ABRAÇO DA FÉ EM LAGOA SANTA

Duas festas, duas religiões e um mesmo propósito: celebrar a ancestralidade

Ritual da Umbanda invocou os caboclos e caboclas enquanto congadeiros católicos caminhavam, em cortejo, com os espíritos dos negros escravizados

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Dizem os antigos que os atabaques, quando tocados por mãos de fé, geram uma frequência sonora que abre portais para o mundo espiritual. Deles, saem entidades ancestrais de cura e bondade, que nos visitam para os trabalhos da alma. Foi exatamente essa energia que os participantes da festa da Pisada do Caboclo, promovida pelo Terreiro de Umbanda Cabana Pedra Branca, vivenciaram no último sábado, 25/10, em Lagoa Santa, Minas Gerais. A mesma vibração foi sentida no dia seguinte, quando grupos de Congado, celebraram com seus tambores e chocalhos, a presença das divindades do povo preto em adoração à Nossa Senhora do Rosário. 


Tudo começa no sábado. Bem em frente ao templo de Umbanda que dá o nome ao Caboclo Pedra Branca, um tapete de folhas verdes tomou conta do asfalto e criou-se um chão sagrado – como se as árvores da mata próxima curvaram-se seus galhos em sinal de respeito e deferência aos caboclos e caboclos que por lá passaram. A hora mágica foi quando o Sol de fim de tarde tinge, de dourado, as vestes brancas dos filhos e filhas da Umbanda, e nesse momento, um espectro de luz, acompanhado pela presença dos espíritos das floresta, transpassou corpos e energizou todos os presentes.


Os caboclos são a personificação dos povos originários, “os verdadeiros e legítimos donos da terra”, que habitavam o Brasil muito antes da chegada dos portugueses. De acordo com Pai Erlon, sacerdote da Cabana Pedra Branca,  “quando falamos de caboclos, estamos falando da ancestralidade mais pura do nosso país, das raízes mais fortes que traduzem nossa origem”, afirma. A Pisada do Caboclo é, portanto, um ato de reverência e resistência cultural, resgatando cantos, orações, práticas de cura e limpezas espirituais que foram apagadas ou desvalorizadas ao longo dos séculos.


Conexão com a natureza

A celebração, em Lagoa Santa, reconectou as pessoas com a natureza, valor central na cosmovisão indígena. “Os caboclos tinham uma ligação muito forte com o céu, a terra, o fogo, a água e as matas. Eles faziam parte disso, e isso fazia parte deles”, destaca Pai Erlon. A força dos caboclos vem diretamente dos elementos naturais, que alimentam sua energia para trabalhos de cura, limpeza e reconexão. “São trabalhos vibrantes, intensos e, para quem tem o coração aberto, profundamente emocionantes”, completa.


A Pisada do Caboclo foi mais do que uma celebração espiritual: foi um convite à reflexão sobre a importância de valorizar as raízes indígenas e a conexão com a natureza. Para Pai Erlon, o evento traz consciência sobre o que significa ser brasileiro, honrando a ancestralidade e resistindo ao apagamento cultural. “É um momento de reconexão com a terra, as árvores, as folhas, as sementes e os frutos. É onde a energia dos caboclos ganha força”, enfatizou.


Aberto ao público, o evento ofereceu uma experiência transformadora, com rituais vibrantes, cânticos e a energia contagiante dos caboclos e caboclas. Para quem buscou reconectar-se com suas raízes e com a espiritualidade, a Pisada do Caboclo foi uma oportunidade única de vivenciar a força da ancestralidade brasileira em um contexto de fé, amor e resistência.


Oh Senhora do Rosário

Grupos de Congado de Lagoa Santa em região participaram do café da manhã na casa da Rainha Adélia do Carmo, vice-prefeita da cidade
Grupos de Congado de Lagoa Santa em região participaram do café da manhã na casa da Rainha Adélia do Carmo, vice-prefeita da cidade Carlos Altman/EM

Vestida com trajes de rainha, a vice-prefeita de Lagoa Santa, Adélia do Carmo, recebia seus súditos com sorriso no rosto e um café especial com roscas, pães e bolos, preparados pelas doceiras da Lapinha. Aos poucos, as guardas de Congado se aproximavam, mas antes de darem as caras, o som surdo dos tambores anunciava a vinda deles e dos espíritos os povos ancestrais - antigos homens e mulheres negras que viveram a dor da escravidão no Brasil colonial. Com seus cânticos de lamúria, no dialeto banto ou iorubá, saudavam a matriarca festeira, que nesse domingo celebrou a Festa de Nossa Senhora do Rosário, no bairro Campinho, em Lagoa Santa.


Tanto na Umbanda, quando no Congado, os tambores são usados para criar frequência sonora para conexão com o Divino
Tanto na Umbanda, quando no Congado, os tambores são usados para criar frequência sonora para conexão com o Divino Carlos Altman/EM

O congado ancestral é patrimônio nacional. Em Lagoa Santa, a tradição persiste apesar de todos os percalços. Na festa desse domingo, grupos da região desfilaram, em cortejo, com suas vestes coloridas, terços trançados ao corpo e devoção em suas vozes. E dessa vez, entraram pela porta da frente da Igreja de São Sebastião. Na missa celebrada pelo Padre Luiz Gustavo, pároco das comunidades da Lapinha, Campinho e Quintas do Sumidouro, o religioso celebrou os santos dos pretos - Nossa senhora do Rosário, Nossa Senhora Aparecida, São Benedito e Santa Efigênia.

Esquecidos pela igreja 


Para um grupo de congadeiros, as festas de N. Senhora do Rosário e do Divino mantém viva a tradição do Congado em Lagoa Santa. Os devotos, aplaudem a atitude do Padre Luiz Gustavo, que abraça a tradição ancestral ao abrir as portas das igrejas da periferia para recebê-los. “Uma pena que o Padre Edinei Costa, da Matriz de Nossa Senhora da Saúde, não nos convida para as celebrações. Depois da pandemia, nunca mais entramos na Matriz.  Sentimos excluídos de mostrar a nossa fé na principal igreja de Lagoa Santa. O Congado é católico. Nossa fé é católica. Nossa força é católica. Mas somos deixados de lado, quando na verdade, queremos mostrar nossa devoção”.

 



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