Justiça

Processos de recuperação judicial se arrastam em MG

Caso mais recente é o da 123 Milhas, de agosto do ano passado, cuja causa foi estipulada em R$ 2,3 bilhões e tem 700 mil credores, entre fornecedores, clientes

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 Mateus Parreiras e Rodrigo Silva

Mais de um ano em processo de recuperação judicial (desde 31 de agosto de 2024) e até o momento, credores, clientes e funcionários da 123Milhas ainda não têm segurança sobre seus administradores judiciais – advogados, escritórios ou associações de advogados selecionados pela Justiça para conduzir o processo. Até o momento foram três trocas em um processo que se arrasta com várias reviravoltas no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e que é extremamente lucrativo, sendo que só de honorários fixos pode chegar a R$ 34,5 milhões para os administradores, quase sempre os mesmos envolvidos em 70% dos procedimentos de falência ou recuperação no estado, como tem mostrado a reportagem do Estado de Minas desde 9 de maio de 2024.

No caso da empresa belo-horizontina 123 Milhas, a causa foi estipulada em R$ 2,3 bilhões e tem 700 mil credores, entre fornecedores, clientes e parceiros. Admitido pelo TJMG em 31 de agosto de 2023, o processo de recuperação teve os escritórios Japur Administração Judicial, Paoli Balbino & Balbino Advogados e Inocêncio de Paulo Advogados, selecionados pela juíza Cláudia Helena Batista, da 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte.

Contudo, sendo o maior credor da 123 Milhas, o Banco do Brasil entrou com recurso em setembro de 2023 questionando a capacidade técnica dos profissionais indicados pela magistrada e pedindo a redução do percentual fixo de honorários, que era de 3% (R$ 69 milhões), o que foi acatado monocraticamente pelo relator do caso, desembargador Alexandre Vitor Carvalho. Os escritórios Japur Administração Judicial e Inocêncio de Paulo Advogados foram destituídos e substituídos por Juliana Morais Sociedade de Advogados e a administradora KPMG e os honorários reduzidos pela metade (R$ 34,5 milhões).


O escritório Paoli Balbino & Balbino Advogados foi mantido. Nada estranho, como tem mostrado a reportagem do EM, uma vez que este é um dos integrantes do "clubinho" que divide 115 (70%) dos 166 processos falimentares mineiros dos últimos quatro anos, segundo levantamento da reportagem com dados do TJMG. A movimentação é de cerca de R$ 150 milhões no período e envolve processos como o da mineradora Samarco, a Coteminas, a 123 Milhas e o Cruzeiro Esporte Clube.


No caso da 123 Milhas, os dois administradores destituídos recorreram. O colegiado do TJMG então negou o recurso, por 2 votos a 1, em maio de 2024, e manteve os administradores judiciais selecionados pelo relator. Mas, no mesmo dia, o desembargador que teve o voto vencido, Moacir Lobato, solicitou uma nova votação, desta vez em câmara completa, composta por cinco desembargadores. Entre as justificativas estaria o grande interesse público do processo.


O pedido foi deferido pelo presidente da Câmara, Marcelo Rodrigues, e a votação ocorreu no final de julho de 2024. O resultado foi de 3 votos a 2 para que os administradores destituídos retornassem e reassumissem o processo de recuperação judicial, ao lado do escritório Paoli Balbino & Balbino Advogados. Outra polêmica surgiu porque Marcelo Rodrigues estava de licença devido ao falecimento de seu pai, mas mesmo assim participou da sessão e votou pela restituição dos administradores.


Para não perder o cargo, a advogada Juliana Ferreira questionou a técnica de julgamento com câmara completa e alegou que não estava conforme a legislação. Ela afirma ter achado "estranho" que não tenha sido informada previamente sobre o julgamento. Baseando-se no Regimento Interno do TJMG, pediu no Conselho da Magistratura do tribunal a correção do que considerou um erro procedimental.

No dia 27 de agosto de 2024, o Conselho da Magistratura então anulou a sessão da 21ª Câmara Cível Especializada do TJMG por irregularidades no trâmite processual, restaurando os últimos administradores judiciais. Para a integrante do órgão superior, a desembargadora Mônica Libânio Rocha Bretas, o procedimento com câmara completa seria injustificável. "Afirmo que não caberia ampliação da Turma Julgadora, haja vista que a questão posta não configura julgamento parcial de mérito e que também não houve alteração da decisão monocrática proferida pelo relator", justifica sua decisão, em despacho que citou súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ).


A reportagem procurou a 123 Milhas para saber se as constantes trocas de administradores judiciais poderiam atrasar ou comprometer de certa forma o desenrolar da recuperação judicial, mas até o fechamento desta edição não houve retorno. Segundo a justiça divulgou em julho de 2024, os administradores deveriam organizar e publicar o cronograma da recuperação judicial com edital da lista de credores até agosto de 2024, o plano de recuperação até outubro de 2024 e a assembleia geral de credores para votar até dezembro de 2024.


Morosidade

O caso da 123 Milhas mostra como a constante troca de administradores judiciais estica prazos, compromete o rápido recebimento dos credores e levanta desconfiança já manifestada para a reportagem do Estado de Minas de diversos credores e interessados nos processos de morosidade para obtenção de lucros com honorários, contratação de escritórios subsidiários, perícias combinadas entre colegas e até desvios de ativos em vez de terminar com os ativos e pagar as dívidas.


No caso da Construtora Marialva de Sete Lagoas, por exemplo, já são 29 anos de espera pela distribuição de ativos e receitas da massa falida. Em meio a esse processo, dois administradores judiciais designados por dois juízes foram afastados, sendo que um dos magistrados pediu aposentadoria repentinamente visando se esquivar de um processo disciplinar e o subsequente recebeu pena de aposentadoria compulsória.


Desde 2018, a administração judicial da Construtora Marialva foi determinada pela justiça à Paoli Balbino e Balbino Sociedade de Advogados – a única administradora mantida no caso da 123 Milhas –, que figura como um dos integrantes do grupo de advogados que concentra os processos mais lucrativos de falências de Minas Gerais. Nesse caso, um dos escritórios que defende a construtora, o Osmar Brina & Sérgio Mourão – Advogados, também já se associou em vários casos à Paoli Balbino.


Enquanto isso, os credores e falidas relacionadas à construtora de Sete Lagoas – que quebrou depois de problemas na entrega de um shopping em Blumenau (SC) – afirmam que os advogados prolongaram intencionalmente o processo e que não teriam interesse em encerrar a falência.


São 35 administradores judiciais habilitados em Minas Gerais, segundo o edital de 2024 do TJMG, atualizado no dia 3 de junho de 2024. Destes, 22 (63%) são pessoas jurídicas e 13 são pessoas naturais. Entre as pessoas jurídicas, 13 são empresas de serviços jurídicos como perícias e auditorias, sete constituem sociedades de advogados, uma é organização de advogados associados e uma se trata de escritório de advocacia (Osmar Brina & Sérgio Mourão).


Mesmo com a vigência da resolução 393/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de que um administrador só pode ser designado pelo juiz para coordenar quatro falências e o mesmo número de recuperações judiciais, o credenciamento dos profissionais como pessoas físicas e em mais sociedades jurídicas ou em associação praticamente dobra essa possibilidade, sem falar nas contratações recorrentes para apoio que, na prática, repartem o bolo entre as mesmas mãos em várias situações.


Só a dupla Corrêa Lima e Paoli Balbino abarca quase todas as modalidades de pessoa jurídica, à exceção de advogados associados. A Paoli Balbino está listada com uma sociedade de advogados e uma empresa de administração judicial. No caso da Samarco, outros três administradores figuram como pessoas naturais, empresas e sociedade de advogados.


A Paoli Balbino & Balbino diz que o grupo Almeida Júnior tenta intimidar os peritos com ações contra eles para protelar os pagamentos e afirmando que não há falta de transparência nem protelação, pois "os atuais ativos disponíveis em favor da massa falida são insuficientes para a realização de pagamento da integralidade dos credores". O escritório Osmar Brina & Sérgio Mourão - Advogados afirma que defende a construtora apenas em recursos de instâncias superiores e que a Marialva Construtora é superavitária. "Haverá recursos para todos os credores e sobra de recursos para a falida. É absurdo que a falida tenha interesse em protelar o encerramento da falência”, afirma.


Um dos instrumentos que pode mudar isso é a aprovação do projeto de lei de falências (PL 3/2024) aprovado na Câmara dos Deputados e em tramitação no Senado. Se transformado em lei tem instrumentos regulatórios e de restrição de administradores judiciais e tira dos juízes a escolha de administradores da massa falida, transferindo essa decisão aos maiores interessados, que são os credores. 

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