Finados: terreiros fazem caminhada e distribuição de rosas no Bonfim
Quase mil pessoas de terreiros afro-indígenas se reuniram no cemitério para acolher os visitantes
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Em uma demonstração de fé, tradição e solidariedade, um grupo de oito terreiros de matriz africana e indígena de Belo Horizonte realizou um culto coletivo em homenagem aos ancestrais no Cemitério do Bonfim, no Dia de Finados. A iniciativa, uma tradição de seis anos, reuniu quase mil religiosos e teve como foco o acolhimento aos visitantes e a quebra de preconceito.
O evento inter-religioso foi marcado por uma série de rituais. O ponto alto da celebração foi a silenciosa caminhada que teve início por volta das 7h30. Vestidos de branco, os filhos e filhas de santo percorreram os túmulos abandonados do cemitério, prestando respeito aos antepassados.
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"Os filhos vão aos túmulos que não estão sendo cuidados, colocando uma rosa e fazendo uma reza. Esse é um dia para a gente deixar esse campo de força tão importante para nós florir. É um marco. Ocupamos o espaço público como uma força coletiva. Conseguimos mobilizar nossas comunidades, tanto para acolher as pessoas externas, quanto para deixar esse ambiente ancestral, tão potente, florir", explica Willian Rogério, o pai Willian, um dos líderes espirituais do terreiro Casa de Pai Ogum & Seara do Mestre Sibamba, que existe há 76 anos no Bairro Dom Bosco, em BH.
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Durante o percurso, mais de três mil rosas brancas foram distribuídas aos visitantes e depositadas nos túmulos, simbolizando o carinho e a lembrança dos que partiram. O ritual também incluiu cânticos de pontos e defumação, culminando em uma cerimônia próxima à capela. "O culto à ancestralidade é a base da religião afro-indígena no Brasil. Ir ao cemitério e louvar os ancestrais é uma honra e uma obrigação. Eles vieram antes de nós", diz pai Willian.
Vida após a morte: acolhimento, apoio e diálogo
Para oferecer amparo emocional aos enlutados, foi montada na entrada do cemitério do Bonfim uma tenda de acolhimento, com apoio profissional e espiritual para o público. O espaço contou com a presença de psicólogos e filhos de santo das casas de Umbanda e Jurema Sagrada.
O objetivo foi conversar com os visitantes, compartilhando a visão das religiões de matriz africana sobre a vida após a morte. Conforme Willian Rogério, "a ideia da barraca não é converter as pessoas, e sim oferecer acolhimento e direcionamento."
Além de honrar os ancestrais e confortar os visitantes, a ação busca ainda quebrar o estigma negativo que muitas pessoas ainda têm em relação a essas vertentes religiosas. Apesar de ser uma prática antiga das casas, a celebração foi institucionalizada junto ao cemitério e à Prefeitura somente neste ano, o que reforça a importância do evento para a comunidade e para a cidade.
O terreiro de umbanda Cabana Caboclo Pedra Branca existe em Lagoa Santa, na Grande BH, há oito anos. O pai Erlon de Oxála conta sobre a participação no dia de Finados no Bonfim. É um tipo de celebração que acontece em muitas situações, mas, segundo Erlon, dessa vez foi diferente, já que são vários terreiros reunidos, todos de matriz afroindígena - além da umbanda, o candomblé e a Jurema Sagrada.
Esse é um momento que, para o pai de santo, carrega inúmeros significados. Pela perspectiva política, é a oportunidade de ocupar espaços que não são os espaços das próprias casas, o espaço público onde estão todas as religiões.
"Nós somos os únicos que de fato reverenciam quem já fez a passagem, acreditando na reencarnação. São rituais que naturalmente fazemos em nossas casas. Mas esse é um momento de respeito, louvação, não há nada de extraordinário. O espírito precisa de amparo e ajuda para seguir no caminho da evolução", diz pai Erlon.
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Outro aspecto, aponta, é quebrar o preconceito e a intolerância religiosa. "Nosso corpo, nossas guias, nossas vestes, o branco que vestimos, são um ato de resistência, espaços para manifestarmos nossa ancestralidade."
Pai William agradece a todas as comunidades que participaram do encontro no Bonfim. "Foi dessa magnitude pela união entre as casas e territórios."