Judicialização da saúde e honorários advocatícios: impactos e perspectivas
Diante desse cenário desafiador, nossa resposta não pode ser o comodismo ou o pessimismo. Precisamos abrir nossas janelas para novos horizontes
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Siga noDESEMBARGADOR RAIMUNDO MESSIAS JÚNIOR, TJMG
O advogado é indispensável à administração da justiça (art. 133 da CF) e o Estatuto da Advocacia assegura-lhe o direito aos honorários sucumbenciais (art. 22).
O direito à saúde (art. 196 da CF) também é um pilar constitucional, que garante acesso universal e igualitário. Wagner Balera define saúde como um “estado de completo bem-estar físico, mental e social”.
Nas ações judiciais que tratam do tema, o verdadeiro objeto é o direito à vida, e é impossível mensurar o proveito econômico de quem tem êxito no processo que lhe garante um medicamento essencial ao restabelecimento de sua saúde.
O STJ já reconheceu o caráter inestimável do proveito econômico nesses casos, permitindo a fixação equitativa dos honorários advocatícios (REsp 1799841/SP e AgInt no AREsp 1234388/SP).
Contudo, a inclusão do § 8º-A no art. 85 do CPC trouxe uma mudança substancial: o arbitramento equitativo deve observar o valor recomendado pela OAB ou o mínimo de 10% sobre o proveito econômico ou o valor da causa, prevalecendo o maior.
A aplicação literal do texto gera honorários exorbitantes, afronta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e onera excessivamente os cofres públicos.
Não raro, encontramos ações nas quais os entes públicos foram condenados a pagar honorários de R$ 100 mil por processos de baixa complexidade (no âmbito processual), para o fornecimento de um fármaco.
Ao criar uma base de cálculo, olvidou-se o legislador que a fixação equitativa permite ao juiz arbitrar os honorários a partir de um critério subjetivo, mas sem se descurar das particularidades do caso. Não se admite bases de cálculo, percentuais ou amarras, porque deixaria de ser equitativa.
Valorizar o trabalho do advogado é essencial, mas a remuneração deve ser justa, especialmente se oriunda dos cofres públicos.
Quando a remuneração desse serviço fugir do razoável, o Poder Judiciário deve interpretar o verdadeiro espírito da lei. Assim como corrige honorários irrisórios, o magistrado precisa agir da mesma forma quando os valores são exorbitantes.
Aliás, o professor José Roberto dos Santos Bedaque defende que a equidade deve ser aplicada tanto para causas de pequeno valor quanto para aquelas de alto montante, pois honorários ínfimos e excessivos são igualmente inaceitáveis.
Aplicando a equidade, o magistrado deve considerar critérios concretos (zelo do profissional, lugar de prestação do serviço, relevância da causa, trabalho realizado e tempo exigido), que afastam a subjetividade.
Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery ressaltam que a equidade, na concepção aristotélica, não é apenas ?“o legalmente justo, mas sim a correção da justiça legal. O equitativo é o justo. O CPC/1939 mandava o juiz, ao decidir por equidade, aplicar a norma que estabeleceria se fosse o legislador. (...) em sentido estrito, equidade é a justiça no caso concreto”.
Logo, nas ações de saúde, os honorários devem ser fixados por equidade na perspectiva aristotélica, conforme art. 85, § 2º, do CPC, e os princípios constitucionais, sem que o magistrado esteja adstrito ao percentual previsto no art. 85, § 8º-A.
O legislador visou proteger a advocacia contra honorários aviltantes em causas de baixo valor, mas vedar a equidade em ações de alto montante é um contrassenso que afronta os princípios da isonomia e da proporcionalidade.
O magistrado não pode se sujeitar a amarras no exercício da equidade e deve interpretar sistematicamente o texto do art. 85, § 8º-A, buscando arbitrar um valor capaz de remunerar dignamente o trabalho do advogado.
O Judiciário deve aperfeiçoar a interpretação dessa norma, garantindo que a equidade respeite a justiça em cada caso. É o que se espera com o julgamento do Tema 1255 pelo STF.
Em ações de saúde, nas quais os direitos fundamentais estão em jogo, a sensibilidade do magistrado é essencial para equilibrar os interesses em conflito.
(Com participação da assessora jurídica Tatiana Fonseca Ramos)