Coração que pulsa: por que BH precisa revitalizar seu centro agora
Trata-se de uma oportunidade concreta de transformar o patrimônio subutilizado em espaços ativos, inclusivos e conectados com o futuro da cidade
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Siga noCélia Cunha Mello
Procuradora do estado de Minas Gerais, mestre em direito administrativo pela UFMG, autora do livro “O Fomento da administração pública”
Iana Cunha Mello Martins
Estudante de Arquitetura e Urbanismo na UFMG
O centro de Belo Horizonte, concebido como símbolo do urbanismo moderno brasileiro, vive hoje uma contradição: embora concentre riquezas históricas, culturais e arquitetônicas, enfrenta esvaziamento populacional, degradação urbana e perda de vitalidade. Ruas antes movimentadas se tornam espaços de passagem apressada, prédios icônicos permanecem fechados e a sensação de abandono desafia o pertencimento.
A experiência recente do Rio de Janeiro na revitalização da Zona Portuária ilustra com clareza o potencial transformador de políticas públicas urbanas bem conduzidas. Até poucos anos atrás, a região era marcada por abandono, insegurança e subutilização. Com a implementação do projeto Porto Maravilha, ancorado na criação do Museu do Amanhã – um marco de arquitetura, sustentabilidade e inovação cultural –, a cidade ressignificou sua relação com a área central e marítima. O museu, além de atrair milhões de visitantes, estimulou a reocupação urbana, o surgimento de novos empreendimentos e a valorização do entorno.
Belo Horizonte pode – e deve – se inspirar nesse exemplo. Embora tenha características próprias, o centro da capital mineira também reúne infraestrutura instalada, diversidade de usos e um patrimônio histórico valioso, que aguardavam apenas o incentivo certo para voltarem a pulsar. Cidades que se reinventam, prosperam – e Belo Horizonte precisava assumir seu lugar nesse movimento.
Foi diante desse cenário que o Poder Executivo de Belo Horizonte, por meio da Prefeitura e da Secretaria Municipal de Política Urbana, propôs a Lei Municipal nº 11.783/2024, sancionada em 6 de dezembro de 2024, durante a gestão do prefeito Fuad Noman. A nova legislação representa uma resposta concreta à necessidade de requalificação do hipercentro, ao estabelecer incentivos e diretrizes voltados à reconversão de edificações e à ocupação mista. Mais que uma política urbanística, a medida busca reaproximar lojistas, moradores, investidores e o poder público em torno de um objetivo comum: ressignificar um território central que ainda guarda enorme potencial econômico, social e simbólico. Revitalizar o centro, portanto, é também reafirmar o compromisso com o futuro de Belo Horizonte.
Para estimular a ocupação e modernização do centro de Belo Horizonte, a Lei Municipal nº 11.783/2024 instituiu um pacote robusto de incentivos fiscais e urbanísticos voltado a investidores, incorporadoras e proprietários de imóveis. Entre os principais atrativos está a isenção total do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) para aquisições destinadas à produção de habitação ou uso misto no hipercentro. Soma-se a isso um desconto de até 50% no IPTU pelo período de três anos, além da eliminação de taxas administrativas para o primeiro exame de projetos de construção, regularização ou adaptação. Trata-se de atividade estatal de fomento que visa reduzir significativamente o custo de empreendimentos, tornando economicamente viável a reconversão de prédios antigos e subutilizados, atraindo investimentos para a área central da capital mineira.
Além dessas medidas de fomento público, a nova legislação oferece instrumentos urbanísticos inovadores. Um deles é o chamado Benefício por Produção de Moradia (BPM), que concede potencial construtivo adicional gratuito. Trata-se de um mecanismo que premia empreendimentos que incluam unidades habitacionais, sobretudo de interesse social, com direito a construir mais do que o permitido originalmente no terreno. Funciona assim: para cada metro quadrado de área construída destinada à moradia, o projeto recebe 1,5 metro quadrado adicional de “potencial construtivo”, que pode ser utilizado no próprio empreendimento – aumentando, por exemplo, o número de andares ou unidades – ou transferido para outro imóvel, dentro das regras urbanísticas da cidade. Em outras palavras, quanto mais habitação o investidor incluir no projeto, maior será o bônus construtivo concedido pela prefeitura – um estímulo direto à produção de moradias no centro da capital.
A lei também flexibiliza regras para retrofit com uso misto, exigindo comércio no térreo, terraços abertos ao público e áreas verdes nas coberturas. Com isso, busca-se atrair investimentos, revitalizar a região, promover moradia no centro e estimular a vida urbana com mais diversidade, segurança e sustentabilidade. Trata-se de uma oportunidade concreta de transformar o patrimônio subutilizado em espaços ativos, inclusivos e conectados com o futuro da cidade. A experiência de instalar cafés, restaurantes, áreas de convivência e jardins no topo dos prédios, como parte integrante do retrofit, contribui para renovar a paisagem urbana e maximizar o potencial de Belo Horizonte de oferecer aos moradores e turistas exatamente aquilo que seu nome promete: um belo horizonte.
A Lei nº 11.783/2024 representa mais do que uma política pública: é um convite direto à iniciativa privada, aos empreendedores e investidores que acreditam no poder de transformação das cidades. Revitalizar o centro de Belo Horizonte é devolver protagonismo a uma região que carrega a identidade e a memória da capital. É valorizar ícones como a Praça da Liberdade, com seu conjunto arquitetônico e museológico; o Mercado Central, viva expressão da cultura e da gastronomia mineira; a simbólica Praça Sete, com seu emblemático Pirulito; o boêmio Edifício Maletta; o histórico Viaduto Santa Tereza; o verde do Parque Municipal Américo Renné Giannetti, que abriga o Teatro Francisco Nunes; e a espiritualidade da Catedral da Boa Viagem. É também reconhecer o vigor cultural do Mercado Novo, que se transformou em polo criativo e gastronômico, além de potencializar equipamentos como o Museu da Moda e o Museu de Artes e Ofícios, instalados em prédios já ressignificados. Todos esses espaços, quando integrados a um centro mais habitado, seguro e ativo, se tornam ainda mais relevantes para moradores, visitantes e para a economia local. O caminho está aberto – com incentivos reais, segurança jurídica e oportunidade concreta de negócio. Cabe agora aos que acreditam na cidade transformar essa oportunidade em legado.