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Artigo

Reparar a Criação

Os graves danos ambientais com as suas pesadas consequências expõem a responsabilidade do ser humano de se adotar um novo modo de viver no planeta

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Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

Reparar a Criação é núcleo vigoroso da oração cristã. A verdadeira e completa reparação remete a Cristo, Salvador e Redentor, pela força e méritos de sua paixão, morte e ressurreição. Sem Ele o caminho fica pela metade, o vigor físico e o espiritual colapsam, e não se dá conta da tarefa nobilíssima dada ao ser humano: cuidar da regência no conjunto da Criação, que remete ao próprio Criador. Cuidar da harmonia do planeta é, pois, ação de fé, dedicada a restaurar a Casa Comum depredada e tratada, mesquinhamente, pela ganância do extrativismo, emoldurado estranhamente por uma orgulhosa pretensão humana de querer se apoderar de tudo. Reparar a Criação, sinal de conversão e de busca por mudanças, constitui urgência e oportunidade, para consolidar nova conduta humana em relação ao tratamento do meio ambiente.


A adoção de novos hábitos capazes de superar a depredação do planeta pede revisão no estilo de vida contemporâneo, com incidências nos campos da política e da economia. Sem novos estilos de vida, a humanidade pode sucumbir a partir de catástrofes climáticas e outras ameaças provocadas pelo desequilíbrio ecológico. A racionalidade contemporânea não está conseguindo construir entendimentos sociopolíticos capazes de reverter a deterioração do planeta. A esperança vem da fé, com a sua luminosidade, que pode corrigir a equivocada visão de que o ser humano é dono do mundo e de tudo que existe, com direito de decidir, friamente, apenas por cálculos, modos de explorar os bens da Criação. Uma frieza que leva a cenários de injustiças e perversidades, acentuando desigualdades sociais para consolidar privilégios, muitas vezes por meio de manipulações gananciosas.


Compreende-se que o apelo quaresmal da conversão – mudança de rumo na própria conduta – depende da luz que vem da fé. E a conversão contempla uma adequada autoavaliação sobre o modo de se viver na casa comum. Enriquece, pois, o caminho quaresmal buscar tratar uma das mais graves feridas no conjunto da vida contemporânea: revisar estilos de vida para reparar a Criação. Pode-se corrigir os descompassos no tratamento dedicado à casa comum tomando consciência da centralidade de Deus-Criador e do lugar a ser ocupado pelo ser humano – criatura escolhida pelo Pai para cuidar da gestão de tudo que integra a Criação. A partir dessa consciência, abre-se um horizonte humanístico que ilumina escolhas, sem permitir irracionalidades, a exemplo da busca gananciosa pelo lucro, mesmo a partir do sacrifício do semelhante.


Quando se reconhece a centralidade do Deus-Criador e o papel do ser humano na regência da criação prioriza-se a solidariedade dedicada aos pobres e indefesos. Recompõe-se o sentido de fraternidade pelo caminho da ecologia integral. Quando o conceito de ecologia integral é compreendido e passa a inspirar as atitudes do ser humano, cria-se caminho para a reconciliação solidária, debela-se o desejo velado e pretensioso de possuir, egoisticamente, os bens da Criação. Ao contrário do que alguns podem até pensar, há profunda relação entre o caminho quaresmal e as dinâmicas propostas pelo conceito de ecologia integral. A vivência da ecologia integral tem potencial incalculável para inspirar conversão, com mudanças profundas na vida pessoal e comunitária.


Ao se pensar em ecologia integral, reconhece-se que o conjunto de relações que podem promover ou ameaçar a vida se interconecta com tudo que existe na natureza. Por isso, não há outro caminho para reparar a Criação senão pela via do relacionamento qualificado e sadio, com o desenvolvimento de uma sensibilidade ancorada em Deus – Senhor da história. Quando se cultiva sensibilidade relacional tendo Deus, Senhor da história, como fundamento, desenvolve-se a habilidade para adequadamente lidar com o semelhante, reconhecendo a sua sacralidade. Agir nos parâmetros da ecologia integral fortalece a capacidade para se estabelecer limites, na contramão de autoritarismos, da promoção de esgotamentos homicidas dos recursos humanos e naturais.


A destruição do planeta, por sua degradação e exploração gananciosa é, em si, decreto de morte a quem recebeu a honrosa tarefa de reger os dons da Criação. Vale ter presente a advertência simples e, ao mesmo tempo, forte, do papa Francisco, na Carta Encíclica Laudato Sì, quando afirma sobre o sentido inegociável de uma relação de reciprocidade entre o ser humano e a natureza. Papa Francisco sublinha que cada comunidade pode tomar da bondade da Terra aquilo que necessita para sua sobrevivência, sem ignorar o dever de proteger e garantir a continuidade de sua fertilidade para as gerações futuras. Inscreve-se aqui a necessária sensatez de legislações que não podem se submeter à lógica cega do lucro e deixar, por exemplo, que nascentes sejam eliminadas em nome de uma exploração minerária predatória.


Os graves danos ambientais com as suas pesadas consequências expõem a responsabilidade do ser humano de se adotar um novo modo de viver no planeta, conquistado por meio de conversão ecológica. Trata-se do caminho para o desenvolvimento sustentável que é o único modo de debelar o acentuado processo de degradação ambiental da atualidade. As estatísticas são pavorosas, as catástrofes climáticas batem, de repente, em qualquer porta, como um grito do planeta que pede socorro e convida todos a dedicar-se aos processos de sua reparação. Reparar a Criação é ato de amor que pede o sacrifício de si mesmo, com força de redenção. Uma tarefa nobre a ser assumida pela humanidade, que tem o privilégio de exercer a regência de tudo que existe e, por isso mesmo, o dever de reparar a Criação.

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