No Brasil e no mundo, o consumo é uma das forças motrizes da economia. É por esse mecanismo que governos conseguem irrigar e dar sustento às mais diversas políticas, inclusive, sustentar a máquina pública, e empresas privadas mantêm as portas abertas. Uma parte dessa engrenagem, porém, é mais vulnerável. Com o incentivo ao consumo, abre-se caminho para o superendividamento dos cidadãos.


Hoje, estima-se que, dos 72,6 milhões brasileiros inadimplentes, 15 milhões compõem o grupo dos superendividados – aqueles com impossibilidade de arcar com todas as dívidas que contraíram, sem comprometer o mínimo para sua sobrevivência. Entre os devedores, de acordo com a lei vigente, há os que, por um infortúnio, como o desemprego, perderam a capacidade de honrar os compromissos e se deparam com obstáculos impostos pelos agentes financeiros que dificultam, ou impedem, a negociação da dívida (devedores inconscientes ou imprudentes). Mas há também os que, propositalmente, gastam muito além do que a sua renda permite, ou seja, se tornam devedores de má-fé, com débitos impagáveis.


O valor médio das dívidas acumuladas é de R$ 5.373,46. Até julho passado, a dívida total no país chegou a R$ 72,6 milhões, segundo o mais recente Mapa da Inadimplência da Serasa, e seguia com tendência de crescimento. Para esse grupo, desde 2021, está em vigor a Lei dos Superendividados (Lei nº 14.181). Ela não é voltada à anistia dos devedores, pois seria um incentivo aos calotes, mas assegura ao endividado “o mínimo existencial” – hoje, no valor de R$ 600, fixado pelo Decreto nº 11.567/23, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


Não à toa, o valor do “mínimo existencial” é objeto de severas críticas dos defensores públicos. Eles levaram a questão ao Supremo Tribunal Federal (STF) por entenderem que R$ 600 não propiciam dignidade humana e impedem que o beneficiado tenha meios de bancar os gastos com moradia, alimentação, vestuário, tarifas de água, energia e gás. A lei, no entanto, obriga os bancos a reverem os contratos dos clientes e pode punir os devedores conscientes.


Os especialistas divergem sobre os perfis previstos na lei para identificar bons e maus pagadores, mas têm consciência de que falta educação financeira aos brasileiros de todas as idades – os idosos, por exemplo, representam quase 19% dos que enfrentam dificuldades para quitar as dívidas. Instituições bancárias e cooperativas de crédito têm trabalhado no sentido de educar seus clientes para evitar prejuízos e, ao mesmo tempo, orientá-los para que não experimentem o dissabor do endividamento impagável, segundo levantamento do Banco Central.


Esse compromisso com dinheiro deveria ser válido para todos os demais segmentos da sociedade, alcançando vários setores produtivos. Mas deveria estar presente, principalmente, na grade curricular das escolas, para que as novas gerações tenham mais condições para romper esse ciclo de consumo danoso. Nos casos dos jovens menos abastados, seria, também, a possibilidade de eles, ao aprenderem a gerir e aplicar seu dinheiro, tornarem os resultados trampolim para ascensão socioeconômica.