini.

Tal mobilidade, instabilidade, ainda incide na incomum organização das partes da obra. Ela inicia com prefácio de Jorge Coli e conclui com posfácio de Anelito de Oliveira; e entre essas balizas tradicionais, “Sete poemas de Praga e outros poemas” inverte a ordem recorrente das seções. A parte “Outros poemas” é a primeira, com 33 textos, número tão cristão; “Sete poemas de Praga”, por sua vez, surge ao final, colocada após imagem de menorá judaica. Se, desde o título, o que se espera é iniciar pelas 7 composições principais, e não pelos outros, Jardel Dias Cavalcanti causa estranhamentos. Desestabiliza valores. Anarquiva memórias.

RAFAEL FAVA BELÚZIO estudou Filosofia (UFMG) e Letras (UFV), mestrado e doutorado em Estudos Literários (UFMG), realiza pós-doutorado em Letras (UFES/CNPq), e é autor de “Quatro clics em Paulo Leminski” (Editora UFPR)

“Guernica”

Estilhaços de imagens
Corte e recorte de mortes
O pincel-granada rasgando figuras
Sob a luz lâmina da lâmpada

Fragmentos de corpos
Nenhuma cor – apenas o que é cinza:
A humanidade perdida.

*

“Hotel Firenze”


Para Jean Genet

Não há nada como uma lua submersa
Numa fina toalha de nuvem escura
Na madrugada suja da cidade.

E esses pobres rapazes da noite
De calções desgastados
Coxas grossas e braços fortes
Com quem dou entrada no Hotel Firenze.

Ali não há serviço de bordo
Para esses navegantes que comigo se atracam
Cumprindo o serviço pelo qual são pagos.

Querem apenas uma noite tranquila
Numa sólida cama de lençóis sujos
Onde seus corpos de estátua
Se contorcem antes do desmaio.

E nem a luz do amanhecer vazando
Pela fresta de uma cortina rasgada
Desfaz o peso do nosso sono.

*

“Um jardim de Praga”

O sol ilumina o jardim
Depois de uma chuva fina
O silêncio se propaga pelas árvores

Um passante acende um cigarro
Outro abraça a si mesmo no frio
Um pássaro inicia um canto

Os brotos nas árvores querem florir
Algumas cerejeiras brancas já clamam atenção
Uma flor se abre solitária sobre folhas verdes

A terra não me fala como um morto
Se chove – ela sabe:
Viver é regar o próprio jardim.

Reprodução


“Sete poemas de Praga e outros poemas”
• De Jardel Dias Cavalcanti
• Scriptum Editora
• 66 páginas
• R$ 69,90
• Lançamento neste sábado (09/08), às 11h30, na Livraria Scriptum (R. Fernandes Tourinho, 99, Savassi, Belo Horizonte)

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