O case AWS e o oligopólio das techs
A aproximação das big techs com o governo Trump deixa claro o tamanho alcançado por elas em nossa sociedade
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O mundo iniciou a semana com instabilidades em diversas aplicações influentes em nosso dia a dia. McDonald’s, Mercado Livre, Pinterest, Wellhub e a rede social Snapchat estiveram entre os diversos serviços com problemas de acesso desde segunda-feira, quando o Amazon Web Services (AWS) apresentou instabilidades. O AWS é uma plataforma de computação em nuvem para uso de desenvolvedores de aplicativos e sites, com pagamento sob demanda. A empresa é considerada líder do mercado de provedores, ao lado do Azure (Microsoft) e do GCP (Google).
A instabilidade apresentada pelo AWS virou notícia em todo o mundo, até porque influenciou o comportamento de usuários e afetou o faturamento de diversas empresas, principalmente as ligadas ao marketplace. Felizmente para esses desenvolvedores, os servidores apresentaram melhora no funcionamento nas últimas horas.
No entanto, chama a atenção como o mundo contemporâneo concentra poder em tão poucas empresas. No senso comum, há sempre o temor por uma eventual crise bancária que leve ao confisco das poupanças. Porém, o que acontece com as grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs, não é tão diferente: somos, como sociedade, cada vez mais dependentes dessas companhias.
O caso do AWS é emblemático, pois se trata de um serviço pouco conhecido pelo cidadão médio, mas usado por ele, de maneira indireta, em diversas requisições a aplicativos diferentes. Por exemplo, ao pedir um carro de aplicativo para lhe transportar entre sua casa e o trabalho, você, caro leitor, provavelmente dependerá do AWS ou de um serviço semelhante de computação em nuvem.
O que a instabilidade noticiada mostra é que as big techs são, cada vez mais, instituições com poder de influência e com faturamento semelhante a muitos países. A receita bruta da Alphabet, empresa que administra o Google, foi comparável ao PIB do Chile em 2023. segundo dados divulgados pelo Núcleo Jornalismo.
Vale lembrar como essas empresas têm influenciado, também, a geopolítica. A aproximação das big techs com o governo Trump deixa claro o tamanho alcançado por elas em nossa sociedade. Desde Elon Musk como homem forte da Casa Branca até Mark Zuckerberg colocando fim às ferramentas de checagem de informações nas redes sociais da Meta, não há dúvidas sobre o espaço ocupado por esses atores na maior economia do planeta.
Mas a influência das big techs não se resume somente aos seus líderes. Como mostrou série de reportagens da Agência Pública em setembro, essas empresas foram protagonistas no engavetamento do Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como PL das Fake News. A investigação mostra que 683 ações de lobby dessas companhias aconteceram somente em 2023, quando a votação do texto esteve mais próxima. Esse dado, inclusive, pode ser até maior, já que o Senado Federal não libera o acesso a essas informações, somente a Câmara.
A mesma reportagem da Pública deixa claro a aproximação das big techs com o Centrão e a direita brasileira. Essas empresas encontraram nos políticos mais conservadores a plataforma ideal para proteger seus interesses, usando a favor um eventual cerceamento da liberdade de expressão. Um assunto em comum para agradar ambos interessados em cafezinhos, almoços e drinques informais nos corredores do Congresso e nos gabinetes de Brasília.
Diante das peças colocadas no tabuleiro, é hora da democracia brasileira demonstrar sua força, mesmo diante de empresas com tanto poder – político e econômico – nas mãos. Se pela via Legislativa o necessário debate sobre esse oligopólio parece distante de acontecer, que o Supremo Tribunal Federal (STF) tome as rédeas da discussão. Claro, com toda parcimônia e comunicação clara que o assunto merece.