Saiba como são os cordões para deficiências ocultas
Cordão de girassol, quebra-cabeça e infinito: símbolos de inclusão para deficiências ocultas ganham espaço no Brasil
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Siga noCriado em 2016 no Aeroporto de Gatwick, em Londres, o cordão de girassol é hoje um símbolo internacional de identificação de pessoas com deficiências ocultas - aquelas que não são visíveis à primeira vista, como autismo, TDAH, surdez, epilepsia, doenças crônicas e transtornos de saúde mental.
A proposta é simples: facilitar o reconhecimento dessas condições em espaços públicos, promovendo uma sociedade mais empática, acessível e humana. Desde 2023, o Brasil reconhece oficialmente o cordão como símbolo nacional, por meio da Lei nº 14.624, e já há legislações locais, como em Belo Horizonte, que determinam seu uso para garantir atendimento prioritário e respeitoso.
Discrição que comunica
O cordão de girassol tem fundo verde com estampa de girassóis amarelos. Seu uso é totalmente opcional e não substitui a necessidade de apresentação de documentos comprobatórios da deficiência, quando exigidos por lei. Ainda assim, ele cumpre um papel crucial: sinalizar, de forma discreta, que a pessoa pode necessitar de paciência, auxílio ou um atendimento mais compreensivo.
Em entrevista ao Estado de Minas, Francisco Paiva, cofundador da Revista Autismo, explica essa importância: "Você olha para uma pessoa com deficiência física, como um cadeirante, e reconhece a necessidade imediatamente. Mas e quem vive com uma condição que não é visível? O cordão ajuda a comunicar isso sem exposição nem constrangimento".
Além de facilitar a comunicação, o uso do cordão também reduz situações de estresse. Em momentos de crise, por exemplo, muitas pessoas com autismo ou condições semelhantes podem ter dificuldade em explicar suas necessidades. O acessório, nesse contexto, serve como ferramenta de proteção e respeito.
Da Inglaterra para o mundo
A criação do objeto foi uma iniciativa de funcionários do aeroporto londrino, preocupados com a inclusão de passageiros com necessidades não aparentes. O girassol foi escolhido como símbolo por representar positividade, força e universalidade. Com o tempo, a proposta se espalhou por outros aeroportos e, posteriormente, por diversos setores públicos e privados ao redor do mundo.
No Brasil, a adesão ao símbolo começou informalmente e ganhou força com relatos compartilhados nas redes sociais. Um marco importante foi o texto da britânica Kim Baker, traduzido e publicado pela Revista Autismo em 2019, no qual ela descreveu como o cordão melhorou a vida de sua família. "Foi um conteúdo que viralizou e teve muito impacto. Isso fez com que mais pessoas se interessassem e começassem a adotar o uso", conta Paiva.
A legislação e a prática
Em âmbito nacional, o acessório foi incluído no Estatuto da Pessoa com Deficiência em 2023. A legislação o reconhece como símbolo oficial para identificação de pessoas com deficiências ocultas, embora seu uso continue facultativo. Já em Belo Horizonte, a Lei nº 11.444/2022 estabelece a utilização do mesmo como meio de garantir atendimento humanizado em espaços como supermercados, farmácias e bancos.
Apesar da regulamentação, ainda há desafios na aplicação prática. Na ausência de uma política de distribuição eficiente, muitos acabam recorrendo à compra do produto - seja em lojas online, bancas ou até mesmo em shoppings, onde ONGs ocasionalmente fazem a doação.
"Não há controle formal sobre o uso do cordão. Eu já vi sendo vendido em bancas e também já vi casos de uso inadequado, de pessoas se passando por neurodivergentes ou pessoas com alguma condição invisível. Infelizmente, é quase impossível barrar esse tipo de uso indevido", avalia Paiva.
Identificação e conscientização
Embora a estampa girassol seja a mais conhecida e abrangente, há outros modelos com simbologias específicas. Algumas pessoas também optam por usar versões combinadas, a fim de tornar sua condição ainda mais clara.
"A ideia inicial era o cordão de girassol, mas depois surgiram variações. Eu já vi cordões com a inscrição 'TDAH', por exemplo", comenta.
Os três cordões mais comuns são:
- Girassol - que representa todas as condições invisíveis: surdez, deficiência intelectual, esquizofrenia, autismo, etc. É o mais abrangente.
- Quebra-cabeça - feito especificamente para o autismo (nível 1, 2 e 3 de suporte). Tradicionalmente associado ao autismo, simboliza a complexidade e diversidade do espectro autista. As peças coloridas representam a singularidade de cada indivíduo. Algumas pessoas preferem outros símbolos, como o infinito, por considerarem o quebra-cabeça menos inclusivo.
- Símbolo do infinito - representa a neurodivergência como um todo, incluindo autismo, TDAH, TOD, esquizofrenia, entre outros, e a ideia de que as diferenças cognitivas são infinitas e valiosas. É um símbolo mais recente e geralmente aparece em um gradiente de cores, simbolizando a diversidade dentro do espectro.
Cada um representa um nível diferente de especificidade, sendo o girassol o mais abrangente e os outros mais específicos. Há cordões que combinam mais de um elemento: metade girassol e metade quebra-cabeça, por exemplo.
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Apesar do risco de uso indevido por quem não possui uma deficiência, o saldo é amplamente positivo. "Nenhuma ferramenta é perfeita, mas o impacto educacional e de inclusão que o cordão promove é imenso. As pessoas veem, perguntam, aprendem. E, aos poucos, a sociedade se torna mais consciente e acolhedora", conclui Paiva.
Onde conseguir o cordão?
Atualmente, o cordão pode ser obtido de diferentes formas:
- ONGs: Algumas distribuem gratuitamente mediante apresentação de laudo ou justificativa.
- Espaços comerciais: Shoppings e eventos voltados à inclusão podem oferecer cordões como parte de campanhas de acessibilidade.
- Internet: Lojas virtuais vendem o acessório, embora essa prática vá contra o ideal original da iniciativa.
- Governo e instituições: Em alguns países, a distribuição é feita diretamente por órgãos públicos - algo ainda raro no Brasil.
- Sites como o HD Sunflower, organização responsável pela popularização internacional do símbolo, oferecem informações, materiais e orientações sobre a iniciativa, inclusive com versão brasileira.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice