Na última quinta-feira, o governo Lula deu uma sinalização importante de que tem compromisso com o equilíbrio fiscal. Após a reunião da Junta de Execução Orçamentária no Palácio do Planalto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou a contenção de R$ 15 bilhões para manter o saldo das contas públicas dentro da meta estabelecida pelo arcabouço fiscal para 2024. Com os cortes, a equipe econômica acredita que o déficit ficará dentro da banda negativa de R$ 28,8 bilhões, o equivalente a 0,25% do Produto Interno Bruto. A medida surpreendeu o mercado, que aguardava um corte de R$ 10 bilhões.
O governo teve o cuidado de divulgar as medidas restritivas para o Orçamento a fim de evitar especulação no mercado financeiro, às vésperas de novos números sobre a situação das contas públicas. A preocupação de Brasília é justificável. Na sexta-feira, o dólar encerrou o dia cotado a R$ 5,60, após uma alta de 3,2% ao longo da semana. Como tem ocorrido nos últimos meses, a desconfiança em relação à austeridade fiscal do governo se tornou uma diatribe constante, o que tem provocado muito ruído e bate-boca entre Brasília e o que se convencionou chamar de “Farialimers”. O assunto voltará a ser discutido nesta segunda-feira, quando a Secretaria de Orçamento Federal divulgará o terceiro Relatório de Receitas e Despesas Primárias. A partir dos dados fornecidos pelo documento, será possível compreender as projeções anunciadas para os meses restantes de 2024.
O que os ministros Fernando Haddad, Simone Tebet (Planejamento) e Esther Dweck (Gestão) procuraram transmitir é uma linha de racionalidade no debate. Com o anúncio do bloqueio e do contingenciamento, a equipe econômica deu mostra de que existe, sim, uma determinação do governo para cumprir as diretrizes do arcabouço fiscal – com o aval da Presidência da República, ressaltou Haddad. O anúncio de quinta-feira segue coerente com as premissas anunciadas no início da gestão Lula: adotar uma relação sustentável entre receitas e despesas, dentro de uma margem de tolerância.
Ao longo dos últimos meses, o chefe da Fazenda tem enfrentado diferentes batalhas para reforçar o caixa do governo. Essa determinação permanece e foi mencionada na quinta-feira, quando Haddad disse que os cortes poderão ser alterados a depender de negociações de matérias econômicas com o Congresso. O esforço para melhorar as receitas incluiu medidas impopulares como a taxa da blusinha e o aumento da tributação de fundos exclusivos. O governo sabe, contudo, que elevar a carga tributária é uma estratégia de risco, pois o atual sistema já penaliza muito o contribuinte – não é por acaso que se está encomendando uma reforma tributária que simplifique e contenha o peso dos impostos na economia.
Desta vez, o governo mostra que também está trabalhando na outra ponta, a das despesas. Existem dificuldades para cumprir essa parte da tarefa, seja por razões estruturais do Orçamento, seja por convicções políticas do presidente Lula. Pode-se divergir sobre as prioridades orçamentárias de qualquer governo, mas é preciso lembrar que a atual administração foi eleita com o propósito de resgatar políticas públicas abandonadas pela gestão anterior. Cite-se, ademais, problemas herdados como o calote nos precatórios, além de anos sem reajuste ao funcionalismo federal ou no salário mínimo.
O que se faz necessário, nesse momento, é agir com coerência e transparência. Isso significa mostrar os números, seguir as regras estabelecidas, fazer o bom debate e corrigir distorções e injustiças. Essa tarefa também se aplica ao presidente da República, que por vezes adota posições ambíguas em relação ao equilíbrio fiscal. Organizar as contas públicas é dever do Estado e interesse de toda a sociedade. O sucesso do Plano Real, com 30 anos recém-completados, mostra que o país é capaz de vencer desafios econômicos. É preciso, contudo, competência técnica e habilidade política para superar as resistências e alcançar um crescimento econômico justo e sustentável, que atenda a todos os cidadãos de um país ainda extremamente desigual.