Se o professor adoece, a democracia enfraquece
Se quisermos um país mais justo e saudável, precisamos cuidar de quem cuida do futuro
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De: ACEDRIANA VOGEL - Diretora pedagógica da Aprende Brasil Educação
Debater o papel dos professores é, mais do que nunca, refletir sobre o impacto dessa profissão na construção de uma sociedade saudável. Diante de tantos desafios sociais e educacionais, não é exagero afirmar que o futuro do Brasil depende diretamente do cuidado que temos com nossos docentes. O risco de um “apagão de professores”, já apontado por especialistas, como uma ameaça à continuidade da educação escolar e, por conseguinte, a perda de um espaço vigoroso para lapidar a humanidade, no que diz respeito à ética e à cidadania.
Há 35 anos, quando entrei em uma escola rural multisseriada na condição de professora, sabia que se tratava de uma escolha que me colocaria frente a frente com realidades e desafios para os quais eu não tinha respostas de antemão. Sabia, também, que precisava dar o meu melhor – um dia sim e o outro também – pois eles só tinham a mim e eu a eles. Afinal, não é de hoje que os educadores precisam reinventar-se todos os dias para que seu conhecimento possa transformar as muitas vidas que passam por suas salas de aula. O que eu não esperava, no entanto, é que esse cenário ficasse ainda mais complexo, a ponto de, entre os jovens, encontrarmos cada vez menos interessados em seguir a carreira docente.
Pesquisas recentes revelam a gravidade desse cenário. Um estudo realizado com 438 professores brasileiros mostrou que docentes da educação básica apresentaram índices de burnout significativamente mais elevados do que os do ensino superior, associados a piores condições do desenvolvimento da sua atividade. Há a constatação de que mais da metade dos professores relataram altos níveis de exaustão emocional, embora afirmem manter o entusiasmo e a dedicação ao trabalho. Esse paradoxo é perigoso: a paixão pela docência, quando não apoiada por condições dignas, pode acelerar o adoecimento.
E o problema não se restringe à educação básica. Um estudo realizado com professores universitários no Rio Grande do Norte, por exemplo, identificou prevalência de burnout em mais de 61% dos participantes. Além disso, já temos dados que mostram que 15% dos docentes precisaram se afastar por sintomas psicológicos, e 18% por problemas vocais, frequentemente agravados em contextos de maior vulnerabilidade social. Esses números evidenciam que a crise docente é transversal e passa por todos os níveis de ensino, repercutindo no tecido social como um todo.
Se não conseguimos educadores mental e fisicamente saudáveis, como o seu trabalho poderá contribuir com o desenvolvimento integral dos estudantes? Por sua vez, se não asseguramos um ensino de qualidade, como podemos almejar um país pujante, com uma economia sólida e uma sociedade preparada para lidar com os múltiplos desafios que o mundo apresenta? Um ingresso para podermos operar nesse mundo!
O que está em jogo é, mais do que a qualidade do ensino, a saúde da própria sociedade. Quando professores adoecem ou deixam a profissão, os estudantes perdem não apenas o acesso ao programa curricular previsto para a escolaridade, mas também acolhimento, referência emocional e inspiração crítica. Cria-se um círculo vicioso: menos professores levam a mais sobrecarga, que resulta em mais adoecimento e, por consequência, em um apagão docente cada vez mais próximo. Essa ausência repercute diretamente na formação de cidadãos mais equilibrados, empáticos e preparados para a vida em comunidade. A escola é um espaço privilegiado para o exercício da cidadania!
Mas há motivos para esperança. As mesmas pesquisas que denunciam o esgotamento revelam também a resiliência e o compromisso dos docentes, que seguem acreditando no valor transformador da educação. É uma categoria profissional encharcada de propósito. É nesse ponto que a sociedade deve agir: investir em políticas públicas de valorização, garantir condições dignas de trabalho, oferecer suporte psicológico e programas de formação continuada. Se quisermos um país mais justo e saudável, precisamos cuidar de quem cuida do futuro. É preciso estabelecer o compromisso coletivo de assegurar que nenhum professor precise escolher entre a própria saúde e a sala de aula.