Os impactos das mudanças climáticas na saúde física e mental
Este foi um dos temas principais apresentados na Rio Climate Action Week, realizado na semana passada, no Rio de Janeiro
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Siga noComida e energia elétrica mais caras, impacto na saúde física e mental, além de crescimento da violência doméstica. Todos estes problemas são reflexo das mudanças climáticas e do aquecimento global que já podem ser sentidos na economia e na sociedade. Estes impactos foram alguns dos temas apresentados na Rio Climate Action Week, um evento que busca ampliar o alcance das discussões sobre a agenda climática e tratar dos desafios e oportunidades que o país terá nos próximos meses, em especial na preparação para a COP30, marcada para novembro, em Belém, no Pará.
No seminário “A Socioeconomia do Clima”, promovido pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS), o economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e diretor da LCA Consultores trouxe uma reflexão sobre como as mudanças climáticas já impactam a economia e o bem-estar social. Borges lembrou que o aquecimento global é um fato consolidado pela ciência e que o Brasil responde sozinho por cerca de um terço do desmatamento no mundo desde 1990, o que o coloca entre os principais emissores de gases de efeito estufa.
Ele lista potenciais impactos das mudanças climáticas na economia e sociedade: sobre a produtividade agrícola; afeta a disponibilidade de peixes no oceano; perda de capital por conta de eventos climáticos extremos; elevação do nível do mar ameaçando as regiões costeiras; maior ocorrência de eventos climáticos extremos; poluição que impacta o capital humano – em cidades poluídas o aprendizado é afetado e isso gera custos de menor produtividade e saúde. Além disso, secas cada vez mais severas geram migração e imigração, o que acaba afetando a política dos países.
Mas já há impactos concretos, sentidos na atualidade. “Hoje, desastres naturais afetam de 0,15 a 0,20% do PIB mundial. Parece pouco, mas isso representa um impacto negativo para a economia mundial de U$ 160 bilhões todos os anos e, obviamente, isso pode aumentar”, alerta.
No Brasil, entre 25% e 30% do território enfrentaram secas recorrentes na última década, o que pressiona a produção agropecuária e encarece os alimentos, um fenômeno relativamente novo, mas que se intensificou nos últimos 15 anos, segundo o economista.
“De um modo geral, hoje, comer está 30% mais caro que no começo dos anos 2000, comparativamente ao que era gasto com outros bens e serviços. É o que os economistas chamam de encarecimento relativo”, revela Bráulio Borges.
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A redução dos chamados “rios voadores” também ameaça a oferta de eletricidade renovável e barata. Eles são correntes atmosféricas invisíveis de vapor de água, originadas na região da Amazônia, que transportam umidade para outras partes da América do Sul, como o Centro-Oeste e o Sudeste do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. “Isso afeta o regime de chuvas no Brasil, a produtividade agrícola e produção de energia hidrelétrica”, pontua. Com a produção deste tipo de energia comprometida, muitas vezes, é preciso acionar as usinas termelétricas, mais caras e poluentes.
Caso nada seja feito, o economista destacou que a maioria dos estudos prospectivos aponta para perdas crescentes no PIB mundial, da ordem de 6% a 7% nos próximos anos, com efeitos mais severos nos países do Sul Global.
Cenário em Minas
O Anuário Estadual de Mudanças Climáticas, lançado em janeiro deste ano, reúne informações relacionadas ao clima de todos os estados brasileiros. O documento, fruto da parceria entre o Centro Brasil do Clima (CBC) e do Instituto Clima e Sociedade (iCS), coletou informações do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) para mostrar um panorama em cada unidade da federação.
Segundo o levantamento, Minas Gerais estava entre os estados com maiores áreas de degradação severa das pastagens em 2022, ao lado de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Bahia. O estado também figura entre as unidades federativas com maior número de terras degradadas no país.
Além disso, o anuário aponta que os municípios mineiros têm baixa capacidade adaptativa hídrica e o aquecimento global poderá reduzir as áreas de agropecuária, com perdas na produção de milho e outras culturas. Em 59 municípios da Região Norte do estado já começou um processo de desertificação agravado pela degradação do solo. Ondas de calor intensas poderão afetar todo o estado, que já vem sofrendo com as chuvas intensas, inundações e deslizamentos de terra, e ainda há propensão de aumento no número de casos de dengue.
O Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha são as regiões que devem ser mais afetadas pelas mudanças climáticas. O levantamento aponta ainda que o governo estadual tem implementado políticas públicas voltadas para a redução de emissões de gases de efeito estufa, a promoção de energias renováveis e a conservação da biodiversidade. Além disso, há investimentos em infraestrutura para enfrentar eventos climáticos extremos, como secas e enchentes.
“Esse tal efeito estufa”
Outro evento da Rio Climate Week discutiu os impactos das mudanças climáticas no cotidiano da população. Mediado pela ativista climática e campeã de juventude da COP30, Marcele Oliveira, o “Esse tal de efeito estufa” contou com a participação da líder do comitê científico da COP30, Thelma Krug, do professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Eduardo Assad, do médico patologista Paulo Saldiva, da Universidade de São Paulo, e do cantor e ator Criolo.
O debate mostrou que a crise climática não está restrita a acadêmicos, mas é uma questão concreta e com efeitos percebidos no dia a dia da população. Além do aumento dos preços dos alimentos e do impacto na saúde física e mental, foram citadas secas, enchentes e o crescimento da violência doméstica em episódios de ondas de calor.
O professor da Faculdade de Medicina da USP, Paulo Saldiva, destacou o impacto da crise climática na moradia e na saúde. Saldiva ressaltou que, em dias de calor extremo, quando a temperatura sobe cerca de 2,5%, o risco de morte natural aumenta em 50%. Assim, em episódios de onda de calor, a mortalidade cresce de forma significativa.
Segundo o professor, esse efeito se intensifica, entre outros motivos, porque muitas pessoas passam longos períodos se deslocando para o trabalho, sem condições adequadas de cuidar da própria saúde. Indivíduos com doenças crônicas tendem a ser mais afetados, ressalta Saldiva. “A ‘ampulheta’ do tempo de vida daquela pessoa passa a correr mais depressa.” A moradia, em especial da população vulnerabilizada, também é um desafio.
“Num dia de calor, por exemplo, pense em uma residência simples, em que o morador construiu um segundo piso sobre a laje. Essa estrutura retém o calor, que pode chegar a 60°C ou 70°C dentro do imóvel, algo quase insuportável”, afirmou.
O cantor Criolo lembrou que nem todas as pessoas sofrem da mesma forma os efeitos das mudanças climáticas, já que comunidades de baixa renda, por exemplo, têm menos acesso a moradias de qualidade ou opções de saúde e transporte.
Saldiva afirmou ainda que os efeitos das mudanças climáticas não se limitam ao corpo, mas atingem também a saúde mental. “Um estudo global publicado na revista Nature mostrou que ondas de calor estão associadas ao aumento da violência interpessoal. Uma das razões para isso é porque, no calor, a qualidade do sono cai, e poucas coisas afetam tanto o humor quanto noites mal dormidas. O calor intenso ainda interfere no funcionamento do hipotálamo, região do cérebro responsável por regular a temperatura corporal, o que pode provocar irritabilidade e alterar o comportamento”, destacou.
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A relação entre meio ambiente e segurança alimentar também foi objeto de discussão. Eduardo Assad lembrou que, embora o Brasil seja um gigante agrícola, os impactos sociais e ambientais revelam contradições profundas.
“O nosso país é o segundo maior produtor de alimentos do mundo, e ainda assim temos gente passando fome. Não é um problema de produção, e sim de distribuição”, pontuou. A cientista Thelma Krug observou que o Brasil, durante muito tempo, evitou discutir a adaptação climática por considerar que isso significaria abrir mão da esperança em medidas ambiciosas de mitigação.
Para ela, hoje, é inevitável falar em adaptação. “Adaptar-se é muito mais complexo do que mitigar: enquanto os efeitos de ações como reduzir o consumo de carne ou plantar árvores podem ser medidos, na adaptação nem sempre sabemos a que teremos de nos ajustar. E não se trata apenas de responder ao que já está acontecendo, mas de projetar os riscos futuros, quando a situação pode piorar”, afirmou. A cientista se refere aos efeitos das mudanças climáticas caso o mundo não consiga limitar o aumento da temperatura em até 1,5°C, limite estipulado no Acordo de Paris, assinado em 2015. n
*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade (iCS)