SABOR E TRADIÇÃO

BH: fechamento do Bolão expõe estratégias de resistência de bares icônicos

Estabelecimentos que formam a identidade da capital mineira revelam o que fazem para seguir de portas abertas

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Belo Horizonte se despede de um dos pontos mais tradicionais do cenário boêmio amanhã (26/10). Depois de mais de meio século, o Bar Bolão para de funcionar na esquina em frente à Praça Duque de Caxias, no Bairro Santa Tereza, Região Leste da capital mineira.

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O fim das atividades no local em que ele se tornou um “clássico” de BH traz à tona como outros estabelecimentos tradicionais da cidade lutam para sobreviver às dificuldades. Ao Estado de Minas, proprietários de negócios de longa data contam as estratégias adotadas para se manterem no mercado.


No caso do Bolão, o motivo do fechamento das portas na icônica esquina foi o pedido do imóvel, por parte do locador, para a realização de reformas, de acordo com a proprietária do bar Karla Rocha. Ela garante que o comércio vai abrir em outro local, ainda não definido, e que o adeus do ponto tem sido uma mistura de sentimentos. “Nesses 64 anos de história, foi criado um legado, não só para a família, mas para os funcionários, para todos os clientes que participaram da nossa história (...) O Bolão é uma história”, comenta, emocionada.


MOVIMENTO DE DESPEDIDA

Na semana que antecedeu a saideira deste domingo, muitas pessoas visitaram o espaço para se despedir da casa e dos funcionários. Na quarta-feira (22/10), a reportagem esteve no bar e presenciou os garçons sendo abraçados e tirando fotos com os clientes, como a técnica administrativa Marisa Gomes, de 56 anos e frequentadora desde os 17. O garçom Arlindo Edil Pinto, conhecido como Primo e funcionário há 23 anos, lamentou a triste situação. 

O saboroso kaol é destaque no cardápio do Café Palhares e ajuda a manter o estabelecimento funcionando
O saboroso kaol é destaque no cardápio do Café Palhares e ajuda a manter o estabelecimento funcionando Tulio Santos/EM/D.A Press

 

TRADIÇÃO E INOVAÇÃO

No Café Palhares, desde 1938 no coração da capital mineira, a tática para seguir conquistando o público é mesclar o tradicional com novidades. “Como os clientes estão sempre procurando um novo atrativo, nós também mudamos”, afirma João Lúcio Ferreira, sócio-proprietário do estabelecimento junto ao irmão Luiz Fernando Ferreira.

Entre as novidades, João Lúcio cita a criação do parklet – também chamado de varanda urbana –, a extensão da calçada para oferecer vagas aos veículos e a obtenção da licença para colocar mesas e cadeiras no passeio. As inovações no estabelecimento, localizado na Rua dos Tupinambás, permitiram que a capacidade de atendimento aumentasse de 20 para cerca de 70 pessoas.

Apesar de incluir alguns tira-gostos diferentes no cardápio para conquistar aqueles que gostam de experimentar novidades, o Café Palhares não abre mão do tradicional. O kaol – combinação da “kachaça”, arroz, ovo e linguiça – é vendido há 75 anos e um dos pratos mais icônicos da capital mineira desde então. “O que é muito importante de um comércio hoje é manter sua natureza. Estou lá há 55 anos e mantenho a mesma essência que meu pai deixou”, conta João Lúcio.


INVESTIMENTO NA MARCA

 Na capital mineira, não são apenas o cafezinho e a cerveja servida no copo lagoinha que conquistam o público. Outra marca registrada da cidade é a Tradicional Limonada, fundada em 1938, cujo nome já diz tudo. “É uma tradição passada de geração em geração, além da nossa família, mas também dos frequentadores. Existem clientes que vinham com os avós e, hoje, trazem os netos. Já é algo cultural dentro das famílias que visitam o Mercado Central”, afirma Rodolfo Alcantara, sócio-proprietário do estabelecimento.

Para seguir refrescando os belo-horizontinos e os turistas por mais tempo, Rodolfo explica que houve investimento em marketing e publicidade, como na criação da marca, conteúdos para as redes sociais e de produtos como bonés, camisetas e chaveiros. O estabelecimento apostou também em novos sabores, sem esquecer do tradicional. Quem visita as lojas, ambas no Mercado Central, pode optar pela limonada com mate, hibisco, gengibre ou até mesmo pela caipirinha.

Além disso, a garrafinha da reconhecida bebida passou a ser comercializada em outros pontos, como no Café Palhares. “Isso acabou ampliando o público. Muita gente que não frequenta o Mercado Central descobriu a limonada através de outros estabelecimentos”, diz Rodolfo.


DIFERENTES PALADARES

Para Relines Garcia Blanco, a essência de um lugar é o mais importante, e é nisso que ela aposta para manter em funcionamento a Petisqueira do Primo, aberta em 1953 pelos seus pais. Relines conta que cresceu no estabelecimento, localizado no mesmo endereço na Rua Santa Catarina, no Lourdes, Região Centro-Sul de BH, desde a fundação, e serve os mesmos pratos do cardápio da época de infância dela, como a buchada.

A proprietária destaca que o bar resiste em uma cidade que tem cada vez mais opções e pessoas procurando por novidades. “Belo Horizonte é um lugar muito de modismo. Você abre um negócio, vai todo mundo, depois param e fecha (...) Fica até meio difícil acompanhar porque você tem que mudar a essência do tradicional. Eu procuro manter o tradicional”, afirma Relines.

Para ela, outro desafio enfrentado por bares e restaurantes que mantêm os cardápios tradicionais é a mudança do paladar. Relines diz que hoje em dia a juventude não costuma comer iguarias como buchada e rabada. “O bar tradicional tem isso. É o dia a dia. Você vai lutando no dia a dia”, explica.

Relines Garcia Blanco, dona da Petisqueira do Primo, se orgulha em mostrar os ilustres frequentadores do local
Relines Garcia Blanco, dona da Petisqueira do Primo, se orgulha em mostrar os ilustres frequentadores do local Marcos Vieira /EM/D.A Press

PRESERVAR A MEMÓRIA

Preservar a qualidade é o segredo da Lalka, fábrica belo-horizontina de balas e chocolates, para conquistar consumidores há 100 anos. Henryk Grochowski, responsável pela produção, declara que a Lalka preza por manter o sabor ao longo dos anos, para que, quando o cliente for consumir, o produto faça jus à memória – ou o conquiste de primeira. Para ele, a dedicação da família ao negócio, passado de geração em geração, também faz a diferença. “A gente pretende perdurar, e não só por mais 100 não”, aposta Grochowski.

A expansão dos locais de venda também foi uma estratégia adotada. Os produtos, antes comercializados somente no ponto centenário no Bairro Floresta, Região Centro-Sul, atualmente são vendidos por e-commerce para o Brasil inteiro e ocupam as prateleiras de 445 revendas, como supermercados, farmácias e padarias. Desde 2020, a Lalka também exporta para os Estados Unidos e o Canadá.


CENTRO ESVAZIADO

O esvaziamento do centro da capital mineira e a consequente diminuição de clientes são um dos desafios enfrentados pelos cafés Bahia e Nice, fundados no coração de BH em 1937 e 1939, respectivamente. “A população está buscando mais novidades”, afirma Phillip Santos, proprietário do Café Bahia, instalado na Rua dos Tupis há 45 anos.


Ele acredita que o público do ramo alimentício está cada vez menos fiel, tendo em vista a vasta opção de lugares e a venda de produtos prontos para serem feitos em casa. Diante desse cenário, Phillip afirma que há falta de incentivo por parte do poder público para preservar os pontos icônicos de BH.

Com mais de oito décadas de existência, o Café Nice precisou lançar, em abril deste ano, uma campanha de financiamento coletivo para tentar impedir que o espaço fechasse as portas por falta de recursos. “A cidade era muito movimentada, muito cheia, então as gestões públicas começaram a descentralizar. Mas esvaziaram tanto que o Centro, hoje, está morrendo”, desabafa Renato Moura Caldeira, à frente do negócio junto ao irmão Tadeu Moura Caldeira, há 55 anos. A dupla herdou o espaço após o pai, Heitor Caldeira, encerrar as atividades. O Nice conseguiu reverter a situação graças à mobilização e aos patrocínios recebidos. Em setembro, espaço foi reinaugurado.

 

A Padaria Brasileira, que oferece o pão de sal de um quilo, batalha para manter o público e investe em entregas
A Padaria Brasileira, que oferece o pão de sal de um quilo, batalha para manter o público e investe em entregas Tulio Santos/EM/D.A Press


ENTREGAS PARA SEGUIR

“Não está animador. As pessoas que frequentavam o Centro não vêm mais”, afirma Renata Perazzo, dona da Padaria Brasileira juntamente com o marido Francesco Perazzo. Antes na Rua dos Goitacazes e atualmente na Avenida Olegário Maciel, o comércio foi fundado em 1927 e tem como tradição o pão de sal de um quilo.

O casal conta que desde a pandemia de COVID-19 as vendas têm caído e o cenário não está promissor. Francesco diz que, antes, o faturamento mensal era de aproximadamente R$ 7 mil, total que atualmente é de R$ 2.500 a R$ 3 mil. Para manter o negócio na ativa, a padaria começou a realizar entregas diárias para empresas, hospitais e outros pontos.


MUDANÇA PARA MELHOR

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O restaurante e bar Tip Top enfrentou uma situação semelhante à do Bolão quando, no final de 2022, o locador do imóvel onde o estabelecimento funcionava pediu o espaço. O Tip Top precisou sair do Lourdes e foi para um ponto na Savassi, ambos os bairros na Região Centro-Sul de BH.

A proprietária Ludmila Carneiro afirma que, na época, a mudança foi um baque, mas acabou tendo um bom resultado. “A gente praticamente dobrou a frequência”, comemora. Com a reviravolta, Ludmila afirma que percebeu o carinho que os clientes têm pelo Tip Top e, por isso, acredita que BH abraça o tradicional. (Com informações de Ana Luiza Soares)

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