Mineração como pilar cultural e identitário no futebol: contrastes entre o

Por que não reconhecemos esse passado? Por que, diferentemente da Europa, rejeitamos o orgulho de nossas origens mineradoras?

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LEONARDO ANDRÉ GANDARA

Advogado, gerente jurídico da Equinox Gold, empresa canadense de mineração de ouro, mestre em direito público e professor de cursos de pós-graduação

JOÃO MARCOS PIRES CAMARGO

Advogado, professor, mestre em direito empresarial e pós-graduado em direito ambiental e minerário pela PUC Minas

A relação entre a mineração e o esporte guarda histórias fascinantes – e, especialmente com o futebol, não poderia ser diferente. O esporte mais popular do mundo se entrelaça há séculos com as comunidades mineradoras, sendo não apenas um passatempo, mas um espelho de identidade, resistência e orgulho local. Em muitas partes do mundo, a mineração não apenas moldou economias, como também forjou clubes de futebol que hoje simbolizam suas regiões. Contudo, ao olharmos para o Brasil, um contraste evidente surge: enquanto países como Alemanha, Espanha e Reino Unido, dentre outros, celebram com orgulho e até nostalgia o legado minerador, aqui a atividade ainda carrega um peso de crítica, resistência e desvalorização cultural.


Na Alemanha, por exemplo, a mineração é parte viva da identidade cultural – sobretudo no Vale do Ruhr. O Borussia Dortmund, por exemplo, prestou homenagem aos trabalhadores das minas de carvão com sua icônica camisa “Danke Kumpel” (Obrigado, companheiros). O Schalke 04, de Gelsenkirchen, rival regional do Dortmund e protagonista do maior clássico do país (não, não é contra o Bayern de Munique), possui em seu estádio um túnel que remete à entrada de uma mina subterrânea – um tributo direto à força de trabalho que ergueu Gelsenkirchen.


Essas equipes não apenas reconhecem sua origem operária: elas a celebram. Em seus cânticos, símbolos e arquibancadas, há reverência às raízes mineradoras que ajudaram a construir suas cidades e tradições esportivas.


Na Espanha, o Recreativo Huelva – clube mais antigo do país, fundado em 1889 por trabalhadores da Rio Tinto Company – nasceu no calor das minas de cobre e ainda hoje mantém viva essa conexão. O Athletic Club de Bilbao também tem raízes nas comunidades mineradoras do norte espanhol, cuja economia girava em torno da extração de ferro. Na França, o RC Lens teve em suas cores originais – verde e preto – a representação direta do campo e do carvão. E há ainda o Shakhtar Donestk, da Ucrânia, cujo nome significa, literalmente, “mineiro de Donetsk”, e que mesmo em meio à guerra ainda carrega essa identidade.


Enquanto isso, no Brasil, essa conexão é praticamente invisível. Mesmo com um setor minerador robusto – com protagonismo em estados como Minas Gerais, Pará e Goiás –, o imaginário nacional sobre a mineração é dominado por tragédias ambientais, degradação e exploração. Episódios como os desastres de Mariana e Brumadinho reforçam essa imagem negativa, frequentemente ignorando o papel da mineração na formação de cidades e clubes.


Tomemos Minas Gerais, estado cujo nome já carrega a herança mineradora, e onde se concentram alguns dos maiores clubes do país, como Atlético Mineiro e Cruzeiro. Nenhum deles ostenta qualquer vínculo explícito com a mineração, mesmo sendo parte de uma sociedade que nasceu e cresceu sob sua influência. O Valeriodoce Esporte Clube, de Itabira, é talvez a única exceção – ainda que tímida – a esse cenário.
Por que não reconhecemos esse passado? Por que, diferentemente da Europa, rejeitamos o orgulho de nossas origens mineradoras? Em parte, porque ainda tratamos a mineração como um mal necessário – e não como um componente da nossa histórica, cultura e identidade.


Está na hora de revisitamos essa narrativa com maturidade. A mineração não é apenas um setor econômico: ela influenciou comportamentos, moldou territórios e criou redes que sustentam comunidades inteiras até hoje. Assim como o futebol, tem o poder de mobilizar afetos, criar símbolos e gerar pertencimento.


Talvez demore para vermos clubes brasileiros homenageando mineiros em seus uniformes ou construindo estádios que reproduzam entradas de bocas de mina. Mas o reconhecimento simbólico é o primeiro passo para resgatar um imaginário que foi perdido – e que, se reconquistado, pode fortalecer tanto o setor mineral quanto o sentimento de identidade regional.


Celebrar a mineração no futebol brasileiro não é uma exaltação ao extrativismo a qualquer custo. É reconhecer que por trás de cada túnel escavado, havia – e ainda há – uma comunidade que vive, sofre, torce e constrói futuro. E isso, como o futebol, também merece uma torcida. 

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