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Cultura do medo não combina com democracia

A exigência de remoção imediata de conteúdos com base em premissas genéricas como "desinformação" e "discurso de ódio" abrem um precedente perigoso

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MARCELO FIGUEIREDO

Advogado e professor de direito na PUC-SP

A liberdade de expressão no Brasil sofreu mais um revés com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de questionar a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.


Poucas vezes, nos últimos anos, o Congresso foi prudente e racional ao estabelecer naquele dispositivo: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.


Com a devida vênia, os votos até então proferidos pelos ministros do STF representam um retrocesso que abala o equilíbrio construído pelo marco civil da internet, que representa o que há de melhor no mundo a respeito do tema, afinado que está à legislação de outros países e a preocupação internacional.
O que talvez os ministros não tenham percebido é que não se pode alterar o equilíbrio entre a proteção de direitos e a garantia de um espaço livre para discursos nas redes sociais.


A exigência de remoção imediata de conteúdos com base em premissas genéricas como “desinformação” e “discurso de ódio” abrem um precedente perigoso, que certamente afeta e abala o livre discurso e o leal debate de ideais tão caro a democracia em todo o mundo.


Parece fácil concluir que a prevalecer essa decisão do STF, as plataformas passaram a agir como censores dos conteúdos. A cultura do medo não combina com o ambiente democrático.


Entre o risco de publicação de asneiras, inverdades ou narrativas descoladas da realidade, prefiro defender a livre circulação de conteúdos como princípio – como está na lógica do Marco Civil – do que atuar como censor prévio de qualquer ideia ou conceito.


Não importa se, pessoalmente, consideramos uma opinião ou um conceito errôneo, abusivo ou até ofensivo. Faz parte do ambiente democrático a possibilidade ampla de divergências, oposições, sátiras etc.
Outro problema sério que a decisão do STF traz é de ordem pragmática: como as plataformas poderão controlar instantaneamente o conteúdo das postagens feitas por milhares de pessoas diariamente? Seu papel é esse? Quais os critérios morais ou jurídicos que poderiam indicar um bom caminho para realizar tais ablações?


Não me parece ser esse o papel das plataformas sociais ou dos provedores da internet. Sempre acreditei que o artigo 19 do Marco Civil da Internet representava e representa uma salvaguarda essencial para o debate público de qualquer tema, por mais polêmico que possa parecer.


Outro aspecto aparentemente ignorado no julgamento do STF é a visão provincial e cartorária do tema. Esquecem S.Ex.as que a matéria tem uma dimensão internacional. O Brasil não pode estar descolado da realidade normativa internacional. O que acontecerá se as plataformas globais passem a fugir do Brasil? Ficaríamos ainda mais isolados no concerto internacional simplesmente pelo medo de uma responsabilização incontrolável e arbitrária de um magistrado.


Em síntese parece que mais uma vez o STF, sem motivo justo ou consistente, viola o princípio da razoabilidade e destrói o delicado equilíbrio construído pelo legislador nacional em uma matéria tão cara à democracia. E, por favor, não venham dizer que são os arautos da proteção do Estado Democrático de Direito. Ninguém acreditará.

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