TRABALHO

Apenas 25% das pessoas trans têm emprego formal

Levantamento inédito do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica que há maior dificuldade ainda para as mulheres desse gênero entrarem no mercado

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Apenas um quarto da população trans ocupa espaços formais de trabalho. E as dificuldades na empregabilidade são maiores para as mulheres do que para os homens trans. Mais da metade dessa população no assalariamento formal está concentrada no comércio, atividades administrativas e no setor de alojamento (hotéis e similares) e alimentação.

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É o que revela levantamento inédito feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base em estatísticas de 2023 do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), que reúne dados sobre vínculos empregatícios, salários, admissões e demissões de todas as empresas no Brasil.

Ao cruzar esses dados, o Ipea identificou que apenas 25% das pessoas trans estavam empregadas formalmente, uma taxa 6,8 pontos percentuais inferior à da população geral. As desigualdades são ainda mais expressivas entre mulheres trans. A participação delas representa 20,7% do mercado de trabalho, frente a 31,1% entre homens trans. A exceção está na faixa de 14 a 17 anos, cuja taxa de participação no mercado formal de trabalho é superior (3,8%) a da população no geral (3%).

Salários menores e raça

Além das menores taxas de assalariamento formal, as pessoas trans inseridas no assalariamento formal recebem, em média, R$ 2.707 mensais, valor 32% inferior à média nacional (R$ 3.987). E cerca de 70% têm rendimentos abaixo da média brasileira. Essa diferença salarial persiste mesmo entre as pessoas trans com ensino superior completo que ganham, em média, 27,6% menos que profissionais não trans com o mesmo nível educacional.

A desigualdade também se reflete na distribuição por ramo de atividade econômica, já que essa população está inserida, majoritariamente, em ocupações de baixa remuneração, como vendas, serviços e alimentação, enquanto a presença é mínima em cargos de direção, técnicos ou de maior qualificação.

No caso do setor de alojamento e alimentação a participação das pessoas trans é 175,6% superior à do conjunto da população. No setor público, a participação desse é particularmente baixa. Apenas 5,5% são servidores públicos, proporção duas vezes menor que a da população total.

O estudo mostra ainda que as desigualdades de renda e acesso são piores ainda quando aliadas a outros marcadores sociais, como raça, por exemplo. Pessoas trans negras, pardas e indígenas têm rendimentos ainda menores. Uma pessoa trans preta, por exemplo, ganha em média 80% do salário de uma pessoa trans branca e 26% a menos que uma pessoa preta na população geral.

Participação da população trans no mercado de trabalho
Participação da população trans no mercado de trabalho Paulinho Miranda/EM

Políticas públicas

Um dos autores do estudo, Alberto Luís Araújo Silva Filho disse que a iniciativa surgiu da necessidade de dados sobre empregabilidade para que possam ser formuladas políticas públicas que garantam acesso à renda para essa população, que só aparece nas estatísticas de violência.

“A ausência de dados oficiais sobre identidade de gênero coloca essa população na invisibilidade e dificulta a elaboração de políticas de inclusão, principalmente na área da empregabilidade, um dos grandes desafios dessa população”, destaca o pesquisador.

Segundo ele, o Ipea tenta acesso aos dados anteriores a 2023 para ampliar a base da pesquisa e ter um resultado mais fiel dos desafios do acesso da população trans ao mercado formal de trabalho, já que o levantamento foi feito somente com as que ratificaram seu nome no cadastro nacional. “Mas as tendências dessa mostra são importantes para colocar os números no debate público e garantir políticas efetivas”, esclarece.

O pesquisador também defende que as informações sobre a população trans passem a constar em todos os registros oficiais do Brasil para facilitar o levantamento de dados, essencial para a implantação de ações efetivas, além das adotadas hoje, quase sempre na área da saúde, rompendo o preconceito que impede essa população de estudar, se qualificar profissionalmente e obter bons empregos.

Retificação

O estudo leva em consideração somente as pessoas que fizeram sua retificação de gênero na base de dados do CPF. Nele, foram identificadas 38,7 mil pessoas trans em todo o Brasil, com idade entre 14 e 64 anos. Desse total, 47,6% realizaram alteração de nome e gênero entre 2023 e 2025 e 45,8% possuíam nome social registrado.

A maior parte das pessoas trans identificadas pelo estudo do Ipea está concentrada na faixa etária de 18 a 30 anos (59,8%). Geograficamente, a Região Sudeste concentra mais da metade dos registros (51,1%), seguida do Sul (15,9%), enquanto Norte e Nordeste apresentam menor representatividade.

É o caso de Brenno Matheus Costa Batista, 29 anos, homem trans, cujos documentos já foram retificados no CPF. Para ele, os números da pesquisa do Ipea mostram “desigualdade, mas também resistência”. “Pessoas trans estão mostrando competência, construindo confiança e abrindo caminhos para uma participação cada vez maior no mercado de trabalho”, afirma Brenno.

 Brenno Matheus Costa Batista, homem trans
"Pessoas trans estão mostrando competência, construindo confiança e abrindo caminhos para uma participação cada vez maior no mercado de trabalho", afirma Brenno Matheus Costa Batista, homem trans Arquivo pessoal

Ele conta que concluiu o ensino médio e começou a trabalhar aos 18 anos, mas não teve oportunidade de cursar o ensino superior. “Mas a falta de uma faculdade nunca foi um obstáculo para aprender e crescer na prática. Morei em Goiânia, onde tive uma gráfica, e agora estou em Belo Horizonte, seguindo o caminho da minha família, meu pai e meu tio, são donos de gráficas e decidi continuar nessa mesma direção”, conta Brenno, que afirma sofrer preconceito e sentir medo de violência por ser um homem trans. “Mas passo a passo estou construindo e ganhando meu espaço, quebrando barreiras sem desistir”.

Importância

Para Sayonara Nogueira, mulher trans, geógrafa e professora efetiva na Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, que também integra a Rede Trans Brasil, a pesquisa do Ipea lança luz sobre uma população, cujos dados são escassos, mas importantes para a formulação de políticas públicas.

Para ela, o processo de escolarização, “devido ao estigma, ao preconceito e a discriminação na escola, ainda é um espaço perverso para as pessoas trans, levando a sua exclusão e consequentemente o não preparo para o mercado de trabalho formal”. “Portanto, o próprio preconceito e a transfobia tornam-se o principal obstáculo para o acesso ao mercado de trabalho formal”, afirma.

Sobre a maior dificuldade de emprego para mulheres trans, Sayonara destaca que “quanto mais próximo ao constructo social, cultural e historicamente do feminino, maior a violência”. “O machismo e o sexismo fazem que recaiam sobre elas [mulheres trans] as maiores violências, discriminações e exclusões”.

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Sayonara conta que está há 25 anos no serviço público, mas já foi gestora de políticas públicas LGBTI+ e assessora parlamentar e, nesses dois cargos tinha uma carga horária maior que outros funcionários, mas sem autonomia de trabalho e sem expectativas de progressão na carreira e salarial.

“A discriminação contra as mulheres trans e travestis no mercado de trabalho é um problema estrutural que limita as oportunidades, remuneração e ascensão profissional, mesmo elas tendo curso superior”, destaca. O estudo completo do Ipea pode ser consultado no site do instituto

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