Resposta à altura ao crime organizado
Não há outra resposta àqueles que tentam intimidar o poder público senão aquela baseada em inteligência, articulação de órgãos estaduais e federais, capacitação
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Siga noConsiderado um dos maiores especialistas em facções criminosas no país, o ex-delegado-geral de São Paulo Ruy Ferraz Fontes foi assassinado a tiros, na última segunda-feira, em uma rua movimentada de Praia Grande, em horário de pico. Uma operação de alta complexidade tática e, provavelmente, meticulosamente arquitetada. As duas principais linhas de investigação indicam a participação do crime organizado na execução cometida sem qualquer tipo de pudor. Se confirmada, trata-se de uma demonstração de forças que merece uma resposta à altura do poder público, cuja capacidade de combater esses grupos criminosos tem sido cada vez mais questionada.
Semanas antes de ser assassinado, em entrevista ao grupo Globo, Ferraz Fontes queixou-se da falta de proteção depois que se aposentou da Polícia Civil. “Eu vivo sozinho na Praia Grande, que é no meio deles. Pra mim, é muito difícil. Se eu fosse um policial da ativa, eu tava pouco me importando, teria estrutura para me defender, hoje não tenho estrutura nenhuma”, desabafou. A região é conhecida como um dos redutos do Primeiro Comando da Capital (PCC), alvo de investigações conduzidas pelo ex-delegado, jurado de morte em razão disso. Foi ele, por exemplo, o responsável pelo indiciamento da cúpula da organização criminosa em 2006.
A outra frente apura se a execução tem ligação com o último trabalho de Ferraz Fontes, o de secretário municipal de Administração de Praia Grande. Ele cuidava de temas críticos na gestão da cidade litorânea, como fiscalizações e licitações, e sua atuação estaria desagradando criminosos infiltrados no setor imobiliário, de interesse do PCC. Certo é que os quase 30 tiros de fuzil desferidos contra o ex-policial escancaram, no mínimo, o desprezo dos grupos criminosos pelo Estado de Direito.
A afronta tem dimensões cada vez mais críticas. Basta lembrar da também execução, em novembro, do delator do PCC Vinicius Gritzbach, em plena luz do dia, no Aeroporto Internacional de São Paulo, o maior da América Latina. Ou do mês inteiro de ataques a ônibus e prédios de Fortaleza e região metropolitana, em 2019, coordenados por facções irritadas com medidas para combater o crime dentro dos presídios. Ou, ainda, do avolumado conjunto de pesquisas e levantamentos que tem alertado para a disseminação desses grupos criminosos pelo país, sobretudo em regiões remotas e fronteiriças.
Estudo divulgado, mês passado, pela Cambridge University Press mostra que 26% da população brasileira vive sob regras impostas por facções – o maior índice dos 18 países da América Latina analisados. Segundo os autores, de universidades estadunidenses, a realidade deve ser ainda pior em toda a região, considerando a dificuldade na coleta de dados em áreas dominadas pela chamada governança criminal.
Ao comentar o assassinato de Ferraz Fontes, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, traçou panorama semelhante. A execução “brutal” do ex-delegado, segundo ele, “mostra o nível de violência que, infelizmente, graça aqui no Brasil e também em outros países”. Mas é preciso fazer o dever de casa. Há um clamor por isso – a falta de segurança pública figura entre as principais preocupações dos brasileiros quando questionados sobre as mazelas que assolam o país.
Deflagrada no fim de agosto, a Operação Carbono Oculto evidenciou que o enfrentamento da questão é complexo – as facções diversificaram mercados, firmando um sofisticado esquema de lavagem de dinheiro com operações além-mar. Mas, também, está claro que não há outra resposta àqueles que tentam intimidar o poder público senão aquela baseada em inteligência, articulação de órgãos estaduais e federais, capacitação contínua dos profissionais envolvidos e a proteção permanente da sua integridade.