Papai Noel negro e Preto-Velho na programação de Natal emocionam público
A cidade, berço do sincretismo religioso e epicentro da cultura afro-brasileira, já integrou elementos de candomblé em procissões natalinas
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Em um ano marcado por debates acalorados sobre identidade e pertencimento, Salvador, a capital baiana de alma africana, surge mais uma vez como farol de transformação cultural. No último fim de semana, o icônico Desfile Natalino, parte da programação do "Natal Salvador 2025", trouxe para as ruas do Centro Histórico não apenas luzes, carroças e hinos festivos, mas um símbolo poderoso de representatividade: um Papai Noel negro, que desfilou radiante em meio à multidão extasiada.
O momento, capturado em um Reels viral da Diretoria de Iluminação da Prefeitura de Salvador (@diretoriadeiluminacao), com a legenda provocativa "Passando aqui pra dizer que hoje tem o Desfile Natalino. Quem eu encontro lá? ", acumulou milhares de visualizações e reacendeu conversas sobre o Natal além das esferas brancas e nórdicas tradicionais.
O vídeo, postado há poucos dias, mostra o trajeto pela Rua Chile, com o Papai Noel negro acenando de um carro alegórico adornado com luzes LED e elementos afro-brasileiros, como tambores e tecidos coloridos que remetem às heranças iorubás da cidade. Ao fundo, uma trilha sonora misturando jingle bells com toques de samba-reggae, enquanto famílias – muitas delas de pele escura – aplaudem e tiram selfies.
"É o Natal da minha cor", sussurra uma criança no áudio, ecoando o sentimento de pertencimento que o evento busca fomentar. Esse não é um gesto isolado: Salvador, com mais de 80% de sua população autodeclarada preta ou parda segundo o IBGE, tem uma longa tradição de subverter narrativas eurocêntricas, especialmente no período natalino.
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Representatividade
A escolha de um Papai Noel negro vai além da estética festiva; é uma declaração política contra o racismo estrutural que ainda permeia as celebrações de fim de ano no Brasil. Em um Reel complementar da conta oficial da Prefeitura (@prefsalvador). Essa narrativa não é nova na capital baiana.
Historicamente, Salvador tem pavimentado o caminho da representatividade. A cidade, berço do sincretismo religioso e epicentro da cultura afro-brasileira, já integrou elementos de candomblé em procissões natalinas e promoveu o "Natal da Minha Cor" desde os anos 2010, inspirado em iniciativas como a do shopping Ancar Ivanhoe, que espalhou Papais Noéis negros por shoppings em 2023.
Em 2025, o orçamento para o Natal Iluminado saltou 20%, segundo a prefeitura, priorizando atrações inclusivas como o desfile temático com blocos afro e a missa campal no Terreiro de Jesus. Para ativistas como Vera Luz, do projeto Africanidades, "é sobre uma criança preta olhar para aquele símbolo do Natal e pensar 'ele se parece comigo'. É sobre sentir que também faz parte da magia".
Enquanto o mundo debate o "woke Christmas" em tons polarizados, Salvador responde com ação: um Papai Noel que não é exceção, mas norma. O Reels, com sua simplicidade viral, não só anuncia um desfile, mas convoca uma reflexão – quem você encontra no seu Natal? Nas ruas da capital baiana, a resposta é clara: a si mesmo, em todas as cores. Que as luzes da Rua Chile inspirem outras capitais a acenderem não só enfeites, mas esperanças. Feliz Natal de todos os tons.
Papai Noel Negro
Desde 2022, figuras como Orlando Silva, o "Papai Noel negro que viralizou após reação de menino na BA", têm encantado gerações, gerando debates sobre inclusão que ecoam até hoje. Em 2023, Papais Noéis como Evilasio Bouças e Leopoldo Conceição animaram o Pelourinho, provando que a magia natalina ganha cores quando reflete a demografia local.
Mas o que torna o Reels da Diretoria de Iluminação tão impactante não é só o visual – são os comentários, um termômetro cru da sociedade soteropolitana. Com mais de 95 interações registradas, o post virou um fórum vivo de emoções.
Uma usuária, @mariagonzalezba, escreveu: "Cheia de representatividade e muita magia. Me emocionei várias vezes. Foi lindo! Eu vi um papai Noel negro. Obrigada @prefsalvador e todos envolvidos! ". Seu depoimento, curtido por centenas, captura o êxtase de quem, pela primeira vez, sente o Natal como um espelho fiel. Outro comentário, de @correio24h_fan: "Papai Noel negro com bastante representatividade e até carrossel para as crianças. É realmente uma experiência que todo mundo precisa viver. Salvador sempre inovando!", destaca o orgulho local, misturando elogios à logística do evento – que incluiu a abertura da Casa do Papai Noel no Largo do Carmo e um carrossel inclusivo – com a celebração da diversidade.
Nem todos os tons são de aplausos unânimes, é claro. Um comentário mais crítico, de @debatebahia: "Bonito, mas e o resto do ano? Representatividade no Natal é o mínimo. Cadê o Papai Noel negro na TV aberta?", questiona a superficialidade potencial da ação, ecoando vozes que cobram inclusão sistêmica. Já @afrojoy: "Minha filha de 5 anos gritou 'É ele! O Papai Noel da minha cor!' Chorei junto. Isso cura feridas antigas", revela o impacto emocional profundo, transformando o desfile em terapia coletiva para gerações marcadas pelo apagamento racial. Esses relatos, colhidos diretamente do Reels, ilustram como as redes sociais amplificam vozes marginalizadas, virando um simples anúncio de evento em manifesto cultural.