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A criminalidade muda ao longo dos tempos, o que proporciona a exigência de novas ações estratégicas no seu combate, exigindo uma cooperação não só entre instituições públicas, mas também da iniciativa privada.
Ronald V. Clarke e Derek Cornish¹, dentre outros autores, exploraram o ambiente físico e social como elemento influenciador nos fatores individuais que motivam o agente a cometer o crime, ou seja, ao contrário do que defendiam as Escolas Clássica e Positivista, o crime não é apenas um fato jurídico baseado exclusivamente no livre-arbítrio ou uma ação pré-determinada por fatores biológicos, antropológicos ou sociais.
A gramática das relações sociais, a revolução industrial e o advento da Escola de Chicago propiciaram a extensão do objeto do estudo da Criminologia, para não somente ter um olhar para o crime ou seu autor, mas também para a reação social ao fato e a vítima.
A partir disso, surgem novas teorias para explicar as causas do crime, bem como promover ações para coibir e prevenir sua ocorrência, como os estudos feitos pelos autores supramencionados Ronald V. Clarke e Derek Cornish que defenderam a ideia de prevenção situacional.
A par de todas as nuances que envolvem essa teoria, a qual passou por diversas outras conotações e evoluções, pode se dizer que ela se baseia em três elementos básicos: agente motivado, disponibilidade do objeto e ausência de vigilância.
Portanto, o agente criminoso age como o “homos economicus” impulsionado por um constante cálculo mental de custo-benefício, ou seja, elementos como facilidade de identificação de autoria, valor do bem material, dificuldade de acessos, investimento na empreitada criminosa, recrutamento de comparsas, dentre outros fatores são considerados para a deliberação delitiva.
Neste diapasão, a teoria da prevenção situacional propõe elementos para desmotivar o agente, ou seja, reduzir a oportunidade de cometer o crime atuando nos outros dois vetores: diminuir a disponibilidade do objeto e/ou aumentar a vigilância sobre ele.
E o que esta teoria tem a ver com a mudança da criminalidade no Brasil? Ela tende a explicar os dados trazidos no Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024² que registra um aumento da criminalidade informática e uma diminuição dos chamados vulgarmente “crimes de rua”. Por exemplo, dos anos 2018 a 2023 o número de roubos diminuiu de 1.506.151 em 2018 para 870.320 em 2023. Já os estelionatos aumentaram de 426.799 em 2018 para 1.965.353 em 2023.
EXPLOSÃO ANÔNIMA
A internet aumenta a disponibilidade do objeto e diminui a vigilância, o que reduz sensivelmente o custo da ação e o risco para o agente criminoso, isto é, potencializa o número de vítimas, reduz a chance de ser identificado e conta com uma participação da vítima em não se proteger como no dia a dia do mundo não virtual. A rede mundial de computadores aumenta a oportunidade e motiva o agente na prática do crime.
Há uma explosão anômica na forma proposta por Émile Durkheim³, pois o diagnóstico criminal em relação aos crimes informáticos é estarrecedor. Os dados trazidos no Anuário já citado confirmam a assertiva. Segundo a Organização Social Safernet, em 2023 houve um aumento de 77% das notícias- crime com imagens e exploração sexual infantil, se comparada com o ano de 2022.
Desta feita, urge mudarmos a estratégia de combate à criminalidade. Desenvolvemos muitas técnicas para diminuição dos chamados “crimes de rua” como biometria em lugares públicos, uso de câmeras em grandes centros, criação de equipes especializadas dentro de delegacias, dentre outras ações.
Agora, necessitamos de investimento em cibersegurança, educação digital, qualificar as vítimas para diminuir sua capacidade de ser vítima, mudar a cultura das empresas para que a segurança cibernética faça parte do seu modelo de negócio, utilizar de ferramentas que produzam aumento de vigilância – antivírus efetivos, firewalls, programas de compliance, plano de proteção e reação a ataques cibernéticos, avaliação constante de vulnerabilidades, monitoramento frequente de redes, treinamento e especialização dos órgãos de combate aos crimes informáticos, dentre outros.
Na internet a disponibilidade do objeto é ampla, logo, agir no vetor aumento da vigilância é o caminho para diminuir a motivação do agente.
Mudar o paradigma da segurança pública no Brasil, exige um olhar atento para a criminalidade informática, para que não tenhamos quatro golpes de estelionato por minuto, como no ano de 2024 com o aumento de 408% de registros entre 2018 e 2024.
A política criminal em casos de crimes informáticos é a de redução de danos, ainda mais com o surgimento de novas técnicas trazidas pela Inteligência Artificial. É preciso mudar.
Como diria Guimarães Rosa, “quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo”.
E, no caso, há o “milagre” da multiplicação, não como na narrativa bíblica relativa aos pães, mas do aumento vertiginoso dos crimes informáticos. Cuidemos de combatê-los, sem ações milagrosas e mirabolantes, mas com ações reais e efetivas, pois, nesta seara não há milagres, e sim avanços.
¹ CLARKE, Ronald V. e CORNISH, Derek. The Reasoning Criminal Rational Choice Perspectives on Offending. Berlim: Springer, 1986.
² Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024. Ano 18-2024. ISSN 1983-7364.
³ DURKHEIM. Émile. A Divisão do Trabalho Social. Lisboa: ED. Presença, 1977.