Morte de Alice: Duda e Cellos pedem apuração ampla e liberação de imagens
Deputada e entidade criticam recusa de comércios e apontam violência recorrente contra pessoas trans
compartilhe
SIGA
A deputada federal Duda Salabert (PDT) acionou o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para exigir a liberação das imagens de segurança dos comércios vizinhos ao estabelecimento onde Alice Martins Alves, uma mulher trans de 33 anos, foi agredida por funcionários de uma pastelaria na Savassi, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. A vítima morreu dias depois, em decorrência das lesões.
A parlamentar afirma que houve dificuldade na obtenção das câmeras e diz que o material é fundamental para esclarecer o trajeto da vítima e a dinâmica das agressões. “Acionei o MP exigindo que estabelecimentos liberem essas imagens para facilitar o trabalho da polícia”, disse. Segundo ela, o mandato repassou à Polícia Civil denúncias anônimas que ajudaram a localizar suspeitos do crime.
Espera-se que Ministério Público libere rapidamente as imagens, "consideradas essenciais para o avanço da investigação e para possíveis pedidos de prisão dos suspeitos", destaca.
Leia Mais
Na missa de sétimo dia de Alice, realizada no sábado (15/11), o pai, Edson Alves Pereira, contestou a versão inicial de que a agressão teria sido motivada pela falta de pagamento de uma conta de R$ 22 em uma pastelaria. Ele afirmou que a filha tinha dinheiro e cartões, e que acredita em motivação transfóbica.
A deputada, que mantém contato com familiares e com o advogado do caso, afirma que eles relatam possíveis falhas de atuação do poder público. “Aparentemente houve negligências na tramitação do processo, seja na esfera policial, jurídica ou até médica. O mandato pretende cobrar apuração sobre esses pontos."
Padrão de agressões
Duda destaca que a forma como Alice foi agredida indica motivação transfóbica. “Foi com chutes e socos no rosto para desfigurar o rosto. É uma marca comum das violências contra travestis”, afirmou. Ela citou que, segundo dados oficiais do Dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), cerca de 80% dos assassinatos de travestis e transexuais no Brasil ocorrem com espancamentos violentos, geralmente concentrados na face, seios e genitália. A deputada relembrou ainda o caso de Cristina Maciel Oliveira, mulher trans morta em outubro, em Venda Nova, também vítima de espancamento.
Ao Estado de Minas, Duda, que está em Belém (PA) para cobrir a COP-30, afirmou que as filmagens vão auxiliar no caso de Alice, mas ajudarão a elucidar a possível atuação de grupos neonazistas na região da Praça da Liberdade e da Savassi, que estariam utilizando armas como socos ingleses para agredir pessoas em situação de vulnerabilidade. O mandato afirma que vai investigar o tema e repassar dados às autoridades. “Essas informações são seguras e estamos apurando. O caso da Alice pode não ser isolado”, disse.
A denúncia visa não só indicar uma ação perigosa e ilegal na região, mas alertar pessoas historicamente alvo desses grupos, como travestis, pessoas LGBT+, mulheres e pessoas negras. "Redobrem a atenção ao circular na região."
Responsabilidade institucional
O Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais (Cellos-MG) também acionou o Ministério Público. Para o presidente da organização e secretário de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), Maicon Chaves, a entidade não se propõe a discutir o andamento da investigação, mas cobrar que todas as responsabilidades sejam apuradas, inclusive as institucionais.
“A nossa questão é entender o que motivou esse crime e quais ações são necessárias para impedir que volte a acontecer”, afirma. Ele questiona orientações e protocolos da pastelaria onde o episódio começou. “Queremos saber qual é o procedimento da empresa quando um cliente não paga. Quem autorizou que funcionários saíssem para perseguir a vítima?"
Maicon diz que a resposta do estabelecimento tem sido evasiva e que é preciso compreender o papel da empresa no episódio. Ele ressalta que problemas estruturais exigem soluções igualmente estruturais. “Se demitem dois funcionários e contratam outros, mas mantêm as mesmas orientações, nada muda”, afirmou.
O presidente do Cellos-MG também criticou a recusa de estabelecimentos em fornecer imagens de câmeras de segurança, conforme relatado pela família. “Não entregar as filmagens é cumplicidade com o crime”, disse. Para ele, trata-se de um comportamento que expõe fragilidades nas relações entre comércios e frequentadores.
Ele afirma que há um recorte de classe no episódio e que a região, amplamente frequentada por pessoas LGBT+, deveria oferecer segurança aos clientes. "Alice não denunciou o caso, pois sabia que seria ela contra uma empresa, uma mulher contra dois homens. A mudança que queremos se expande para além da nossa companheira, pois os estabelecimentos estão de acordo em receber nosso pinkmoney, mas se recusam a nos dar segurança e respeito."
Contexto de violência
Alice já havia relatado ter sido hostilizada no local semanas antes e que, naquela ocasião, não foi agredida porque contou com o apoio de outras mulheres. Para Maicon, o medo de denunciar faz parte das barreiras enfrentadas por pessoas trans. Segundo o Dossiê da Antra, Minas Gerais é o segundo estado que mais mata travestis e transexuais no país. “Quando chega a nos matar fisicamente, já nos mataram antes social, familiar e simbolicamente”.
Questionado se o Cellos avalia a possibilidade de manifestações públicas, Maicon diz que busca ações efetivas e reforça que a organização pretende pressionar o poder público por medidas concretas de segurança e fiscalização. “Não queremos apenas comoção. Queremos mudanças”.
Duda, por sua vez, criticou a descontinuidade do projeto “Cintura Fina”, criado quando era vereadora, que buscava reduzir a zero as mortes de pessoas LGBT+ em cinco anos. O programa, segundo ela, não foi mantido pela atual gestão municipal.