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Na semana passada, em carta enviada ao presidente Lula, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sinalizou, por diversas razões por ele alegadas, que, a partir de 1º de agosto, toda e qualquer exportação brasileira sofrerá taxação de 50% para ingressar no mercado norte-americano. Foi a mais severa taxação imposta a um país por Trump desde que anunciou seu “tarifaço”. Desde o recebimento da preocupante carta, as mais diversas narrativas políticas tomaram conta do país. O D&J analisa o tema do ponto de vista jurídico sob o seguinte enfoque: a Organização Mundial do Comércio (OMC) pode ser um caminho eficaz para o Brasil se defender de tal taxação ?
A OMC foi criada em 1995 durante a Rodada Uruguai do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e tem como objetivo tratar das regras do comércio entre as nações, inclusive no que envolve resolução de disputas entre países membros, revisão de políticas comerciais e a administração de acordos comerciais. A OMC tem, ainda, como função (i) o gerenciamento dos acordos que compõem o sistema multilateral de comércio; (ii) ser um fórum para negociação de novas regras para o comércio internacional; (iii) supervisionar a adoção dos acordos e da implementação destes acordos pelos membros da organização e (iv) administrar o Entendimento sobre Soluções de Controvérsias. Ou seja, em tese, com base em suas atribuições, sim, a Organização Mundial do Comércio pode ser acionada pelo Brasil em face da taxação norte-americana.
A OMC é formada por três órgãos principais: o Conselho-Geral, o Órgão de Solução de Controvérsias e o Órgão de Revisão de Política Comercial e tem como instância máxima decisória suas Conferências Ministeriais, que são realizadas a cada dois anos. A próxima Conferência Ministerial, que será a 14ª da história da OMC, ocorrerá em 2026, na República dos Camarões. Cada país membro da OMC possui registrada na entidade uma “lista de concessões”, que são documentos que trazem as concessões tarifárias e compromissos assumidos por cada membro. Nessas listas constam, inclusive, níveis tarifários máximos a serem cobrados, que são as “tarifas consolidadas”.
No caso do Brasil, suas “tarifas consolidadas” constam da chamada “Lista III”, que indica as alíquotas máximas de importação que podem ser aplicadas no país. Em relação à tarifação de 50% imposta pelos EUA, caso persista e realmente entre em vigor, o Brasil poderá recorrer à OMC com uma consulta/recurso para que sejam respeitadas as “tarifas consolidadas” registradas pelos EUA junto à OMC. No caso da consulta, busca-se, inicialmente, a solução amigável entre membros e, uma vez frustrada essa fase, pode-se requerer que o assunto seja submetido a um painel de especialistas que analisarão a disputa e emitirão sua decisão/laudo.
O membro insatisfeito com a decisão do painel poderá recorrer para o Órgão de Apelação da OMC e, após a decisão final, o membro vitorioso poderá exigir o cumprimento da decisão pelo membro vencido. Além disso, no âmbito da OMC existe um Comitê que revisa as políticas comerciais dos membros da entidade, que tem como objetivo fazer valer os acordos firmados entre membros e a “lista consolidada” de cada país. Então, pode-se entender que o caminho para o Brasil está definido e a que OMC poderá resolver a questão. Não é bem assim.
Os Estados Unidos da América têm procurado se afastar dos organismos internacionais que considera estarem em desacordo com suas políticas econômicas, baseadas na “America First”, o que inclui a OMC. No caso desta, aliás, apesar de ainda permanecerem membros, os EUA suspenderam as suas contribuições para a entidade (as mais importantes entre todos os países membros, eis que correspondentes a 11% do total da receita da OMC, ou cerca de US$ 26 milhões). Tal suspensão gera impactos na própria operação da entidade e o afastamento dos EUA reduz a importância da instituição e enfraquece suas ações.
Assim, ainda que se entenda que o Brasil pode (e deve) recorrer à Organização Mundial do Comércio, não há grandes expectativas que esta possa ter força impositiva sobre a política comercial de Trump. É o que acha, inclusive, o baiano Roberto Azevedo, que foi diretor geral da OMC entre 2013 e 2020, para quem uma eventual ação do Brasil na OMC contra o tarifaço de Trump teria um “impacto prático muito limitado, algo mais simbólico”, uma vez que serviria mais como “um palco para o Brasil mostrar sua posição”, como mencionou em entrevista dada à CNNBrasil. A solução, então, passa muito mais por uma negociação diplomática efetiva, que deve ser priorizada pelo Brasil, afinal as exportações brasileiras significam apenas 1,3% do total das importações norte-americanas, enquanto as exportações do Tio Sam superam os 15% de nossas importações totais.