35 anos do ECA: um legado a proteger e atualizar para o mundo digital
Precisamos saber como crianças e adolescentes vivenciam a internet, o que os preocupa, o que os encanta, quais são suas dúvidas e necessidades
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Siga noNeste mês de julho, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 35 anos. Instituído pela Lei Federal nº 8.069, em 13 de julho de 1990, o ECA é um marco legal que regula os direitos humanos de crianças e adolescentes. Desde então, tem sido uma das mais importantes ferramentas de garantia e promoção de direitos no país – e, ao longo dessas mais de três décadas, seu impacto na construção de políticas públicas é inegável.
O artigo 4º do Estatuto deixa claro o compromisso coletivo – da família, da sociedade e do Estado – com a efetivação dos direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Já o artigo 5º é taxativo ao afirmar que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Mas é preciso lembrar: na década de 90, quando o ECA foi sancionado, a internet sequer existia como realidade no cotidiano das famílias brasileiras.
Hoje, as infâncias e adolescências se desenvolvem num ambiente hiperconectado, onde o mundo on-line influencia diretamente a saúde mental, os vínculos, o aprendizado e a própria construção da identidade. O que antes era restrito ao convívio escolar ou familiar, agora se expande para o mundo virtual que pode ser tanto um espaço de oportunidades quanto de vulnerabilidades e perigos.
Nesse contexto, surge a urgência de atualizar a forma com que olhamos para os direitos previstos no ECA. Onde está, por exemplo, o componente da proteção on-line? Como garantir o direito à educação, à saúde emocional, ao lazer e, acima de tudo, à segurança, num espaço digital ainda tão marcado por riscos como o cyberbullying, o aliciamento, a exposição precoce e a desinformação?
Minha principal recomendação, neste marco dos 35 anos do ECA, é a criação, por exemplo, de uma Política Nacional de Letramento Digital, também conhecida por alguns como cidadania ou educação digital, e que inclua, de forma ampla e integrada, a proteção infantojuvenil. Isso não significa apenas ensinar crianças e adolescentes a usar a tecnologia, mas desenvolver competências para que saibam usar com responsabilidade, consciência crítica e segurança.
Essa política deve ser ampla e incluir ações de capacitação para professores, familiares e responsáveis, preparando todos os que participam da formação da população jovem para orientá-los no ambiente digital, que muitas vezes é hostil e pouco regulamentado. Também é urgente fortalecer o combate à violência on-line, inclusive a sexual, com mecanismos de denúncia acessíveis e acolhedores, além de investir na produção e na divulgação de conteúdos educativos que incentivem o uso ético, crítico e seguro da tecnologia desde a infância.
Por fim, e talvez mais importante, dar espaço e voz às crianças e aos adolescentes. Precisamos saber como vivenciam a internet, o que os preocupa, o que os encanta, quais são suas dúvidas e necessidades. A proteção integral que o ECA propõe deve alcançar também os ambientes digitais. Afinal, o que acontece na internet e fora dela está cada vez mais misturado.
Ao celebrar os 35 anos do ECA, o que está em jogo é a sua capacidade de dialogar com os desafios do presente e do futuro. Proteger os direitos infantojuvenis exige mais do que boas intenções: exige ação coordenada, políticas públicas efetivas e atualização constante diante das novas realidades.
Mauricio Cunha
Presidente executivo da ONG ChildFund Brasil