Antes do "mês do fogo", Minas tem alívio, mas já lidera em focos no Sudeste
Estado chega ao pior mês da estação de incêndios com maior número de focos na Região Sudeste, mesmo com queda expressiva de janeiro a agosto, após um ano quente
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Siga noEntrando no período mais crítico para queimadas e incêndios florestais, que historicamente é registrado neste mês de setembro, Minas Gerais encerrou agosto deste ano como o estado em que a vegetação mais ardeu na Região Sudeste do país, acumulando um total de 3.205 focos desde 1º de janeiro até o último dia 31/8. Em termos nacionais, ocupou o sétimo lugar na ranking das chamas (veja infográfico na página ao lado), atrás do líder Mato Grosso (6.877 focos), Maranhão (5.987), Tocantins (5.539), Bahia (4.108), Pará (3.354) e Piauí (3.306), segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
A boa notícia é que o território mineiro apresentou uma redução expressiva no número de focos, considerando os primeiros oito meses do ano. Na comparação com 2024, quando houve 5.227 focos, o total no período recuou 38,6%, a maior queda da década. Ainda mais expressiva, considerando que até fevereiro deste ano os registros de queimadas feitos pelo Inpe eram bem superiores à média histórica.
A redução, porém, está longe de significar que os números não sejam preocupantes, mesmo porque, segundo registros considerados desde 1998, a quantidade de focos em território mineiro só costuma começar a recuar em outubro. A estatística também gera preocupação para o bioma de cerrado, que concentrou 60,9% das queimadas em Minas no período, seguido pela Mata Atlântica, com 37%, e pela Caatinga, com 2%.
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Bioma sofre com as chamas
Brigadista florestal há sete anos, Gustavo Gouvêa já morou perto de uma unidade de conservação – o Parque Estadual Serra Verde, em Venda Nova – e decidiu entrar no combate ao fogo depois de ver de perto o que um incêndio florestal pode causar. “O cerrado sofre com incêndios criminosos. Proprietários rurais ou a população em geral, por exemplo, utilizam o fogo de maneira incorreta, o que pode gerar grandes incêndios”, afirma.
Ele cita como exemplo o cultivo das sempre-vivas (vegetais cujas flores, após colhidas e secas, resistem consideravelmente ao tempo). Na região de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, após a colheita, coletores ateiam fogo à área para estimular a rebrotas e controlar espécies invasoras, afirma. No período crítico de seca, no entanto, essa prática representa risco elevado, com as chamas podendo se alastrar pela vegetação já muito seca, favorecidas pela baixa umidade relativa do ar.
Gustavo também destaca as diferenças no comportamento das chamas na comparação com a mata atlântica. “No cerrado, a vegetação é baixa e o fogo corre livremente, mas a flora é adaptada e resistente, com sementes que dependem do fogo para germinar. Na mata atlântica, por outro lado, a vegetação é mais densa, com árvores de grande porte e topografia acidentada”, comenta.
A dificuldade em cada vegetação
O brigadista explica a dinâmica do combate em campo. “No cerrado, o fogo se espalha mais rápido devido à vegetação aberta, enquanto na mata atlântica o acesso ao foco é mais difícil e o fogo fica mais escondido. Cada bioma exige estratégias específicas, planejamento e atenção redobrada, mas o objetivo é sempre o mesmo: preservar a vegetação, a fauna e a vida das pessoas”, destaca.
Ele ressalta ainda os impactos das queimadas para a saúde de quem combate o fogo, de comunidades e motoristas que trafegam próximo às áreas atingidas. “A fumaça e a fuligem podem chegar às cidades, afetando a respiração e aumentando casos de doenças respiratórias. Por isso, a prevenção é tão importante quanto o combate direto ao fogo.”
Gustavo reforça o papel fundamental da população na prevenção. “É preciso ter consciência: não colocar fogo no lixo, seja doméstico ou de folhagem, especialmente em propriedades perto de unidades de conservação. Muitos incêndios são criminosos ou resultam da ignorância sobre os riscos. Além disso, educar a nova geração é essencial para que no futuro esse cenário mude”, conta.
Um desafio a mais na estrada
Quando o assunto é fogo, a situação das rodovias em Minas Gerais também preocupa. No trecho da BR-040 entre Belo Horizonte e Juiz de Fora, na Zona da Mata, por exemplo, a área devastada pelas chamas mais do que triplicou em apenas um mês, passando de 30 mil metros quadrados em junho para quase 100.000m² em julho.
Entre agosto de 2024 e agosto de 2025, a concessionária EPR Via Mineira, que administra o trecho, registrou 336 ocorrências de queimadas, sendo 47 atendimentos apenas em julho e 52 no mês passado, com destaque para os municípios de Carandaí e Barbacena, na Região Central do estado.
Diante dos números, a EPR firmou parceria com a empresa Climatempo e implantou o Sistema de Monitoramento e Alerta Climático (SMAC), que usa sensoriamento remoto e tecnologia chamada CT-Mergefire para identificar focos de calor. Os alertas chegam em tempo real ao Centro de Controle Operacional da concessionária, permitindo a mobilização rápida de caminhões-pipa, viaturas de inspeção e guinchos.
E quais são os riscos?
“As queimadas trazem riscos sérios à segurança viária. A fumaça reduz a visibilidade na pista e pode causar colisões, capotamentos e até engavetamentos. Por isso, nossa resposta precisa ser imediata, com recursos operacionais distribuídos ao longo do trecho”, explica o gerente de Operações da EPR Via Mineira, Anderson Finco.
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Altos e baixos das
chamas no estado
Entre 2015 (1.878) e 2025 (3.205), o número de focos de incêndio nos primeiros oito meses do ano em Minas Gerais variou bastante, revelando oscilações marcantes no comportamento do fogo no estado. Os registros mais baixos ocorreram em 2018, com 1.749 ocorrências, enquanto o pico ocorreu em 2024, com 5.227 focos, refletindo também a escalada no país. Já em 2025, apesar da queda expressiva em relação ao ano anterior, os números ficaram ainda acima de períodos como 2017 (2.757) e 2020 (2.448). Neste ano, os municípios com mais registros foram Paracatu (71), João Pinheiro (64) e Unaí (46), na Região Noroeste; Lassance (70), na Região Norte, e Patrocínio (50), no Alto Paranaíba.
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Ele ressalta que o Centro de Controle Operacional conta com 150 câmeras ao longo do trecho, mas a cobertura ainda não é total, embora haja previsão de ampliar o sistema. Todos os recursos podem ser acionados a partir da central, que também emite alertas em painéis luminosos e aciona o Corpo de Bombeiros em situações críticas. “Nos casos mais graves, a rodovia pode ser até interditada para garantir a segurança dos usuários”, acrescenta Finco.
O perigo do nosso lixo
Grande parte dos incêndios tem origem em ações humanas. O gerente reforça que o descarte inadequado de lixo e pontas de cigarro em áreas de vegetação seca é um dos principais fatores de risco. “Uma simples 'bituca' pode se transformar em um incêndio de grandes proporções”, comenta. De acordo com a EPR, foram recolhidas 633 toneladas de resíduos no trecho de agosto de 2024 a agosto de 2025.
“Por isso, pedimos que os motoristas nunca descartem resíduos pela janela e, em caso de fumaça na pista, reduzam a velocidade, mantenham os faróis acesos e jamais parem no meio da via. E sempre que identificarem sinais de fogo, acionem a concessionária pelo 0800 003 1040, disponível 24 horas por dia”, orienta.
No país, refresco após ano recorde
Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que, entre 1º de janeiro e 31 de agosto de 2025, o Brasil registrou 47.531 focos de queimadas, o menor número dos últimos 10 anos. A queda é expressiva quando comparada a 2024 – que teve o recorde de 127.051 ocorrências no período –, uma redução de 62,6%.
Em 2020, o Brasil registrou 91.129 focos de incêndio entre janeiro e agosto, o segundo maior índice do período. A partir daí, o país manteve patamares elevados (acima de 84 mil ocorrências) até 2022, com recuo em 2023 (63.395) antes do pico histórico de 2024.
O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) informou que a redução no número de focos de calor no segundo semestre de 2025 reflete tanto as medidas adotadas pelo governo federal e pelos estados quanto as condições climáticas menos severas neste ano.
Ainda segundo o MMA, entre as principais ações, está a contratação do maior contingente de brigadistas federais da história: 4.385 profissionais, sendo 2.600 do Ibama e 1.785 do ICMBio, um aumento de 26% em relação a 2024.
Outro ponto destaque, de acordo com o ministério, é o papel do Fundo Amazônia, que desde 2023 aprovou R$ 405 milhões para apoiar o Corpo de Bombeiros nos nove estados da Amazônia Legal. Pela primeira vez, o fundo também apoiará ações de prevenção e combate em biomas fora da Amazônia, como cerrado e pantanal. Em julho, foram aprovados R$ 150 milhões para as corporações de Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Piauí e Distrito Federal.
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A legislação também avançou. A sanção da Lei 15.143/2025 ampliou a capacidade de resposta a incêndios florestais e reduziu de um ano para três meses o intervalo de recontratação de brigadistas.
Em março, o MMA publicou também a Portaria 1.327/2025, que declarou emergência por risco de incêndios, indicando áreas vulneráveis em todo o país e viabilizando contratações emergenciais de brigadistas. Além do Decreto 12.189, de setembro de 2024, que aumentou as punições para crimes relacionados a incêndios florestais.
* Estagiária sob supervisão do editor Roney Garcia