PATRIMÔNIO

Então, brilha: uma joia de BH saudada por grandes escritores ganha mais luz

Complexo de iluminação histórico que compõe o visual do Viaduto Santa Tereza, marco na vida e na obra de importantes autores mineiros, passa por restauração

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Inaugurado em 1929 e consolidado ao longo de décadas como um dos símbolos de Belo Horizonte, o Viaduto Santa Tereza passa por nova reforma do seu icônico sistema de iluminação. Um dos cartões-postais da cidade, a construção teve como objetivo original ligar bairros da Zona Leste ao Centro. O projeto do engenheiro Emílio Baumgart tem 390 metros de extensão, sendo um dos primeiros do país a usar concreto armado em sua estrutura e tornando-se um marco para a metropolização de BH. Ao longo dos anos, com seus inconfundíveis arcos, passou a fazer parte também da vida cultural da cidade.

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A construção é imponente, com 13 metros de largura e 14 de altura. Em seu arco parabólico foram consumidos 700 metros cúbicos de concreto. Desde a sua inauguração, em setembro daquele ano, o viaduto se tornou uma das principais obras de arte urbanas de BH. Quase um século depois, os 37 postes e 74 luminárias em estilo republicano que compõem a identidade da construção passam por um processo de restauração.


A reforma começou em 29 de setembro, com a retirada dos oito primeiros postes, e tem previsão de ser finalizada em até 80 dias corridos. O cronograma prevê a restauração de cinco a oito postes por semana. Os trabalhos são executados pela BHIP, concessionária de iluminação pública da cidade, sob supervisão da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap).


Restauração com o vermelho original


O projeto busca a preservação da vida útil dessas peças históricas, além de um funcionamento adequado da iluminação. Os postes de ferro fundido já passaram por processos de restauração em outras ocasiões, a última delas em 2019. As estruturas continuarão pintadas na cor vermelha, como na composição original.


O processo é dividido em três etapas: a desmontagem, que ocorre em dois dias (normalmente às terças e quartas-feiras, de acordo com a Prefeitura de BH); a restauração e cura do material, que leva cerca de uma semana; e, finalmente, a remontagem no viaduto, prevista para a semana subsequente.


Em entrevista ao Estado de Minas, o diretor de Energia, Tecnologia, Concessionárias e Iluminação Pública da Sudecap, José Luiz e Silva, explicou que a restauração é um processo simples, mas delicado, por se tratar de um patrimônio cultural – o complexo recebeu esse título em 1990 e integra o Conjunto Arquitetônico da Praça da Estação.


Primeiro, operadores e eletricistas participam do processo, deixando os postes desenergizados e desmontados. “Aquele poste tem várias peças. Parece ser uma peça única, mas, não: é todo encaixado. Então, o trabalho começa tirando a parte de iluminação, o módulo de LED, e segue descendo para a parte de sustentação”, detalha José Luiz.


Retirando as marcas do tempo


Já desmontadas, as peças são transportadas para um galpão, onde passam por um processo de limpeza de todos os resíduos acumulados pelo tempo. “Tem também uma fase de remoção de ferrugem, tinta antiga e impurezas, feita por um processo de jateamento abrasivo”, explicou.


Depois que é feito esse processo inicial, os profissionais verificam pontualmente se há alguma imperfeição na peça. A partir disso, começa a pintura feita com características técnicas que são exigência dos órgãos de patrimônio, de acordo com o especialista. “O objetivo é garantir resistência ao impacto, ao vandalismo e também prolongar a resistência à exposição aos raios UV. Porque, senão, a tinta vai sofrendo com o Sol e desbotando”, contou.


Os postes são praticamente originais. O diretor explicou que durante a última restauração, em 2019, foi necessária a fabricação e troca de peças, pois algumas originais estavam quebradas ou muito danificadas. “Hoje estamos fazendo restauração só da pintura, porque os postes estão em boas condições”, detalha o representante da Sudecap. “Os materiais não são difíceis de encontrar, são de uso mais tradicional. Mas, o processo é bem rígido, porque é um patrimônio histórico que precisa ser protegido. Precisamos seguir o que foi aprovado pelos órgãos de patrimônio”, finalizou.


Travessia urbana e cultural


Ao longo dos anos, o elevado que faz a travessia do Centro de Belo Horizonte para bairros da Região Leste, como o Floresta, Horto e Santa Tereza – este último um dos berços da música mineira e que batiza a construção – ultrapassou os limites de mobilidade, tornando-se uma passagem cultural.


Desde a inauguração, caminhar sobre os arcos do viaduto era sinônimo de rebeldia. O poeta Carlos Drummond de Andrade foi um dos precursores do alpinismo urbano na capital mineira, recebendo voz de prisão enquanto se equilibrava no ponto mais alto do arco do viaduto. Anos mais tarde, em 1945, a construção foi imortalizada em “O encontro marcado”, romance do escritor mineiro Fernando Sabino, ambientado nas ruas de BH. Nele, o personagem Eduardo Marciano e três amigos também escalam os arcos do viaduto.

  

Debaixo do viaduto, o som da democracia

Mudanças culturais mais recentes foram retratadas no livro “Viaduto Santa Tereza”, escrito pelo jornalista João Perdigão, um dos autores da série literária “BH, a cidade de cada um”. O trabalho foi escrito entre os anos de 2014 e 2016. Ao EM, o autor contou acreditar que, por tratar de uma área marginalizada da cidade, a obra destoa dos outros livros que compõem a coleção. “Naquele momento, estava acontecendo a reocupação do Centro. Eu frequentei aquele entorno durante muito tempo, principalmente no período de ebulição cultural, em que pessoas estavam se conhecendo naquele circuito de cultura, arte e música urbana”, disse.


O Duelo de MCs foi um movimento pioneiro nesse processo. Após a ocupação do viaduto, os frequentadores do evento passaram a perceber aquela construção de uma outra forma, se sentindo pertencentes àquele território e instigados a frequentá-lo. Hoje, o espaço é centro de um rico movimento cultural, democrático e eclético, tornando-se cenário para manifestações políticas, apresentações (do hip-hop ao samba e forró), ocupações, vendas ambulantes e movimentos sociais.


Nascido e criado nas proximidades do Viaduto Santa Tereza, o arquiteto e urbanista José Alfredo de Barros, de 54 anos, conta que vivenciou as diversas transformações que o espaço sofreu. “Nasci e cresci aqui, vi todas as fases por que o viaduto passou, desde os anos 70. No passado, teve uma época em que embaixo era simplesmente um estacionamento”, lembra. “Ah, e teve uma delegacia também, na época da ditadura militar, e depois um sacolão, que ficou muito tempo abandonado”, detalha.


Há dois meses, ele decidiu abrir seu escritório, que também oferece trabalhos de design, em frente ao viaduto, na Rua da Bahia. “Foi uma escolha estar aqui. No segundo andar do meu escritório, estou vendo o viaduto, os carros e as pessoas passando. Atrás, tenho o Parque Municipal e embaixo tem o ‘skate park’ da moçada. O viaduto agrega um valor cultural importantíssimo para a cidade. Claro que temos que preservar o patrimônio, cuidar dos postes... Mas o que preserva mesmo o viaduto é essa ocupação”, afirma.

Entre o poder público e o cidadão


“Vejo que o poder público, muitas vezes, não enfatiza o valor que deveria ser empregado nesses bens urbanos. Vimos que as ações que acontecem nesses espaços ocorrem, em sua maioria, por movimentos da sociedade civil, de maneira autônoma”, avalia a arquiteta e urbanista Monique Damaso, especializada em patrimônio histórico.

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Em entrevista ao EM, ela destaca a importância de preservar estruturas e locais que contam a história de Belo Horizonte, além de serem marcos da arquitetura. “Agora, sobretudo na gestão do ex-prefeito Fuad Noman, o poder público começou a intervir em alguns locais. Houve aquela mobilização para a reforma do Centro e a alteração do Edifício Sulacap, por exemplo, que criou uma nova visualização do Viaduto Santa Tereza”, exemplifica.


A arquiteta se refere ao projeto apresentado pela Prefeitura de BH em março de 2024, que resultou na demolição do anexo do Conjunto Sulacap-Sulamérica, na Avenida Afonso Pena, entre as ruas da Bahia e Tamoios, no Centro de BH – além da reconstituição da Praça da Independência, que fazia parte do projeto original, da década de 1940, do arquiteto italiano Roberto Capello. A área teve visual restaurado, permitindo a visão do Viaduto Santa Tereza no vão entre os prédios. O novo espaço foi inaugurado em 27 de fevereiro deste ano.


“Os processos educativos nas escolas ficam muito focados e centralizados nos museus. A gente não vê estudos ou trabalhos que incentivem os alunos a visualizar a importância para a cidade desses locais, que são marcos urbanos da ocupação popular. O que acontece realmente é um distanciamento”, avalia Monique. “A Praça da Liberdade, por exemplo, é um local que tem muita visibilidade durante períodos sazonais do ano. As pessoas vão para lá ver a decoração de Natal, mas durante o ano não há um trabalho de divulgação daquele espaço. Acho que falta engajamento com o poder público, para divulgar mais esses locais”, conclui, referindo-se a outro cartão-postal de BH.


*Estagiária sob supervisão do editor Roney Garcia

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