Cortejo para Iemanjá espera celebrar a ‘Rainha das Águas’ em Lagoa Santa
Faltando 10 dias para o evento cultural-religioso na orla da cidade, a incerteza da liberação gera questionamentos sobre uma possível intolerância religiosa
Ao pôr d Sol, Iemanjá é reverenciada na orla da Lagoa Central, em frente ao Iate Clube de Lagoa Santa crédito: Carlos Altman/EM
Nas marés que tocam a praia, ela se aproxima. Nas águas serenas de uma lagoa ou lago, ela repousa. Nas correntezas de um rio, ela contempla. Nas gotas do orvalho da manhã, ela descansa. Na chuva do final de tarde, ela está presente. Também está presente na lágrima – de alegria de uma mãe que acaba de ter um filho ou de um amor que se foi. Com o seu colar de conchas, brincos de pérola e espelho na mão, Iemanjá é reverenciada como uma força poderosa e benevolente, simbolizando o amor, a fluidez da caridade, do cuidado e da criação.
Na mitologia africana, especialmente nas tradições iorubás, Iemanjá é uma orixá (divindade) associada ao mar, à maternidade e à fertilidade. Conhecida como a "Rainha das Águas", ela é a mãe de todos os orixás e protetora das famílias, dos pescadores e das mulheres grávidas. Seu nome deriva de "Yèyé omo ejá", que significa "mãe cujos filhos são peixes" em iorubá. No Brasil, onde o candomblé e a umbanda sincretizam elementos africanos com o catolicismo, Iemanjá é frequentemente associada à Virgem Maria é celebrada em 2 de fevereiro com oferendas ao mar.
Cortejo de fé
Na tarde desta quarta, pequeno cortejo foi uma amostra do evento programado para o dia 2 de agosto Carlos Altman/EM
Emergindo das águas, no próximo dia 2 de agosto na orla de Lagoa Santa, bem na Praça Piquenique Literário ou Praça do Marinheiro, Iemanjá será reverenciada em um evento que terá cortejo e ritualística em sua homenagem, com a participação de filhos e filhas de 16 terreiros da cidade mineira e região. Uma oportunidade de celebrar a importância da deusa africana com a sua poderosa força de conciliação e benevolência para com todos àqueles que acreditam na sua divindade sagrada.
De acordo com Pai Erlon Câmara, sacerdote do Templo Cabana Caboclo Pedra Branca, falar do cortejo de Iemanjá é falar de ancestralidade, do culto da “Rainha das Águas”: o culto da Iemanjá vem com a chegada dos africanos para o Brasil. Eles foram proibidos, por centenas de anos, de fazerem seus cultos e suas práticas religiosas. Por uma questão de sobrevivência, já que não podiam fazer uma referência à Iemanjá, eles começaram a fazer as homenagens para Nossa Senhora. Então, no sincretismo católico, ficou por muito tempo ligado à Virgem Maria. Agora, fazer essa homenagem, não é só resgatar todo esse tempo que foi perdido, mas reverenciar todas as práticas, todos os cultos, todos os cantos, a oralidade do aprendizado, a culinária, os elementos que foram perdidos e fazer esse cortejo, é trazer isso tudo à tona no mesmo momento e falar: estamos vivos, estamos presentes, e precisamos reverenciar isso de uma forma muito intensa e verdadeira”.
Oferendas para Iemanjá incluem flores de lavanda e perfume de alfazema Carlos Altman/EM
Há 20 dias, os organizadores do evento tentam, junto à prefeitura de Lagoa Santa, a aprovação do alvará para que o cortejo aconteça. Com três pedidos negados, todas as solicitações de mudanças foram feitas e aguardam mais uma aprovação do setor responsável. Pai Erlon espera que a viabilidade do encontro cultural-religioso aconteça. O líder religioso esperava ter apoio, mesmo que discreto, do evento programado para um espaço público. “Na verdade, não só o alvará, mas a gente percebe que o setor público, não tem nos dado apoio. Entendemos que a prefeitura de Lagoa Santa tem as suas limitações, mas o que pedimos foi o mínimo. Dá um alvará, é um direito, pois a rua é um espaço público. Pedimos um mínimo de apoio e patrocínio, e tudo foi negado. Acreditamos que existem outras práticas religiosas, e a gente não está querendo que a nossa seja melhor. Solicitamos o mínimo, respeito. Assim como as outras religiões têm o apoio do poder público, por que as de matriz africana, como Umbanda e candomblé, são ainda tratadas de uma forma marginalizada? Então o alvará e o apoio da prefeitura e das empresas privadas, seria essencial para que possamos manter viva essa festa e praticar a cultura e todo o simbolismo dessa festa”, desabafa Pai Erlon.
Ensaio fotográfico
Se aprende desde cedo à respeitar a escolha de culto Carlos Altman/EM
Na tarde desta quarta-feira (23/7), cerca de 30 filhos e filhas do Templo de Umbanda Cabana Caboclo Pedra Branca estiveram no antigo Iate Clube, local icônico de Lagoa Santa, para uma sessão de fotos ao pôr do Sol. Todos de branco, fizeram um pequeno cortejo com objetos referentes à rainha Iemanjá. Aos olhares complacentes de outros visitantes, alguns observavam com admiração o ritual sagrado diante da águas da Lagoa Central. Enquanto o astro se despedia no firmamento, a luz laranja tingia faces, guias, conchas, espelho, búzios e flores. Uma pequena amostra do que será o evento maior que vai homenagear a mãe divina dos filhos de fé.
Importância de Iemanjá
Na Umbanda, os orixás são divindades que merecem ser lembrados e homenageados Carlos Altman/EM
Cortejo para Iemanjá será uma homenagem mãe dos Orixás, na orla de Lagoa santa Carlos Altman/EM
Se aprende desde cedo à respeitar a escolha de culto Carlos Altman/EM
Na tarde desta quarta, pequeno cortejo foi uma amostra do evento programado para o dia 2 de agosto Carlos Altman/EM
Filhos e filhas do Templo Cabana Pedra Branca estão na organização do evento Carlos Altman/EM
Oferendas para Iemanjá incluem flores de lavanda e perfume de alfazema Carlos Altman/EM
Ao pôr d Sol, Iemanjá é reverenciada na orla da Lagoa Central, em frente ao Iate Clube de Lagoa Santa Carlos Altman/EM
Uma das principais orixás da mitologia iorubá e figura central no candomblé e na umbanda, Iemanjá está associada a diversos mitos que destacam sua conexão com o mar, a maternidade e o poder feminino será referenciada pelos templos no Cortejo do dia 2 de agosto:
Cabana Caboclo Pedra Branca
Templo de Umbanda Caboclo Pena Branca
Casa de Caridade Vó Zianna
Casa Fraterna Despertai
Templo de Umbanda Casa de Caridade da Vó
Casa da Prece Nossa Senhora Aparecida
Tenda de Umbanda Aquecedores de Almas
Casa de Caridade ComPartilhar
Ilê Ifá Ogunda'di Asé Obatálà
Terreiro de Umbanda Caminhos para Oxalá - Filial MG
Com base nas tradições africanas e suas adaptações no Brasil, confira alguns dos mitos mais conhecidos sobre Iemanjá
1. Origem como mãe dos Orixás:
Na mitologia iorubá, Iemanjá é considerada a mãe de muitos orixás, sendo uma divindade primordial associada à criação. Um mito conta que ela é filha de Olodumare (o criador supremo) e deu à luz vários orixás, simbolizando a fertilidade e o poder gerador. Seu nome, "Yèyé omo ejá" ("mãe cujos filhos são peixes"), reflete sua relação com a abundância do mar e a multiplicidade de seus filhos.
2. O Casamento com orunmilá:
Um mito iorubá narra que Iemanjá foi casada com Orunmilá, o orixá da sabedoria e da adivinhação. Insatisfeita com a relação, ela fugiu para o mar, onde se tornou soberana. Esse mito destaca sua independência e força, mostrando que Iemanjá escolheu seu próprio caminho, assumindo o controle das águas salgadas como seu domínio.
3. A transformação em Rio e Mar:
Em uma história iorubá, Iemanjá era originalmente associada a um rio (o rio Ògùn, na Nigéria). Após um conflito ou evento traumático, como uma discussão com seu filho Xangô ou uma traição, seus seios romperam, liberando uma imensa quantidade de água que formou os oceanos. Esse mito reforça sua conexão com as águas e sua transformação em uma divindade universal, governando todos os mares.
4. Iemanjá e o leque de Oxum:
No Brasil, um mito popular no candomblé conta sobre a rivalidade entre Iemanjá e Oxum, a orixá das águas doces. Diz-se que Oxum, vaidosa, possuía um leque de beleza incomparável. Iemanjá, com seu poder majestoso, criou um leque ainda mais belo, feito de madrepérola e conchas, simbolizando sua supremacia sobre as águas salgadas. Esse mito destaca a competição entre as duas orixás, mas também a complementaridade entre as águas doces e salgadas.
5. Protetora dos pescadores:
Um mito comum no Brasil, especialmente nas comunidades costeiras, apresenta Iemanjá como a protetora dos pescadores. Conta-se que ela acalma as tempestades e guia os marinheiros em segurança, desde que sejam respeitosos com o mar. Em troca, ela recebe oferendas como flores, perfumes, espelhos e pentes, que simbolizam sua vaidade e conexão com a beleza.
6. Iemanjá e o sincretismo com a Virgem Maria:
No contexto brasileiro, Iemanjá foi sincretizada com a Virgem Maria, especialmente Nossa Senhora dos Navegantes. Um mito popular narra que Iemanjá emerge do mar para proteger os fiéis, aparecendo como uma figura materna que guia os perdidos. Esse sincretismo fortaleceu sua imagem como uma mãe universal, celebrada em 2 de fevereiro com grandes festas e oferendas lançadas ao mar.
7. O Mito do amor e da vaidade:
Iemanjá é frequentemente descrita como uma divindade bela e vaidosa, que gosta de receber presentes como joias, flores e espelhos. Um mito conta que, para conquistar seu favor, um pescador ofereceu um espelho ao mar. Iemanjá, encantada, apareceu em sonho e prometeu protegê-lo, desde que ele continuasse a respeitar suas águas. Esse mito reforça a importância das oferendas e do respeito à natureza.
Esses mitos variam entre as tradições iorubás originais e as adaptações afro-brasileiras, refletindo a riqueza cultural e espiritual de Iemanjá. Ela é vista como uma mãe amorosa, mas também como uma força poderosa que exige respeito, sendo central nas práticas religiosas e na identidade cultural de muitas comunidades.
Serviço
Cortejo de Iemanjá
Data: 02/08 (Sábado)
Horário: A partir das 15h
Local: Orla da Lagoa Central - Praça do Piquenique/Marinheiro - Lagoa Santa (MG)
Shows das bandas Samba do Lajedo e Afoxé Ilê Odara entre 19h e 22h