Reforma tributária mantém a livre negociação de preços de imóveis
Nova lei apenas autoriza a Receita a revisar valores declarados para fins de cálculo de impostos, sem tabelar o mercado
compartilhe
Siga noA Reforma Tributária não faz com que o governo seja responsável por fixar o valor de compra e venda de imóveis a partir de 2026, diferentemente do que alega um vídeo no Instagram. Na realidade, a lei permite que o Fisco verifique de forma independente o valor declarado pelo contribuinte, para evitar sonegação de impostos.
Leia Mais
Em 16 de janeiro deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a Lei Complementar 214/2025, que trata da reforma tributária. A nova legislação altera vários pontos do mercado imobiliário, mas não dá ao governo qualquer atribuição sobre a definição dos preços dos imóveis. Entre as principais alterações está o artigo 256, citado no vídeo em questão, que permite à Receita Federal realizar apurações próprias sobre os preços de compra e venda, em vez de somente aceitar a declaração do contribuinte. Os critérios, segundo a legislação, são:
-
análise de preços praticados no mercado imobiliário;
-
informações enviadas pelas administrações tributárias dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União;
-
informações prestadas pelos serviços registrais e notariais; e
-
localização, tipologia, destinação e data, padrão e área de construção, entre outras características do bem imóvel.
A advogada Paula Beatriz Loureiro Pires, sócia especialista em direito tributário do Eichenberg, Lobato e Abreu Advogados, explicou que o governo vai definir um valor base para calcular os impostos devidos pelo contribuinte. Mas esse valor é apenas para fins fiscais, e pode ser contestado judicialmente.
“Essa informação (do vídeo) é falsa. Todo comprador e vendedor poderá livremente negociar os valores de compra e venda dos seus imóveis. O que vai haver, e isso sim como decorrência da reforma tributária, é a fixação do valor base de cálculo dos tributos incidentes nessa venda”, afirmou.
Leia Mais
Segundo a autora do vídeo, que é advogada, “o governo utilizará uma tabela de referência, baseada no cruzamento de dados de cartórios, estados e municípios” para definir as cotações dos bens imobiliários, a partir de “um mecanismo específico para apurar o valor de referência dos imóveis, com o objetivo de estimar o valor de mercado”.
O advogado Kênio de Souza Pereira, diretor-regional de Minas Gerais da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário (Abami) e vice-presidente da Comissão Especial de Direito Condominial da OAB Nacional, ressalta os erros de interpretação por parte da autora do vídeo aqui investigado.
“Houve um enorme desconhecimento. O artigo 256 trata de regras para apuração do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) da reforma tributária, da mesma forma que ocorre hoje quando o município cobra o ITBI (Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis). Obviamente, os proprietários têm total liberdade de pedir o valor que bem entenderem para vender ou locar seus imóveis, inexistindo qualquer legislação que limite tal direito”, afirma.
Ainda segundo o especialista da Abami, a definição do preço de um imóvel é regida pela lei da oferta e da procura, ou seja, pelo próprio mercado imobiliário. “O valor do bem decorre de vários fatores, como: custo, características do produto, oportunidade, necessidade do comprador ou do vendedor em fazer a transação, capacidade de pagamento do comprador”, diz.
O advogado Guilherme Manier, sócio da área tributária do Viseu Advogados, complementa que a reforma tem como foco estruturar a fiscalização, e não intervir no valor de venda. Segundo ele, o governo vai considerar um valor de referência que será disponibilizado no Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter). “Esse valor será atualizado anualmente e poderá ser impugnado pelo contribuinte interessado. A livre negociação entre as partes permanece garantida”, disse.
Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova
A postagem foi criada pela advogada Danielle Alves Ferreira, filiada à seção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Minas Gerais desde julho de 2007. Nas redes sociais, ela se autointitula como “especialista há 18 anos em direito automotivo” e “consultora para revendas com experiência de 28 anos”. O registro dela no site da OAB traz, como área de atuação, o direito cível, tributário, empresarial e do trabalho.
Ela soma cerca de 20 mil seguidores no Instagram até a publicação desta verificação. A maioria dos seus posts trata de mudanças realizadas na legislação, que influenciam o mercado de veículos. Quando essa verificação foi publicada, o vídeo em questão contava com cerca de 11 mil visualizações e aproximadamente 1 mil comentários.
Procurada pelo Comprova, Danielle Alves Ferreira argumentou que o proprietário “perdeu a presunção de veracidade” com a reforma tributária. “Vai ser criado um cadastro de imóveis brasileiro. Os estados, municípios e cartórios vão ter o prazo de um ano para alimentar esse sistema, que estará interligado ao Sinter. Com a lei, a proprietário perdeu a presunção de veracidade na declaração dele. O que vai valer vai ser o cruzamento de dados entre informações cartorárias, Receita Federal, municípios e preços de mercado. Se o proprietário não concordar, ele vai ter que manejar uma ação para questionar o valor”, disse.
Por que as pessoas podem ter acreditado
A publicação usa, como tática de persuasão, uma legenda com fundo vermelho na parte inferior do vídeo, com os dizeres: “Urgente! Dono de imóvel ‘não poderá mais fixar o valor da venda do imóvel! Quem estabelecerá o preço será o governo!'”. Além da cor chamar atenção do usuário, as frases estão em caixa alta. O uso da pontuação também merece destaque, com várias exclamações. A autora também usa aspas, que induzem o usuário a pensar que a frase foi retirada diretamente da nova legislação tributária.
Fontes que consultamos
A íntegra da Lei Complementar 214/2025; o diretor-regional de Minas Gerais da Abami e vice-presidente da Comissão Especial de Direito Condominial da OAB Nacional, Kênio de Souza Pereira; o sócio da área tributária do Viseu Advogados, Guilherme Manier; e Paula Beatriz Loureiro Pires, sócia especialista em direito tributário do Eichenberg, Lobato e Abreu Advogados
Por que o Comprova investigou essa publicação
O Comprova monitora conteúdos suspeitos ou duvidosos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.