Condenação de Bolsonaro não exclui a conciliação
A lição desse processo é a de que a democracia se fortalece quando há responsabilização, mas também quando se busca a pacificação
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O julgamento histórico da trama golpista representa um divisor de águas. Pela primeira vez, um ex-presidente foi condenado por tentar subverter a vontade das urnas. O Supremo Tribunal Federal (STF) cumpriu seu papel com base em provas robustas, demonstrou que não há espaço para a impunidade quando se trata de ataques à democracia. Este é um momento de afirmação institucional, mas também de desafio político: o país precisa transformar a justiça feita em oportunidade de amadurecimento democrático.
Não se trata de prolongar a polarização que envenena o debate público. Ao contrário, a lição desse processo é a de que a democracia se fortalece quando há responsabilização, mas também quando se busca a pacificação. Isso exige que as forças políticas abandonem os atalhos da violência e do ódio. O recente atentado contra um líder conservador nos Estados Unidos serve de alerta: radicalismos não criam soluções, apenas alimentam o ciclo da intolerância. O Brasil não pode repetir esse erro.
Neste aspecto, ganha relevo o artigo publicado pelos cientistas políticos Steven Levitsky e Filipe Campante no The New York Times. Segundo ele, o Brasil teve êxito onde os Estados Unidos falharam: responsabilizou um ex-presidente golpista, enquanto Donald Trump, após escapar de punições, retornou à Casa Branca. Essa comparação ressalta não apenas a gravidade dos fatos, mas a coragem do sistema judicial brasileiro em enfrentar a tentativa de ruptura institucional.
Também desnuda o contraste evidente da postura paradoxal da Casa Branca, que sanciona autoridades brasileiras, como o ministro Alexandre de Moraes, a pretexto de defender as liberdades, ao mesmo tempo em que promove o retrocesso democrático no próprio território. Os EUA, dizem os autores, já convivem com um presidente que flerta abertamente com o “autoritarismo competitivo”, que usa o aparato de Estado para punir críticos e desequilibrar o jogo democrático.
O Brasil, ao contrário, demonstrou resiliência institucional. Isso não significa, porém, que o caminho esteja livre de tentações regressivas. No Congresso Nacional, setores ligados ao ex-presidente condenado falam em anistia. Esse movimento seria um equívoco grave: transformaria a punição em mero gesto simbólico e abriria brechas para novas aventuras autoritárias. Não cabe ao Legislativo “revisar” a decisão da Justiça sob o pretexto de “pacificação”.
Verdadeira pacificação se dará com o respeito às regras do jogo, a disposição para o diálogo e a construção de consensos mínimos sobre o funcionamento da República. Anistiar os responsáveis por um ataque à democracia seria negar esse aprendizado e, pior, sinalizar que futuras tentativas poderão ser igualmente perdoadas.
É hora de virar a página sombria do golpismo. Isso só será possível se o país souber combinar firmeza na defesa das instituições com grandeza para promover o reencontro democrático. O julgamento de Bolsonaro não exclui a conciliação, cuja legitimidade nascerá do respeito à lei, e não da sua violação. Ao Congresso cabe a responsabilidade maior: rechaçar de forma categórica qualquer iniciativa de anistia e garantir que o Brasil avance para uma era de democracia mais madura, estável e inclusiva.