Brasil: terra de sobreviventes
O que falta aos nossos empreendedores não é talento nem desejo de mudança. Falta-lhes condições para uma reflexão mais profunda
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Siga noPense na rotina de um empreendedor brasileiro comum. Seu dia começa cedo e termina tarde, preenchido por decisões constantes, múltiplas demandas e um ambiente de negócios que exige equilíbrio entre visão estratégica e agilidade operacional. Essa realidade é vivida por milhares de micro e pequenos empresários no país – líderes que conduzem seus negócios com coragem, criatividade e um senso admirável de responsabilidade. No entanto, essa dedicação intensa, quando não acompanhada de espaço para reflexão e renovação, pode comprometer um elemento vital à competitividade: a capacidade de inovar.
Muito se fala sobre o Custo Brasil em termos de impostos, burocracia e infraestrutura. Mas há um custo ainda mais cruel, invisível aos olhos das planilhas: a mentalidade de sobrevivência crônica. Empreender por aqui se tornou sinônimo de apagar incêndios. O problema é que ninguém inova com um balde na mão. Falta tempo e espaço para experimentar, testar e criar. Afinal, como construir o novo se estamos sempre reagindo ao urgente?
Segundo dados do Sebrae e do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), mais de 75% dos empreendedores no Brasil iniciam seus negócios por necessidade, e não por vocação empreendedora ou identificação de oportunidade. Isso significa que o impulso inicial já é defensivo. Soma-se a isso um ambiente de negócios hostil, e temos a fórmula perfeita para o imediatismo: foco exclusivo no curto prazo, aversão ao risco e, ironicamente, pouca margem para a criatividade.
Chris Zook, no livro “A Mentalidade do Fundador”, alerta para um fenômeno comum em empresas que crescem sem uma cultura forte: perdem sua “alma”. Deixam de ouvir a linha de frente, abandonam a insurgência e mergulham na complexidade paralisante. O pequeno empreendedor brasileiro vive isso desde o primeiro dia. Ele não tem tempo para mapear processos, testar hipóteses ou escutar o cliente com profundidade. Está ocupado demais "dando conta do dia".
Mas como lembrar que a empresa existe para resolver um problema real e gerar valor – não apenas para sobreviver? Como construir diferenciação, propósito e cultura nesse cenário?
Mas como mudar essa lógica? Como lembrar que a verdadeira razão de existir de uma empresa é resolver um problema real e gerar valor – e não apenas sobreviver? Como construir diferenciação, propósito e cultura nesse cenário? O resultado é visível: negócios que vivem de preço, não de valor. Que crescem sem estratégia, que operam como faziam há 10 anos e não conseguem aproveitar o digital, o marketing de experiência ou as tecnologias de automação.
São inúmeros os exemplos de negócios estagnados que replicam modelos sem validação real, desconhecem a jornada do cliente ou ainda dependem de processos manuais. São organizações operando no escuro, carentes não de ferramentas, mas de tempo e estrutura para repensar seus caminhos.
Não é preciso ter orçamento milionário para inovar. Eric Ries, em “A Startup Enxuta”, propõe ciclos rápidos de aprendizado, com testes simples e interação direta com o cliente. Carlos Domingos, em “Oportunidades Disfarçadas”, mostra como a escassez pode ser mãe da criatividade.
Portanto, o que falta aos nossos empreendedores não é talento nem desejo de mudança. Falta-lhes condições para uma reflexão mais profunda. E isso exige políticas públicas mais eficazes, redes de apoio que atenuem a solidão empreendedora e uma mudança cultural que valorize o planejamento com o mesmo vigor com que exaltamos o sacrifício.
Resistência é um valor admirável. Mas quando se torna um modo de vida, ela impede o próximo passo. O empreendedor brasileiro precisa mais do que sobreviver: ele precisa respirar, criar, experimentar. Só assim transformaremos nosso ecossistema de negócios em um motor real de desenvolvimento econômico, social e humano – e não em uma linha de montagem de sobreviventes exaustos.