Divisão territorial no Aglomerado da Serra era feita por 'águas'; entenda
Com a temática 'Água da Serra', quarta edição do MAMU mostra como as nascentes e o uso da água determinaram a divisão territorial no aglomerado da Serra
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Siga noUma caminhada ecológica nas entranhas do Aglomerado da Serra, favela na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, abre a programação cultural do projeto Morro Arte Mural (MAMU), neste domingo (31/8).
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“A caminhada busca refazer o trajeto das lavadeiras quilombolas, saudar as nascentes soterradas pelo asfalto, rememorar a autossustentabilidade das famílias e as relações socioculturais entre a favela e o quilombo”, explica Makota Kidoialê, liderança do Kilombo Manzo, que atua em parceria com o MAMU nessa atividade.
A escuta ativa da equipe do MAMU no aglomerado identificou como tema desta quarta edição do projeto as “Águas da Serra”, devido à urgência em preservar os mananciais que cortam o morro. Esses mananciais não só contribuem para o abastecimento da região, mas tem também, de acordo com a equipe do projeto um papel fundamental no fornecimento hídrico de toda a capital mineira. Uma dessas correntes é oriunda das nascentes dos córregos Acaba Mundo, da Serra e do Cardoso, que nasce na Vila Cafezal e segue seu curso pela Cardoso, passando pela Avenida Mem de Sá até desaguar no Arrudas.
A equipe do projeto explica que, embora a região do Aglomerado da Serra seja dividida oficialmente pelos registros municipais - como as vilas Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora Aparecida, Santana do Cafezal, Fazendinha, Chácara, Marçola e Novo São Lucas -, “a população divide o território como as três águas”, enfatizando a importância desses mananciais para a história local.
“Antigamente, cada água tinha um propósito. Uma era pra lavar a roupa, outra era pra beber e fazer comida, tomar banho e por aí vai. Antigamente não havia água encanada e/ou tratada. A gente subia com as latas na cabeça e depois enchia os galões de água”, conta Maria Conceição da Costa, moradora e filha de Dalila Monteiro uma das maiores lideranças do Aglomerado.
Macro mural do MAMU dará vista para o Aglomerado da Serra
A grande maioria dos moradores de Belo Horizonte, mesmo sem saber, conhece o trabalho do MAMU, presente em macro murais que podem ser vistos a partir de grandes avenidas da capital: o do Alto Vera Cruz (de 2018) pode ser visto da Andradas; o da Vila Nova Cachoeirinha (de 2022) é contemplado da Antônio Carlos; e o do Morro do Papagaio, é avistado a partir da Nossa Senhora do Carmo.
“Nesta edição a gente privilegia o macro mural para dentro da favela, para dentro do território. Se nas primeiras edições a gente privilegiou o ‘asfalto’, as grandes avenidas, quando a gente veio para a Serra, que é a maior favela de Minas Gerais, eu pensei que merecia um macro mural para dentro da favela porque aqui é muito grande e seria interessante conviver com a grande obra”, explicou Juliana Flores, diretora artística e curadora do MAMU.
O macro mural do Aglomerado da Serra será assinado por Jorge dos Anjos, que tem painéis e esculturas instalados em Belo Horizonte (como o famoso Portal da Memória, na Lagoa da Pampulha), Salvador e São Paulo. Mineiro de Ouro Preto, o escultor e desenhista iniciou sua trajetória artística nos anos 1970. Sua produção transita entre escultura, desenho, pintura e instalações, explorando o corpo, a espiritualidade e a ancestralidade afro-brasileira.
O ponto central para contemplar o macro mural será a Praça do Cardoso, local que era conhecido como a primeira água. Foi a partir dessa informação, passada pelo multiartista Kdu dos Anjos, morador do Aglomerado da Serra e parceiro do projeto, é que Juliana Flores ficou sabendo da antiga divisão territorial que deu origem à temática desta edição.
“Os antigos tinham não só uma relação de subsistência com essas águas, mas uma relação afetiva. E a gente quer muito trazer essa história para os jovens, para as crianças, para se conectarem com essa água e entenderem a importância de preservar essas nascentes, de cuidar desse lugar. Então, a gente começa hoje as ações de mobilização e relacionamento com a comunidade com essa caminhada ecológica guiada pelo Kilombo Manzo”, disse Juliana Flores.
Essa etapa do projeto que começa hoje e segue até 14 de setembro, quando o macro mural será inaugurado, ainda terá exibição de cinema e apresentação da House of Beco no Centro Cultural Lá da Favelinha, a pintura do Canão (importante símbolo do aglomerado) por artistas locais, show com Adriana Araújo, oficina de pintura para crianças com Raquel Bolinho, apresentação do grupo de teatro Coletivandu, finalizando com um mutirão de lixo.
De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Aglomerado da Serra abriga aproximadamente 46 mil moradores, distribuídos em mais de 13 mil moradias, em uma área de 1.470.483 metros quadrados. As obras da quarta edição do MAMU começaram oficialmente no dia 14 de julho, com a instalação dos primeiros andaimes, mas a pintura começou em 18 de agosto. O projeto é patrocinado pela Cemig e pelo Governo de Minas Gerais.
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