SOBRE O SAQUE-ANIVERSÁRIO
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        “A Caixa começou a operar com novas regras para a antecipação do saque-aniversário do FGTS. A Resolução nº 1.130/2025, publicada em 20 de outubro, tenta colocar ordem na casa depois de um banquete de operações bilionárias que, entre 2020 e 2025, já movimentou cerca de R$ 250 bilhões. Um valor que daria para reconstruir o país umas duas vezes ou, ao menos, tapar parte dos buracos que o próprio sistema cavou. As novas regras chegam com cara de 'organização', mas o cheiro é de 'controle'. O trabalhador, que acreditava ter conquistado o direito de sacar uma parte do que é dele, agora precisa esperar 90 dias após aderir ao saque-aniversário para pedir um empréstimo. Ou seja, o cidadão continua sendo o dono do dinheiro, mas precisa pedir bênção e aguardar um trimestre para usá-lo. E não para por aí. O governo resolveu limitar o número de antecipações em cinco parcelas até outubro de 2026, depois disso, apenas três. Tudo em nome da 'sustentabilidade do fundo' – uma expressão elegante para dizer que, se deixar na mão do trabalhador, o dinheiro some rápido demais para o gosto do sistema financeiro. Os valores também foram engessados e o mínimo será de R$ 100 e o máximo de R$ 500 por ano. Isso transforma o que poderia ser um alívio financeiro em um troco, um refresco que mal paga a conta de luz. Hoje, 40 milhões de trabalhadores participam do saque aniversário. Destes, 28 milhões já anteciparam o que podiam. É o retrato de um país que precisa pedir empréstimo sobre o próprio dinheiro para sobreviver. Uma ironia digna de Kafka, mas com taxa de juros. Segundo a Caixa, as mudanças não alteram a 'sistemática do saque-aniversário', apenas as regras de antecipação. É verdade. O que muda não é o direito, é o acesso. E, no Brasil, o acesso quase sempre é o problema. O discurso oficial fala em 'proteção ao trabalhador' e 'prevenção de endividamento'. Mas o que realmente se vê é uma política paternalista: o Estado e os bancos continuam decidindo quanto, quando e como o trabalhador pode mexer no próprio dinheiro. O FGTS nasceu para ser uma poupança forçada, uma reserva de emergência. Mas virou um instrumento de crédito, um fundo de custeio, uma fonte de lucro para bancos e governos. Agora, com regras mais rígidas, a corda aperta ainda mais no pescoço de quem já vive contando os centavos. Sim, é preciso haver regras. Mas regras claras, justas e, sobretudo, equilibradas. O que não dá é para continuar tratando o trabalhador como um menor de idade econômico, incapaz de decidir o que fazer com o que é dele por direito. No fim, o saque aniversário continua sendo o mesmo bolo de sempre, o trabalhador assopra as velas, mas quem leva as fatias é o sistema.”
GREGÓRIO JOSÉ
Belo Horizonte