Aliança rara nos EUA pressiona contra o tarifaço
Trata-se de um raro momento em que congressistas norte-americanos se aliam, ainda que por conveniência, à defesa da soberania brasileira
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Siga noA uma semana do início do tarifaço de Donald Trump contra o Brasil, cresce em Washington o coro de vozes contrárias à decisão do presidente americano de impor tarifas de 50% sobre as exportações brasileiras em razão do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. Não se trata apenas de divergências partidárias ou de uma disputa interna entre democratas e republicanos. A carta enviada por 11 senadores democratas a Trump, liderada por Tim Kaine e Jeanne Shaheen, explicita o desconforto com o uso abusivo do poder econômico dos Estados Unidos para interferir diretamente no sistema judicial de um país soberano.
Os senadores lembram que a ameaça tarifária não está vinculada a desequilíbrios comerciais, uma vez que os EUA mantêm superávit com o Brasil desde 2007 - foram US$ 7,4 bilhões em 2024. Tampouco se trata de proteger empregos americanos ou corrigir assimetrias de mercado. O objetivo declarado por Trump, como reiterado em carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é pressionar o Judiciário brasileiro a encerrar o processo contra Jair Bolsonaro, acusado de conspirar para anular as eleições de 2022 e liderar uma tentativa de golpe de Estado.
A crítica dos parlamentares americanos, além da dimensão moral ou institucional, aponta um cálculo de risco econômico e estratégico: o comércio bilateral movimenta mais de US$ 40 bilhões anuais e sustenta cerca de 130 mil empregos nos EUA. Uma guerra comercial elevaria custos para famílias e empresas americanas, além de gerar eventuais represálias brasileiras. Trump já prometeu retaliar ainda mais o Brasil, caso o presidente Lula aplique a Lei da Reciprocidade, criando um círculo vicioso de taxações que poderia chegar a 100% sobre diversos produtos.
Há um contencioso geopolítico perigoso. Ao empurrar o Brasil para o confronto, Trump abre caminho para que Pequim amplie sua influência na América Latina. A carta dos senadores lembra que empresas estatais chinesas investem pesadamente em portos e ferrovias no Brasil, e que o distanciamento entre Brasília e Washington favoreceria a integração do país à Iniciativa Cinturão e Rota (Belt and Road). Em outras palavras, o gesto em defesa de Bolsonaro acabaria por contrariar interesses estratégicos dos EUA.
Trata-se de um raro momento em que congressistas norte-americanos se aliam, ainda que por conveniência, à defesa da soberania brasileira. Os senadores deixam claro que a prioridade dos EUA deveria ser fortalecer relações econômicas mutuamente benéficas e apoiar democracias, não interferir em processos judiciais para proteger amigos pessoais do presidente. Nomes de peso do Partido Democrata, como Dick Durbin, Kirsten Gillibrand e Adam Schiff, e vozes moderadas, como a de Mark Warner, subscrevem o documento. Parlamentares republicanos, sobretudo ligados ao agronegócio e à indústria importadora, compartilhem dessa visão, ainda que silenciosamente.
No Brasil visto por eles, o gesto serve como contraponto ao discurso de que o país estaria isolado. Mostra que, dentro dos EUA, existe um campo político democrático sensível aos custos econômicos e aos riscos institucionais dessa aventura tarifária. Essa pressão pode não ser suficiente para conter a intransigência da Casa Branca, mas serve para deslegitimar aos olhos do mundo e dos brasileiros a narrativa mentirosa de Trump de que o Brasil explora a economia norte-americana e não é uma democracia.
Por ora, o que se vê é um presidente que usa seu poder econômico e militar como instrumento de chantagem. Para Kaine, Shaheen e seus colegas, Trump ameaça não apenas os laços comerciais com o Brasil, mas a própria credibilidade dos EUA. Um tarifaço imposto por razões pessoais pode custar caro para a imagem de liderança global pretendida por Washington.