Riscos e danos
Há de se fomentar movimentos que garantam o desenvolvimento sem prejuízos graves e irreversíveis
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Siga noEstá em curso um grave e triste retrocesso à política ambiental no Brasil com a aprovação, em 17 de julho, do Projeto de Lei 2.159/2021, pela Câmara dos Deputados. É importante que a sociedade acompanhe de perto esta matéria e exija, dos representantes eleitos pelo povo, melhor diálogo sobre a questão, além de ser importante ouvir pareceres e entendimentos de instituições competentes e éticas. A matéria não se esgota no viés político e no atendimento de interesses de alguns segmentos da sociedade, por mais importantes que sejam. Há uma dimensão ética inegociável que se assenta em compreensão determinante no horizonte da ecologia integral. A proteção ambiental fica enfraquecida com licenciamentos fora de controles públicos, ameaçando territórios, água, florestas e a vida no seu conjunto. A gravidade da matéria e sua essencialidade pedem mais reflexão e ponderações técnicas e éticas. Caso contrário, a permissividade do proposto no Projeto de Lei pode escancarar as portas para empreendimentos, com potencial de danificação de biomas, com prejuízos que irão atingir e levar ao flagelo o conjunto da sociedade, sobretudo os mais pobres, os povos originários, em favor do lucro e de um desenvolvimento que pode encher os olhos e os bolsos, prejudicando o compromisso com o desenvolvimento integral.
Ora, a proposta do Projeto de Lei ignora avaliações técnicas, reduz a participação social e relativiza a responsabilidade do Estado, favorecendo interesses econômicos imediatos, em detrimento da sustentabilidade e da justiça socioambiental, considera a nota da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), instituição da Igreja Católica que não pode ser excluída deste debate e das reflexões, à luz de sua Doutrina Social e interesse incontestável pelo bem comum. É pertinente recordar a palavra do Papa Leão XIV quando sublinha que “num mundo onde os mais frágeis são os primeiros a sofrer os efeitos das mudanças climáticas, cuidar da criação é questão de fé e humanidade”.
O horizonte apontado pelo PL 2.159/2021 não é uma qualificada preparação para a Conferência das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, a COP30, que acontece em Belém do Pará, no final deste ano. Tem mais elementos na contramão que contribuições para convencer e efetivar novas compreensões e mudanças mais significativas no meio ambiente. Não é, portanto, um adequado cartão de acolhida aos participantes da Conferência, apontando para uma necessária sensatez de retomar o diálogo, intenso e extenso, a partir de um esperado veto. Existem evidentes referências e dados, já apontados pelo Papa Francisco na Carta Encíclica Laudato Si’ e na Exortação Apostólica Laudate Deum, que precisam ser pautados e postos nas mesas, particularmente do parlamento, em se considerando sua responsabilidade legislativa. O Brasil tem problemas graves a resolver e não pode apostar em soluções simplistas, como a indicação de desburocratização, ensejando facilidades e autonomias produtoras de danos a curto e longo prazo.
Sabe-se que já são irreversíveis algumas manifestações da crise climática que afeta o planeta. A temperatura global é um destes graves problemas. Assim, o desenvolvimento e a economia não podem impor regras de interesses massacrando e dizimando a terra de todos, a única que se tem. Não se trata de diagnósticos pessimistas ou alarmistas. Eles existem. As legislações não podem levar em consideração favorecimentos e facilitação de processos de licenciamento. Há de se fomentar movimentos que garantam o desenvolvimento sem prejuízos graves e irreversíveis. Por isso, tudo conta e tem importância, incluídos os pequenos gestos fecundados pelo rico e inspirador horizonte da ecologia integral. Não é uma brincadeira nem pode ser uma aposta como jogo de azar. A responsabilidade cidadã tem grande peso e não pode prescindir de parâmetros técnicos e éticos. Esta responsabilidade cidadã tem o compromisso de deixar uma herança benéfica, por meio de uma visão mais alargada que não permita apenas admirar o progresso, mas que leve em conta efeitos deletérios evidentes na atualidade. A grandeza econômica a ser conquistada não pode dispensar a luz da racionalidade que deve se contrapor às dizimações espantosas que vão se perpetrando, em desfavor do bem de todos, principalmente dos pobres e vulneráveis.
Não se pode, a esta altura, minimizar as considerações das feridas do meio ambiente, focando apenas em perspectivas lucrativas. As causas humanas do desastre ambiental em curso recaem como peso sobre a própria humanidade, fazendo pagar um alto preço. Há um rosário de consequências que carecem de considerações na prospecção do desenvolvimento integral e no modo de se viver, particularmente na elaboração legislativa, freando a ganância de se obter o maior lucro ao menor custo. Eticamente, cabe a advertência quanto ao risco de se aumentar para além de toda imaginação o poder humano, ao considerar que as riquezas do meio ambiente estão indefinidamente ao seu dispor. Legislações inteligentes e humanísticas são indispensáveis, em todos os âmbitos, particularmente no meio ambiental, regulando procedimentos e tecnologias. Considerando, hoje, o nível de desenvolvimento alcançado pelo poder humano, não se sabe, sem regulações adequadas, onde se pode chegar.
É hora de repensar, também de forma legislativa, a utilização do poder humano. Nem todo aumento de poder, a exemplo da flexibilização da legislação ambiental nos processos de licenciamento, é um progresso para a sociedade e para a humanidade. Este risco é incontestável. O abandono de uma ética sólida pode causar a destruição do meio ambiente e de vidas humanas. O mundo não é um simples objeto de exploração, permitindo que o ser humano seja um estranho, apenas agente de sua destruição. Urgente é que se inaugure um novo ciclo na consideração do aludido projeto de Lei, para que o Brasil seja modelarmente exemplar em questões ambientais, intuindo caminhos e procedimentos que o torne, de fato gigante, longe de riscos e danos.