Avanços e lacunas da saúde bucal no Brasil
Entre erros e acertos, a verdade é que o Brasil ainda não abandonou a alcunha de "país dos desdentados"
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A saúde bucal no Brasil vive hoje um paradoxo: avanços técnicos e políticas emblemáticas convivem com desigualdades profundas, filas de espera e necessidades de tratamento ainda elevadas em inúmeros grupos sociais. Os resultados da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil 2023) mostram essa realidade em números: embora haja redução histórica de cáries e perda dentária em várias faixas etárias, persistem fragilidades regionais e grupos deficitários – por exemplo, 46,8% das crianças de cinco anos já têm experiência de cárie; e o edentulismo, que é a perda total ou parcial de dentes em idosos caiu de 53,7% (2010) para 36,27% (2023), permanecendo, porém, numericamente expressivo.
O SUS e o programa Brasil Sorridente, do governo federal, representam conquistas centrais: desde 2004, o programa ampliou a cobertura de equipes odontológicas na atenção básica, ações de promoção, fluoretação, extrações, restaurações e reabilitação protética em muitos municípios, incorporando a saúde bucal à estratégia de atenção primária. Há, também, instrumentos de vigilância (o próprio SB Brasil) que permitem medir progresso e desigualdades.
Ainda assim, a oferta efetiva varia muito conforme a região e pela capacidade de gestão local – muitas unidades básicas de saúde (UBS) não contam com equipe completa, há infraestrutura insuficiente para procedimentos de maior complexidade e listas de espera para próteses e tratamentos especializados. As regiões Norte e Nordeste do Brasil ainda concentram piores indicadores (maior necessidade de prótese, maior experiência de cárie em idades iniciais), evidenciando falhas em políticas de equidade.
No campo legislativo, a pauta da odontologia está ativa. Entre propostas recentes destacam-se projetos que tocam na formação profissional (PL no Senado para instituir um exame nacional de proficiência em odontologia – PL 3000/2024), propostas sobre remuneração e reconhecimento da categoria (PL 1259/2023, que trata do salário profissional de odontólogos e técnicos) e iniciativas com foco em populações vulneráveis (PL 4440/2024, que propõe um programa de reconstrução dentária no SUS para mulheres vítimas de violência).
Além disso, há projetos que buscam ampliar a presença da odontologia em contextos hospitalares (PLs que exigem cirurgião-dentista em UTI e internamentos prolongados). Essas proposições mostram duas coisas: o reconhecimento político da importância da saúde bucal e a disputa por recursos, regras e prioridades.
Entre erros e acertos, a verdade é que o Brasil ainda não abandonou a alcunha de “país dos desdentados”, que o persegue há séculos. Amanhã (25/10), Dia Nacional da Saúde Bucal, é o momento certo para refletirmos sobre a saúde bucal pública brasileira. Se por um lado, o país alcançou progressos mensuráveis e construiu instrumentos importantes (programas, pesquisas e diretrizes), os ganhos são desiguais e faltam arranjos estruturais para que a redução histórica de doenças se converta numa saúde bucal universal e equitativa. Sem financiamento previsível, integração entre níveis de atenção e políticas firmes de equidade, manteremos avanços estatísticos ao lado de persistentes lacunas que, para variar, continuam atingindo os mais vulneráveis.