Gaza faminta e distante da paz
Não há dúvida, porém, dos prejuízos a longo prazo entre os acometidos por desastres humanitários
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Siga noPrincipal palco da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, Gaza chegou ao nível mais alto de fome possível, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) e especialistas em segurança alimentar. Passados quase dois anos do início do confronto, o cenário tende a entrar na lista dos piores desastres humanitários da história - a exemplo da combinação de guerra e seca que afetou metade dos habitantes do Sudão do Sul em 2017 e, 25 anos antes, matou 300 mil pessoas na Somália. Com uma diferença crucial: o enredo de agora tem no comando um Estado democrático.
A apatia de aliados ocidentais, portanto, preocupa, e a cobrança por uma reação internacional é mais do que necessária. Nesta semana, parece ganhar força uma pressão para que Israel adote medidas que, de fato, amenizem a epidemia de fome em Gaza. Na terça-feira, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, afirmou que, seguindo decisão da França, o Reino Unido reconhecerá o Estado palestino em setembro caso os palestinos sigam sob "sofrimento terrível". No mesmo dia, documento divulgado pela ONU e assinado por vários países, entre eles o Brasil, defende que a solução de dois Estados é o "único caminho" para a paz.
Na véspera, dois respeitados grupos de direitos humanos israelenses - B'Tselem e Physicians for Human Rights - divulgaram relatórios distintos sustentando que há um genocídio em curso contra o povo palestino. Estima-se que um em cada três moradores da Faixa de Gaza esteja há dias sem comer e que o número de mortos ultrapasse 60 mil desde o início da guerra. As declarações inéditas vieram com a cobrança de que aliados ocidentais têm o dever legal e moral de impedir a matança na região.
Shai Parnes, diretor de Divulgação Pública da B'Tselem, detalhou o modus operandi do crime humanitário. "Genocídio não é apenas um assassinato em massa de um grupo. Genocídio é a destruição de um grupo, de forma que ele não mais possa funcionar enquanto grupo", afirmou, exemplificando a destruição de escolas e hospitais. Não faltam imagens revelando que Gaza é terra arrasada. Mapeamento recente do Centro de Sistemas de Informação Geográfica da Universidade Hebraica indica que em torno de 70% das estruturas estão inabitáveis.
Israel, por sua vez, nega que palestinos estejam morrendo de fome na região. No domingo, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu afirmou que a acusação é "mentira descarada" - a despeito das imagens de crianças cadavéricas que se espalham pelas redes - e voltou a acusar o Hamas de dificultar a entrada de ajuda humanitária. Ainda que haja roubos e outros impedimentos por parte do grupo terrorista, não deve recair sobre os civis o ônus do confronto. É crime de guerra, inclusive, toda e qualquer violação aos direitos humanos.
Contrariando Netanyahu, Donald Trump reconheceu, nesta segunda-feira, que "há fome real" em Gaza. "Eu vejo isso, não dá para fabricar", enfatizou, em uma declaração que aumentou a esperança por um desfecho civilizatório à crise. Há de se considerar, porém, a postura mais oscilante adotada pelo republicano desde que voltou à Casa Branca. Mês passado, por exemplo, ele criticou o que chamou de "caça às bruxas" ao premiê aliado, considerado, à época, "o maior guerreiro de Israel".
Há quem diga que o morde e assopra recorrente é estratégia para que as forças de segurança sigam avançando. Outros avaliam que Netanyahu faz um jogo perigoso com Trump e coloca a relação histórica entre as potências em risco e, consequentemente, a empreitada em Gaza. A história, porém, não deixa dúvidas dos prejuízos a longo prazo entre populações acometidas por desastres humanitários. Ainda que uma trégua seja de fato instalada, os sobreviventes estão longe da paz.