NELSON MISSIAS COMPLETA 15 ANOS DE TJMG
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Siga noO entrevistado dessa edição do DIREITO & JUSTIÇA Minas, desembargador Nelson Missias de Morais completa, em 2025, 15 anos como desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Uma das lideranças da classe dos magistrados em Minas, foi presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (AMAGIS), vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), presidente do TJMG e, atualmente, está à frente da Escola Nacional de Magistratura (ENM). A evolução do Tribunal, o legado de seu mandato, a importância da ENM e seus planos como presidente da entidade são alguns dos comentários de Nelson Missias nessa entrevista inédita. Além disso, com a autoridade de quem sempre defendeu a independência do judiciário e o respeito à magistratura, Missias aborda, ainda, temas como o cancelamento de vistos de ministros do STF, o excesso de judicialização, processo eletrônico e capacitação da magistratura.
Neste ano, o Sr. completou 15 anos como desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O Judiciário e, em especial, o TJMG mudou muito nesse período? Em quais aspectos?
Sim, mudou significativamente, como, aliás, mudaram o Brasil e o mundo. Talvez, o aspecto mais relevante tenha sido o avanço tecnológico, que colocou a prestação jurisdicional em um novo patamar. Houve mudanças também no perfil da magistratura, que alcançou grande renovação de seus quadros nessas duas últimas décadas. Mas eu diria que o judiciário mineiro, em sua essência, manteve sua postura histórica de seriedade e contenção, sem arroubos midiáticos, como convém à República, seguindo a lição de Milton Campos.
O Sr. sempre foi muito atuante nas entidades de classe, tendo sido presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (AMAGIS) e secretário-geral e vice-presidente por dois mandatos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Em 2024, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), houve uma explosão de judicialização, com mais de 39 milhões de novos processos distribuídos. Somente na Justiça comum foram 26,7 milhões. O judiciário brasileiro e, em especial, o mineiro, está preparado e estruturado para enfrentar esse problema? Quais as principais dificuldades e deficiências?
A excessiva judicialização é realmente uma questão a ser enfrentada permanentemente pelo judiciário e há dois caminhos a serem seguidos: acelerar a prestação judiciária, de um lado, e, de outro, trabalhar pela mudança da cultura. O primeiro caminho já tem sido seguido, com bons resultados, com o processo eletrônico e melhor capacitação da magistratura; o segundo tem sido buscado, pelo menos em Minas, com o incentivo à autocomposição entre as partes, a conciliação.
Posso lhe dar alguns exemplos recentes: o acordo conduzido pelo TJMG entre estados e municípios para devolução de bilhões de reais retidos indevidamente dos municípios; os acordos firmados para encaminhamento de soluções em torno das tragédias de Mariana e de Brumadinho, que estão pondo fim a milhares de processos e o incentivo às regularizações fundiárias, que também evitarão milhares de ações.
O recente acordo feito pelo governo federal a respeito das fraudes do INSS também pode ser lembrado, pois certamente ele evitará que entrem nos fóruns brasileiros pelo menos 2 milhões de novas ações.
O judiciário tem sido taxado de praticar ativismo, como na decisão recente do STF em relação ao IOF, tema que, segundo alguns, seria de competência exclusiva do legislativo. Como o Sr. enxerga a atuação do judiciário frente aos demais poderes na atualidade?
O Poder Judiciário não é uma autarquia, um ente alheio ao mundo em que está inserido; é um órgão que faz parte ativa da sociedade e não pode fechar os olhos ao que ocorre em seu entorno. Mas ele não é um partido, não toma iniciativas; só age quando é demandado pela própria sociedade. Dessa forma, não pode ser acusado de ‘ativismo’, o que suporia tomar iniciativas; mas também não pode fugir às suas responsabilidades quando é chamado a intervir. Foi isso o que ocorreu nesse caso e em muitos outros.
O assunto do momento é a revogação, pelo governo dos Estados Unidos da América, dos vistos de oito dos 11 ministros do STF brasileiro. O Sr., como presidente da Escola Nacional da Magistratura (ENM), entende que se trata de intervenção externa indevida? Qual sua opinião a respeito e qual acha que deve ser a posição do governo brasileiro?
Foi, sem dúvida, uma medida estranha, mas, formalmente, não atingiu a instituição STF e, sim, foi dirigida a cidadãos brasileiros que, eventualmente, ocupam cargos de ministros. O importante a observar é que ela será totalmente ineficaz, inócua, em seu objetivo, que foi o de intimidar os ministros ou a Corte Suprema brasileira. A influência dela no julgamento será zero. E os ministros atingidos certamente dentro de pouco tempo poderão incluir a proibição em seus currículos, como troféus, por terem sido punidos por agirem com independência para a preservação da soberania e dos preceitos da constituição brasileira.
Mas vale ainda lembrar que todos os países têm autonomia para decidir a quem e como conceder vistos de entrada e, nesse quesito, os Estados Unidos são muito seletivos e discricionários nessas concessões. Há pouco tempo, por exemplo, proibiram a entrada de um mesatenista brasileiro apenas porque ele participara de um torneio em Cuba poucos meses antes; e cidadãos brasileiros comuns, com ficha limpa, têm sido proibidos de entrar nos EUA apenas porque residem em Governador Valadares.
O senhor foi presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais no biênio 2018/2020, período em que, entre outros problemas, nós enfrentamos a pandemia. Qual foi seu legado para o Judiciário e a sociedade o senhor avalia que deixou?
Foi um período de grandes mudanças e melhorias no Tribunal. A eficaz interlocução que mantivemos com outros poderes e instituições nos permitiu alcançar a estabilidade financeira e orçamentária do órgão, possibilitando investimentos importantes em equipamentos, na infraestrutura tecnológica e predial, na renovação da frota de veículos e na política salarial de servidores, garantindo direitos de servidores e magistrados, que proporcionaram impacto muito positivo, resgatando o sentimento de pertencimento de todos. Isso, sem dúvida, contribuiu significativamente para uma maior motivação e produtividade. E vale lembrar que atravessamos a pandemia sem registro de um só caso de contaminação interna, graças às medidas preventivas que adotamos, em consonância com as melhores práticas cientificas e de saúde.
Após deixar a presidência do TJMG, o senhor assumiu a da Escola Nacional da Magistratura (ENM). Qual a missão e o objetivo da ENM? Desde sua criação, a ENM tem cumprido seu papel?
A missão da ENM, que permanece inalterada desde sua criação, é a de contribuir permanentemente com o aperfeiçoamento dos Magistrados brasileiros, mediante cursos e outros programas de formação. O papel dela tem sido cumprido com louvor desde o início, graças à excelência do trabalho dos que me antecederam no cargo de presidente, dentre os quais me permito destacar o desembargador mineiro Caetano Levi Lopes.
A ENM, em 2024, lançou sua primeira pós-graduação, “Direito, Tecnologia e Justiça 4.0”, sob a coordenação do Ministro Luiz Fux. Quais suas metas à frente da ENM e o que pretende deixar de legado de sua gestão?
Além dessa pós-graduação, muito bem-sucedida, eu destacaria também outros acordos que fizemos, para possibilitar o aperfeiçoamento e atualização de magistradas e magistrados. Vale citar, ainda, que procuramos nos aproximar das faculdades de direito, oferecendo a elas a possibilidade de oferecer aos seus alunos mais informações sobre a atuação da magistratura, de forma a que os graduandos já concluam seus cursos com mais noções sobre ela, já que os atuais currículos universitários não possuem uma disciplina específica sobre esse tema. Recentemente, levamos ao ministro da Educação o pleito para a própria ENM certificar os seus cursos de pós-graduação.
A ENM realizou, ainda, seminários em Harvard e em Stanford. Qual a importância dessas iniciativas? Existe a preocupação que novos eventos como estes possam ser prejudicados pela crescente animosidade do governo norte-americano em relação ao STF?
Esses dois seminários foram muito proveitosos, pois eles nos permitiram travar conhecimento com práticas e teorias diferentes das que conhecemos e praticamos aqui. Em Stanford debatemos com as maiores autoridades do mundo em inteligência artificial, democracia deliberativa e outros temas importantes. Mas nossas conexões não são apenas com os Estados Unidos; temos convênios e acordos com instituições europeias, particularmente portuguesas, e da América Latina. Além do mais, governos mudam periodicamente e as situações também podem mudar lá nos Estados Unidos.
O Sr. é escritor, tendo não só obras jurídicas, como também gosta de poemas e outros estilos literários. Como a literatura entrou em sua vida e qual a importância para sua carreira?
Sou um leitor voraz, desde tenra idade. Leio tudo que me cai às mãos, mas tenho cá minhas preferências, que são Guimarães Rosa, Thiago de Melo e biografias. Mas ainda não me arrisquei como escritor de obras não jurídicas e não tenho planos de fazê-lo, pelo menos por enquanto.