Uma dívida com a Palestina
É hora de os líderes europeus pagarem parte da dívida imperialista com a região ao, pelo menos, articular alguma reação de repúdio contra a ofensiva em curso
compartilhe
Siga noA cerimônia do Emmy neste ano ficou marcada, para além das premiações, pela manifestação de alguns artistas por uma "Palestina Livre", diante da mais recente ofensiva israelense na Faixa de Gaza, que já dura quase dois anos desde os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023. Estrela da série "Hacks", a atriz Hannah Einbinder falou em "libertação da Palestina" em seu discurso, ao vencer como melhor atriz coadjuvante; Megan Stalter, do mesmo seriado, vestiu uma bolsa com a palavra "cessar-fogo"; já o espanhol Javier Bardem também fez um protesto pró-Palestina no tapete vermelho.
Ainda que as manifestações desses artistas sejam válidas e necessárias, elas se mostram insuficientes para frear a destruição da Faixa de Gaza. Ontem, por exemplo, as forças israelenses iniciaram uma nova invasão à Cidade de Gaza, desta vez pela via terrestre. É uma escalada sem fim, que já dura quase dois anos e matou milhares de pessoas, boa parte delas crianças, já que a população dessa parte do planeta é majoritariamente formada por pessoas abaixo dos 30 anos, diante dos frequentes bombardeios ao longo dos anos.
O factual, no entanto, é insuficiente para dar o devido peso à tragédia. Reportagem publicada no último sábado (13) pelo jornal holandês De Volkskrant, um dos principais do país, mostra o tamanho da catástrofe em Gaza. Durante meses, a equipe de reportagem recebeu notas e exames e entrevistou profissionais de saúde que atuam na linha de frente dos hospitais na região. Os relatos são assombrosos e chamam a atenção para o genocídio em curso contra palestinos.
Entre outros destaques da apuração, feita majoritariamente pelos próprios profissionais de saúde pela proibição do acesso de jornalistas à Gaza por parte de Israel, vale ressaltar que 15 dos 17 trabalhadores entrevistados relatam ter atendido ao menos uma criança ou adolescente de até 15 anos com ferimentos a bala na cabeça ou no peito. No total, esses médicos, enfermeiros e cirurgiões listam 114 vítimas diferentes com essas características – número que pode ser muito superior diante daquelas crianças que morrem antes de chegarem aos hospitais.
Entre as vítimas do tipo, chama a atenção como boa parte dessas crianças e adolescentes tinham balas alojadas em seus corpos. Isso indica, sobretudo, que não foram vítimas de ataques aleatórios, mas abatidos a longa distância por Israel.
Do ponto de vista da medicina forense, esses ferimentos contam a história do massacre: pelo fato dos menores de 15 não terem seus corpos 100% formados, essas balas, em tese, deveriam atravessá-los. Se ficam alojadas, é um claro indicativo de disparo a longa distância, no qual a velocidade da bala, evidentemente, diminui, o que aumenta a chance de alojamento.
Se o disparo é de longa distância, a investigação trazida pelo jornal holandês descarta qualquer possibilidade de ferimento acidental – sobretudo diante do número superior a 100 vítimas relatado por apenas 17 médicos. Ou seja, a principal hipótese é de que as forças israelenses estão, como método, ceifando a vida de crianças em Gaza. Esse tipo de relato não é substancialmente novo na história recente da escalada bélica em Gaza. No entanto, serve para ressaltar o quão necessário é frear tal massacre na região.
Se o aspecto histórico mostra que as primeiras perseguições à Palestina partiram da Europa, sobretudo das ofensivas britânicas contra o Império Otomano (ao qual a Palestina foi ligada por séculos), é hora de os líderes europeus pagarem parte da dívida imperialista com a região ao, pelo menos, articular alguma reação de repúdio contra a ofensiva em curso.