Refúgio de gatos em parques de BH divide ativistas e biólogos
Defendido por ONG, projeto de lei que dispõe sobre a proteção de felinos abandonados pode acentuar o problema e ameaçar a biodiversidade nas áreas verdes
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Siga noBasta um passeio no Parque Municipal Américo Renneé Giannetti para que se note a presença de moradores ilustres. Pode-se chamar assim os cerca de 250 felinos que habitam o metro quadrado mais verde do Centro de Belo Horizonte. A colônia de animais é foco do Projeto de Lei (PL)184/2025, que dispõe sobre ações de proteção e valorização dos gatos e tramita na Câmara Municipal. Biólogos, no entanto, temem que as medidas incentivem a permanência dos felinos e ameacem a biodiversidade nessa área.
O manejo dos animais é feito pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e organizações não governamentais (ONGs) há mais de nove anos. Ao Estado de Minas, o autor do PL, vereador Osvaldo Lopes, explicou que a motivação para a proposta foi a realidade já conhecida no Parque Municipal e em outros espaços verdes da cidade. “A presença de vários gatos que foram abandonados e que hoje vivem em condição de vulnerabilidade. Esses animais não pediram para estar ali, mas acabaram ficando por causa do abandono irresponsável de tutores. A nossa preocupação é garantir proteção, cuidado e qualidade de vida para eles”, disse o parlamentar.
O PL, que tramita em primeiro turno na Câmara Municipal de Belo Horizonte, pretende reconhecer a importância dos gatos residentes nos parques municipais de BH e garantir a proteção e bem-estar, visando à promoção da saúde pública e ao respeito aos direitos animais. O previsto é que o Poder Executivo implemente um programa permanente destinado à proteção, castração, vacinação e assistência veterinária para os felinos.
Também estabelece a promoção de campanhas educativas para conscientização sobre a importância dos gatos nessas áreas, incentivando a convivência harmoniosa com a fauna urbana. “O projeto nasce de uma necessidade social e ética, de olhar para esses animais que já estão nos parques e dar uma resposta humana e responsável para essa situação”, afirma Lopes.
O vereador reconhece o risco dos felinos para o espaço verde, mas alega que o PL é uma resposta compatível para o problema. “Os gatos são uma espécie doméstica e não fazem parte da fauna silvestre. Isso gera desequilíbrios e ameaça a biodiversidade nativa. Por isso, a proposta é compatibilizar a proteção com a preservação, com castração em massa, campanhas de adoção responsável e fiscalização contra o abandono”, destaca ele.
IMPACTOS
O biólogo Adriano Paglia, por sua vez, teme que as ações acentuem o problema. “O Parque Municipal é a única área verde do hipercentro de BH, e tem uma relevância biológica muito grande. Por outro lado, essa área está submetida a uma série de impactos, desde visitação, ruído, movimentação de carros em volta, todo o estresse que a paisagem humana exerce sobre a biodiversidade do local. Aliado a isso, tem uma enorme população de gatos abandonados e que se reproduziram”, contextualiza.
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Os animais, segundo ele, são um dos principais fatores de perda de biodiversidade, já que são predadores. “Eles atacam, principalmente, a fauna silvestre, desde invertebrados até vertebrados. Se alimentam de uma série de insetos e pequenos mamíferos, aves, morcegos, oportunisticamente também podem predar anfíbios e répteis. Faz parte do imperativo biológico deles”, explica o biólogo.
De acordo com a Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica (FPMZB), cerca de 21 mil pessoas visitam o lugar aos finais de semana. Além disso, são abrigadas aproximadamente 4 mil árvores de cerca de 300 espécies de todos os biomas brasileiros e de várias partes do mundo, como figueiras, ipês, eritrinas, jaqueiras, cipreste calvo, guapuruvus, pau-mulato, pau-rei e sapucaias, além de 330 espécies ornamentais, como agapantos, lírios, ixórias, azaléias, moreias, marantas e bromélias.
Já a fauna silvestre é composta por mais de 100 espécies de vertebrados, entre mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes. “É possível observar animais como bem-te-vis, sabiás, garças, periquitos, gambás-de-orelha-branca e o mico-estrela. Há centenas de invertebrados, com 100 espécies de borboletas e mariposas, e outros insetos como abelhas e formigas, que ajudam a manter o equilíbrio do meio ambiente”, informou a PBH.
Adriano alerta também para a circulação de doenças transmitidas por animais. “Áreas protegidas, sejam elas urbanas ou não, não são espaços adequados para manutenção de populações estáveis ou crescentes de animais domésticos, principalmente gatos e cachorros. É um problema de saúde pública. O problema que estamos enfrentando é cuidar para que a população de gatos não aumente, e que ,de preferência, diminua”, reitera ele.
Lar temporário
Simone Rocha, por sua vez, defende que os bichanos do parque não passam fome nem se multiplicam desordenadamente graças ao trabalho de voluntários como ela, da SOS Gatinhos do Parque. Há 15 anos, ao menos três vezes por semana, a ONG acompanha os animais e os alimenta, além de oferecer um carinho e, em alguns casos, levar algum deles para casa temporariamente. “Temos pontos fixos de alimentação, são casinhas que construímos, onde colocamos a ração e água. Parte da ração é oferecida pela prefeitura, mas os próprios voluntários complementam com mais nutrição”, relata.
Ela conta que os voluntários conhecem todos os gatos e acompanham os novatos, uma vez que, a população continua a abandoná-los no parque. “Toda semana vemos um gatinho que não deveria estar lá. Identificamos porque todos os do parque são castrados, têm um cortezinho na orelha e são microchipados também”, explica Simone. Segundo ela, é comum o abandono de gatos machucados, doentes e fêmeas prenhes ou com filhotes.
Para minimizar o número de animais permanentes, a ONG realiza feiras de adoção fora do parque, sempre anunciadas pelas redes sociais. “Não temos uma sede ou abrigo, então, cada voluntário abre um espaço na própria casa até eles serem adotados. Mas nos preocupamos com a adoção responsável. Não posso tirar um gatinho do Parque Municipal para ser levado a qualquer lugar, para caçar ratos ou voltar para as ruas”, destaca.
Simone ainda argumenta que nunca presenciou algum caso de gatos predando outros animais. “Mas não me surpreenderia, porque o gato é um animal caçador. Ele não está no topo da cadeia alimentar, ele está no meio, então ele é tanto caça quanto caçador. No parque, entretanto, eles têm acesso a comida. Então, o que vai despertar o instinto de caça não vai ser a fome”, afirma.
Manejo
Procurada pela reportagem, a Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica (FPMZB) informou que há hoje no Parque Municipal cerca de 250 gatos. O manejo dos felinos é feito regularmente, há mais de nove anos, em parceria com outros órgãos da PBH. “São realizadas ações de vacinação, castração, microchipagem e encaminhamento para programas de adoção. O objetivo é combater o abandono dos animais, além de monitorar a saúde e, consequentemente, evitar problemas de saúde pública”, disse em nota.
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A gestão municipal ainda reconheceu que a presença de animais domésticos pode comprometer o papel de parques na conservação da biodiversidade. “A fauna doméstica pode transmitir doenças para a fauna silvestre de forma indireta, por meio de fezes, carrapatos, pulgas, pela urina, ou mesmo através de mosquitos. Muitos animais silvestres podem ser afetados por não possuírem sistema imunológico competente para combater patógenos originários dos animais domésticos. Assim, a permanência de gatos nos parques não deve ser estimulada tanto para o seu bem-estar”, esclareceu.
Abandono é crime
O abandono de animais é crime no Brasil, tipificado como maus-tratos pela Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), com penas aumentadas para cães e gatos pela Lei Nº 14.064/2020. A norma estabelece reclusão de dois a cinco anos. Os maus-tratos incluem abandonar, praticar abuso, maltratar, ferir ou mutilar animais. Também é crime deixar o animal solto nas ruas, sem cuidados e sem alimentação adequada, e abandonar por ele ter envelhecido, adoecido, ou por se tornar “indesejado”.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho
Para denunciar maus-tratos
l Cia. de Polícia Militar de Meio Ambiente: 2123-1600, 2123-1610, 2123-1614, 2123-1616
l Polícia Militar: 190
l Polícia Civil – Disque-denúncia: 181
l Às prefeituras e suas secretarias municipais de meio ambiente
l Ao Ministério Público ou à Promotoria de Justiça
l Pela Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (https://www.webdenuncia.org.br/depa).
l Para adotar ou apoiar a ONG
l @sosgatinhosdoparque