Festival celebra diversidade e empreendedorismo de mulheres migrantes em BH
Evento gratuito reúne gastronomia internacional, artesanato e música no Luxemburgo, e reforça luta contra xenofobia e preconceitos
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Siga noEm uma rua sem saída, uma música embala os corações de quem passa pelo Bairro Luxemburgo, na Região Centro-Sul da capital. No lado esquerdo da Rua Tavares Bastos, barraquinhas de comida; do outro lado, artesanatos diversos e um palco. Mais que um evento gratuito para toda a família, a Festa Sem Fronteiras, que começou às 10h deste domingo e termina às 18h, celebra a diversidade, o acolhimento, a gastronomia internacional e o empreendedorismo feminino.
“Rede de apoio” talvez seja o conceito-chave para o "Coletivo Cio da Terra", entidade responsável pelo evento. Criado em meados de 2016, seu objetivo principal é trabalhar para a efetivação dos direitos das migrantes, o fortalecimento de sua autonomia e autoestima, e a criação de um suporte e troca de experiências. O coletivo atua em diversas frentes, desde aulas de português e formação sociopolítica até assistência emergencial.
Também gerenciam projetos, organizam atividades culturais e, claro, promovem a geração de renda para suas integrantes, muitas delas mulheres e pessoas não binárias migrantes, refugiadas e apátridas de vários cantos do Brasil e do mundo.
“Nosso trabalho é feito com muito cuidado, afeto e em coletivo. Mais do que tudo, a gente defende que migrar é um direito. E que toda pessoa migrante, refugiada ou apátrida é, sim, uma pessoa que tem direitos, com voz, com potência, com história. E é isso que a gente segue fazendo: enfrentando as discriminações e cuidando para que os direitos humanos sejam, de fato, para todes”, ressaltou Denise Fantini, sócia-proprietária do Espaço Teia, que integra a coordenação do coletivo. De nacionalidade argentina, ela mora há 12 anos no Brasil e atua mais precisamente na área cultural do grupo.
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Origens
Por diversos motivos, ser imigrante requer superar barreiras burocráticas, culturais e da própria sobrevivência. Por isso, segundo Denise, os eventos realizados, assim como o coletivo, são oportunidades para apoiar o trabalho dessas mulheres e vivenciar a riqueza de suas origens. Há cinco anos, a organização começou a participar de financiamentos públicos para promover esses e outros eventos, que garantem não só subsistência para as integrantes, mas também conscientização acerca da luta dos imigrantes, como o combate à xenofobia.
“Querendo ou não, as pessoas veem que você não é daqui e corrigem a maneira de falar, te infantilizam... são formas de xenofobia, mas implícitas. Não são todas, mas há quem sofra também o racismo estrutural, igualmente silencioso”, destacou a argentina.
Nicole Aponte, doutoranda em demografia pela UFMG, veio da República Dominicana para BH em 2022 para realizar o mestrado. Nesta jornada conheceu sua namorada, Cinara Ventura, mineira e mestranda em Direito pela Ufop, que relata um episódio marcante. “Estávamos tomando sorvete na Savassi e um homem viu a gente conversando e comentou: ‘Você precisa ensinar ela a falar direito’”. Como elas citam, o caso exemplifica a xenofobia, mas também a misoginia. Para além deste episódio, elas revelam que na própria faculdade há comentários igualmente preconceituosos.
O casal abriu juntas o "Vento Artesanal", uma loja virtual de velas aromáticas. “Vem do meu coração a produção. Minha mãe fazia velas, então eu trouxe essa herança e começamos a produzir com aromas naturais e 100% manual”, conta Nicole. É a segunda vez que participam de um evento do coletivo.
Ao lado de Nicole, mas vinda de um país mais distante, a artista plástica Yulia Mysko, da Ucrânia, mora há 13 anos no Brasil, sendo oito em BH. Ela vende ovos de madeira pintados com a técnica pêssanka, que consiste em usar tinta e cera para fazer formas e pinturas em ovos de galinha. A técnica exige paciência e habilidade. Além disso, ela vende pássaros de pano, quadros com técnica de recorte e bordados. Todos remetem à cultura ucraniana, mas misturam também influências africanas e brasileiras, incluindo um baralho inspirado na capoeira.
Capoeirista, ela conheceu Nicole na arte que une dança e luta, onde ficou conhecendo o espaço que une tantas outras culturas, e agora participa sempre dos eventos. “Aqui em BH há poucos ucranianos. Tem mais no Rio, São Paulo e Sul do país. Aqui eu conheço um grupo de quatro pessoas que também são da Ucrânia, então é difícil lidar com esse sentimento. Espero voltar em breve para lá.”
Diferentemente do que se poderia imaginar, a artista conheceu a capoeira na Itália, país onde morou antes do Brasil. Sobre a guerra, ela cita que sua família mora em Ternopil, a cerca de quatro horas da Polônia, considerada mais segura que outras regiões. Contudo, seu pai e irmão foram alistados para o conflito e já retornaram. “Eles voltaram bem, mas têm sequelas físicas e do trauma mesmo”, contou.
Comida boa
No universo gastronômico, as iguarias vão do Chile, a Cuba e ao Peru, com muitas opções para quem busca uma experiência gastronômica diferente. Uma delas é o Malewa - Restaurante Africano, comandado por Gracia Wanatu e Princess Kambilo, ambas da República Democrática do Congo.
Gracia explica que há muita referência da comida africana no Brasil, como feijoada, tropeiro e frango com quiabo. Elas trabalham com buffets e reforçam o quanto se sentem acolhidas no coletivo, do qual fazem parte desde o início. Gracia cursou Turismo, e Princess, Publicidade e Propaganda; ambas vieram ao Brasil por meio de iniciativas de união entre os países.
"É engraçado que no primeiro momento as pessoas estranham a comida, acham que é diferente, mas quem prova se apaixona", brinca Gracia.
Princess integra a coordenação do coletivo e destaca que o projeto é fundamental para geração de renda das integrantes. "Esses eventos são ótimos para nós, pois no dia-a-dia não tem muita saída. Então festivais e nossos buffets salvam."
Os amigos Samuel Alencar, de 29 anos, e Bárbara Meynart, de 27, aproveitavam não só a música, mas as iguarias do ambiente. Com mãe chilena, Bárbara ressaltou a importância desses eventos, que reúnem toda a família e aquecem o coração com comidas feitas por quem nasceu no país. Ela conta que, por isso, sempre segue a cozinha La Chilenita e suas famosas empanadas. Samuel, morador de Ouro Preto, também destacou que o evento é ótimo para curtir o domingo. "O bairro é seguro e tranquilo, então vale a pena sair para curtir um evento desses."
Encontros e ritmos
Para completar a experiência, o palco da Festa Sem Fronteiras será embalado por uma programação musical O Duo Latino Yina Areiza & Edu Santos traz um repertório que exalta a riqueza da arte e a pluralidade de sons, unindo a voz da cantora colombiana Yina Areiza ao conhecimento do músico e pesquisador de ritmos latino-americanos Edu Santos.
A DJ chilena Amaranta apresenta o melhor da cena eletrônica. Já o DJ nicaraguense DJ Rizo transforma a rua em uma pista de ritmos latinos e caribenhos, garantindo que ninguém fique parado.
A Festa Sem Fronteiras terá mais duas edições este ano: em 16 de agosto, no Parque Primeiro de Maio, região Norte de BH; e no dia 6 de setembro, no Parque Silveira, no Cidade Nova.
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