Caso Vitória expõe irresponsabilidade
A pressão popular por uma solução para um crime de repercussão, historicamente, leva a uma caça às bruxas pouco frutífera para a segurança pública no país
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Siga noBasta dar um Google com palavras-chave para se deparar com uma das notícias mais lidas do Brasil nesta semana: a inclusão do pai da jovem Vitória Regina, Carlos Alberto Souza, no rol de suspeitos do crime que assombra o país nos últimos dias. Aos 17 anos, ela foi encontrada morta em Cajamar, interior de São Paulo, após avisar uma amiga sobre a presença de suspeitos em um ônibus do transporte público, usado por ela para retornar do trabalho para casa, em 26 de fevereiro. O corpo, encontrado em 5 de março, tinha sinais de tortura, e a principal linha de investigação, no momento, aponta para uma susposta vingança.
Mas a notícia que mais surpreendeu a sociedade passa pela inclusão do pai entre os suspeitos. Numa primeira comunicação, a polícia apontou para certa “frieza” de Carlos Alberto diante do homicídio. Também ressaltou uma mensagem enviada por ele ao prefeito da cidade, Kauãn Berto (PSD), solicitando um terreno, que em tese poderia ser usado no crime.
A suspeição durou horas. Em coletiva de imprensa na manhã da última segunda-feira, a polícia descartou o envolvimento do pai. Ou seja, além de conviver com o luto precoce da filha de 17 anos, Carlos Alberto ainda precisou recorrer a um advogado para se defender de uma acusação com requintes de despreparo e desespero por parte das autoridades – modus operandi contumaz em crimes de ampla repercussão no Brasil.
Erros em sequência cometidos pelas autoridades de segurança pública, ao longo dos anos, levaram a produção de diversos documentários e podcasts recentemente – documentos que recontam com detalhes histórias que marcaram o país. Basta relembrar os já bem pormenorizados fracassos das investigações dos casos Evandro, Eloá e dos meninos emasculados de Altamira (PA). Além, é claro, das dezenas de operações e abordagens mal-sucedidas nas capitais brasileiras todos os dias, que ceifam a vida de tantos jovens negros por décadas.
A pressão popular por uma solução para um crime de repercussão, historicamente, leva a uma caça às bruxas pouco frutífera para a segurança pública no país. Por temer os reflexos negativos para suas imagens, governantes costumam apertar ainda mais o cerco em busca de respostas satisfatórias, com a prisão de culpados que justifique a barbárie.
No Caso Vitória, as falhas não se resumem à acusação pouco fundamentada contra o pai da jovem. A imprensa também cumpriu seu papel na leviandade que circunda a tragédia. O mesmo pai passou por outro processo de revitimização na semana passada, quando a apresentadora da TV Globo, Patrícia Poeta, o abordou com um alegado “esclarecimento” da morte da menina, apontando para uma crime passional. Críticas à postura dela logo inundaram as redes sociais, já que não houve qualquer desfecho da investigação até o momento.
Tal combinação de trapalhadas, em uma soma entre mídia e Estado, coloca como alvo a família da jovem e a própria Vitória, vítima de um crime terrível, que exige uma atuação séria e comprometida das autoridades e da imprensa. Tragédias não devem ser palco de irresponsabilidade e avidez. A busca por uma resposta a qualquer custo faz o caso virar, até mesmo, uma guerra de versões em busca de uma melhor imagem dos entes públicos diretamente envolvidos na busca por respostas. Aprender com os erros do passado deve ser prioridade para as autoridades brasileiras. Exemplos não faltam. Infelizmente, o aprendizado não chegou a tempo de evitar a ampliação do trauma da família de Vitória.