Confeiteiras de BH apostam em doces sem açúcar, glúten e lactose
Pensados para quem tem algum tipo de restrição alimentar, os chamados doces saudáveis conseguem ser tão apetitosos quanto os convencionais
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É difícil controlar a vontade de comer doce. Muita gente evita se render a ela todos os dias, seja para o emagrecimento ou mesmo para a saúde do corpo e longevidade. Há também pessoas com restrições alimentares que acabam “obrigadas” a resistir às sobremesas, que contém, em sua maioria, lactose, glúten e açúcar. Pensando em atender a todos, confeiteiras de Belo Horizonte investem em cardápios inclusivos, variados e saudáveis.
A trajetória pessoal de Luísa Versiani tem relação direta com a carreira que seguiu. Ela conheceu o fisiculturismo, modalidade esportiva que visa a definição muscular, em 2015, em um intercâmbio nos Estados Unidos. Desde então, passou a praticar o esporte. Já no Brasil, ingressou na faculdade de educação física até resolver mudar para nutrição, área em que se formou.
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“Sempre tive que me alimentar bem, por conta do fisiculturismo, mas sempre fui muito ‘formiguinha’, então comecei a fazer receitas de doces saudáveis para consumir em casa”, explica. A primeira que ela criou foi o brownie de chocolate sem açúcar, sem lactose, sem glúten e low carb (menos carboidratos).
O produto fez tanto sucesso na família que Luísa resolveu vendê-lo nos concursos de fisiculturismo e, posteriormente, na faculdade de nutrição. “Em 2020, com a pandemia, a faculdade entrou em regime remoto e decidi começar a vender o brownie e outros doces saudáveis pelo aplicativo de entrega.”
A cozinha da casa da mãe logo ficou pequena para a produção, que só crescia. Naquele mesmo ano, Luísa levou sua marca de doces saudáveis, a Fifit, para um endereço maior. Ainda em 2020, foi preciso fazer mais uma mudança para uma pequena fábrica com espaço para loja no Bairro Santa Lúcia, Região Centro-Sul de BH, onde está até hoje a marca.
Desde o princípio da marca, Luísa trabalha com farinha de coco, amêndoa e arroz integral, além de creme de leite sem lactose e leite condensado feito na confeitaria com leite em pó sem lactose. O adoçante usado na Fifit é o eritritol. “Meu próximo passo são doces sem polióis [carboidratos usados para substituir o açúcar]. Vejo que essa é uma demanda crescente”.
Mesmo sem saber que iria seguir este caminho ao entrar na faculdade, a academia foi importante para Luísa no desenvolvimento da Fifit. “O fato de eu conhecer a composição dos alimentos, o processo dos ingredientes e o metabolismo deles no corpo me ajudou muito na formulação e criação dos produtos”, contra a nutricionista e empreendedora.
Com recheio
A bagagem na nutrição também auxilia Luísa no atendimento. “Muita gente chega na loja achando que, pelo doce ser sem açúcar, pode comer em grandes quantidades. Preciso explicar que não é porque o doce é sem glúten, lactose ou açúcar que ele deixa de ser calórico”, destaca.
Hoje, o brownie de chocolate (R$ 10,99) que deu origem à Fifit está no cardápio mais pelo simbolismo, afinal, é um dos doces menos vendidos. Produtos mais cremosos e com recheio fazem mais sucesso. Entre eles, barra de chocolate recheada com pasta de amendoim (R$ 38,50); fatia de bolo de brigadeiro com morango (R$ 35,90) e pavê de ganache de chocolate amargo, brigadeiro branco e biscoito low carb (R$ 280, para oito a 10 pessoas).
Persistência
Quem também teve a gênese de seu negócio em um intercâmbio foi Yasmin Sarah, proprietária da Delícias da Mandy. Em 2016, na Austrália, ela conheceu o veganismo e passou a não consumir nenhum alimento de origem animal.
Três anos depois, já de volta ao Brasil, Yasmin começou a fazer doces veganos em casa para consumo próprio. “Comecei batendo tâmara e castanhas. Minha família gostou e resolvi sair batendo de porta em porta em restaurantes de BH oferecendo meus doces. Naquela época, ninguém queria, achavam que doces assim eram ruins”, conta. Foi com muita persistência que ela conseguiu fazer degustações para provar que era possível, sim, vender doces saudáveis e deliciosos.
A virada de chave foi o convite que sua tia recebeu e estendeu a ela para cozinhar para a blogueira “fitness” Gabriela Pugliesi. “Nesta semana em que cozinhei para ela, ela me filmava e aí meu Instagram bombou. Todo mundo queria os meus doces, os restaurantes começaram a me ligar.”
Quando tudo parecia estar no caminho certo, chegou a pandemia. Com ela, Yasmin precisou se reinventar, até porque os restaurantes estavam fechados e não poderiam vender seus doces. “Um dia sonhei com uma receita de leite condensado, que é a que uso até hoje, criei vários outros doces e comecei a vender para o consumidor final on-line. Eu mesma fazia as entregas.” A partir daí, a marca só cresceu.
Ainda em 2020, ela montou uma cozinha de produção. O ano de 2023 ficou marcado pela nova logomarca e identidade visual, além de um investimento em embalagens. No ano seguinte, Yasmin abriu a primeira loja da Delícias da Mandy em um shopping no Bairro Belvedere, Região Centro-Sul de BH. Finalmente, em 2025, mais um passo importante: a abertura do segundo ponto físico, um quiosque em outro shopping no mesmo bairro.
Pequenas mordidas
Todo esse sucesso não é em vão. A marca tem hoje mais de 20 variedades de bombons, a exemplo do Snickers (R$ 24), com biscoito de amendoim, castanhas caramelizadas, marshmallow de chocolate, caramelo com flor de sal e cobertura de chocolate preto, e da tortinha de cookies recheada com brigadeiro ou caramelo (R$ 38,50).
Além dos bombons, o cardápio conta com tortas em diferentes tamanhos, bolos e doces no pote. Entre os sabores, brownie com brigadeiro (R$ 349 para 15 pessoas), nozes com doce de leite (R$ 120 para seis pessoas) e doce de leite, biscoito e marshmallow (R$ 65,50).
Todos os produtos são adoçados com agave orgânico e produzidos com farinha de castanhas e aveia. Nas receitas em que o ovo faz muita falta, Yasmin acrescenta chia e linhaça, sementes aliadas da saúde.
Confeitaria vegana
Assim como Yasmin, Débora Vieira trabalha com doces veganos. Ela está à frente da Chocolate Lab, confeitaria no Bairro Floresta, Região Leste, com mais de 10 anos, referência na cidade em doces sem nada de origem animal.
A história da marca começou em 2014, quando Débora procurou docinhos de aniversário sem açúcar e saudáveis para celebrar o primeiro ano de sua filha. A busca frustrada mostrou para ela um nicho de mercado.
“Já era vegetariana, então sabia muitas substituições para doces saudáveis ou veganos. Assim, comecei, em 2015, a vender doces e ovos de páscoa convencionais e veganos. Percebi que a demanda pelo vegano era maior, além de ter menos concorrência e gerar mais identificação com o meu estilo de vida”, conta a chef confeiteira.
Naquele momento, Débora enxergava um movimento de venda de produtos sem glúten e lactose, mas se via como uma das poucas pessoas que investia em itens veganos. “Os alérgicos [a ovo ou leite, por exemplo] também não tinham quase ninguém que fizesse doces para eles. A minha decisão de ter uma cozinha exclusiva, sem contaminação cruzada de ovo ou leite, veio muito pelo público alérgico”, explica.
Por ter a segurança alimentar como um pilar, Débora ressalta que trabalha com o trigo e que, portanto, mesmo os produtos que não levam farinha podem sofrer contaminação cruzada. Ou seja, não são indicados para celíacos.
“Atualmente, 70% do meu cardápio é sem glúten, mas não assumo o discurso de que ele é inflamatório para todo mundo. Não gosto de demonizar nenhum alimento. Acredito que as pessoas devem consumir aquilo que as faz sentir melhor, desde que não provoque outras reações adversas. A confeiteira destaca que não gosta dos radicalismos, seja o marketing “apelativo” contra o glúten e a lactose ou mesmo a favor do veganismo.
Tudo é substituído
O leite condensado e o creme de leite usados na Chocolate Lab são feitos lá mesmo com leite de castanha de caju e coco, principalmente. Quando precisa de uma fonte de gordura, Débora opta pela vegetal no lugar da manteiga. Para fazer glaçagens (coberturas lisas e brilhantes), que são usadas em seus entremets, doces franceses gelados com várias camadas de diferentes texturas, ela utiliza o agar-agar, gelificante extraído de algas, para substituir gelatinas animais.
Hoje, a sobremesa mais vendida é o Entremet Especialíssimo Lab (R$ 32,20). Ele é composto por massa sucrée de baunilha, recheio de ganache e compota de frutas vermelhas e cobertura de “cúpula” de mousse e caramelo de pistache.
Cada vez mais, a chef enxerga a demanda por doces menos doces ou sem açúcar. Por isso, em muitos produtos, utiliza menos açúcar. Outros adoça com frutas e também faz uso de um adoçante de fibra de mandioca. Seu cheesecake (R$ 29,80), por exemplo, tem farinha de tâmaras, creme de castanha de caju e adoçante de fibra de mandioca. A cobertura é uma geleia de mirtilo com o mesmo adoçante e stevia.
Bolo de maçã
Maçãs que sobraram na geladeira deram início à vida que Jéssica Lana não imaginava que seria a sua. Ela queria muito um bolo e resolveu usar as frutas. Como sempre gostou de alimentos naturais e nutritivos, buscou por uma receita saudável e encantou sua família. Esse foi o incentivo para que buscasse aprender mais sobre a área. Em 2017, fez um curso de bolos sem glúten e lactose e, no mesmo ano, começou a vender bolos caseiros por encomenda por meio de sua marca, a Confeita Fit.
No ano seguinte, Jéssica conseguiu abrir sua primeira loja (apenas para produção e retirada) em Betim, na Grande BH. Por enxergar que esse mercado estava em crescimento, começou, em 2019, a dar cursos on-line. “Hoje já tenho mais de 20 mil alunas formadas”, conta, orgulhosa.
Nesse mesmo ano, ela participou e ganhou o programa de confeitaria “Que Seja Doce”, do GNT. “Meu perfil teve um ‘boom’ nesse momento”, destaca a confeiteira, que nunca trabalhou fora do nicho de doces sem lactose e sem glúten.
Justamente por isso, ela sempre utilizou farinhas como de amêndoas, coco, arroz, fécula de batata e polvilho doce. Em relação aos lácteos, trabalha com leite e creme de leite sem lactose. Para os alérgicos à caseína (proteína do leite), oferece versões com leites vegetais, como coco e amêndoa. Hoje, com a alta procura do público diabético, também vem usando adoçantes como stevia, eritritol e taumatina.
Serviço de café
A Confeita Fit ganhou uma casa em BH em 2023. A loja fica no Bairro Lourdes, Região Centro-Sul da cidade, e conta com serviço de café. Quem fizer uma visita, ou mesmo uma encomenda, pode provar delícias que vão de palha italiana (R$ 20), feita com biscoito de farinha de amêndoas, linhaça e coco, brigadeiro com chocolate 70% e sem lactose, a fatias de torta em sabores diversos, a exemplo do pistache com brigadeiro branco (R$ 25), que também é sem glúten, sem lactose e sem açúcar.
Ideais para pequenas fomes, os biscoitinhos amanteigados recheados com doce de leite e creme de leite em pó sem lactose (R$ 15 com duas unidades) também são vendidos na confeitaria.
Confeitaria de luxo
Uma das marcas mais reconhecidas no universo dos doces saudáveis é a Isabela Akkari. A fundadora, que dá nome à marca, explica que nem sempre gostou de cozinhar. Na verdade, ela passou dois anos na faculdade de arquitetura, cursou administração e ficou um tempo trabalhando no mercado de luxo, mais especificamente na Louis Vuitton.
“Acho que toda essa bagagem me ajudou muito com a marca, a levá-la para onde queria, a planejar a estética dela. O mercado de luxo me trouxe um conhecimento grande para que me posicionasse como uma confeitaria de luxo”, observa.
Como sempre se alimentou bem e teve um estilo de vida saudável, Isabela começou a perceber a falta que fazia um café ou uma loja que vendesse doces mais saudáveis e sem lactose (ela é intolerante). Assim, em 2014, resolveu investir nessa área. “Comecei com minha mãe me ajudando a embalar os doces enquanto eu cozinhava na cozinha dos meus pais, onde fiquei por um ano”, conta.
Depois ela teve a oportunidade de fazer um curso de bolos sem glúten e sem açúcar em Nova York. Assim, ganhou ainda mais bagagem para finalmente começar seu negócio.
Chegou um momento em que os pedidos aumentaram e Isabela precisava produzir, planejar as rotas, comprar embalagens e fazer notas fiscais. “Não conseguia mais ficar sozinha, então chamei meu irmão para trabalhar comigo como meu sócio. Abrimos logo um ateliê [que funciona hoje como café]. Ficava na cozinha e meu irmão no operacional.”
Hoje, a marca já conta com 13 lojas físicas em cinco cidades brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas, Curitiba e Belo Horizonte), além de quatro cozinhas na capital paulista que fabricam itens para entrega.
Atenção aos detalhes
O luxo, que caminha com Isabela desde o antigo emprego, é uma preocupação constante em seus cafés e até mesmo nos produtos. Basta visitar o quiosque da marca, localizado no shopping DiamondMall, no Bairro Santo Agostinho, Região Centro-Sul de BH, para entender isso. As louças em que os doces são servidos são coloridas e delicadas, assim como os talheres dourados. O mesmo acontece com as embalagens, que são como caixinhas de presente.
Isabela conta que, no início de sua história, servia apenas cookies e brownies de chocolate e um doce de leite. O curioso é que, apesar de contar hoje com um vasto cardápio, o produto mais vendido é o que junta esses preparos. “Uma cliente me pediu um dia para juntar o cookie, o brownie e o doce de leite. Falei que tentaria e que, se desse certo, ia batizar a receita com o nome dela. Hoje, vendemos o ‘bolo da Nana’ (R$ 39,90 a fatia) em homenagem a ela, que é feito, justamente, com esses três itens.”
A loja trabalha com tortas e bolos sob encomenda. Um dos produtos que fazem sucesso utiliza o tradicional cookie da casa em forma de torta. Tem a massa de cookies com gotas de chocolate e é recheada com brigadeiro. Essa delícia é vendida a R$ 268 para 10 pessoas.
Além da atenção ao espaço e às embalagens, a marca também é cuidadosa com o que serve. Os doces da marca são feitos com misturas de farinhas sem glúten. A maior parte deles leva farinha de coco e de amêndoas. Os produtos podem ser sem lactose ou com leite de base vegetal.
Adoçante próprio
O maior diferencial hoje, dentre as substituições usadas por Isabela Akkari, é o adoçante natural criado pela própria marca. Ele é feito com stevia e fibra isolada da tapioca. Inicialmente, a stevia vinha da China, agora já existem outros fornecedores. “O nosso adoçante não deixa nenhum sabor residual nos doces”, destaca.
A criação desse produto veio de uma percepção da própria Isabela. “Até 2020, a gente trabalhava com o xilitol, mas comecei a perceber que gerava um desconforto abdominal nas pessoas, o que nos motivou a criar o nosso adoçante.”
Nanéa, sigla para “não acredito, não é açúcar”, é o nome do adoçante usado nos doces da marca, que também pode ser vendido para outras confeitarias e até para o consumidor final.
O que são polióis?
Os polióis são carboidratos que vêm sendo utilizados cada vez mais pela indústria para substituir o açúcar. A chef e nutricionista Carolina Fadel alerta, porém, para a falta de estudos sobre o uso deles. “É interessante tomarmos algum cuidado, já que ainda não temos estudos consistentes sobre o que acontece com o nosso corpo ao consumi-los. O que sabemos é que eles podem gerar desconforto abdominal, um estufamento.”
Devo comer?
A chef e nutricionista Carolina Fadel fala sobre o que é mais adequado para cada tipo de restrição alimentar.
Glúten: celíacos já nascem com predisposição genética que pode levar ao desenvolvimento da doença que impede a ingestão do glúten. Para evitar danos ao intestino, a recomendação é uma dieta sem a proteína. “Essa doença existe há muito tempo, mas quase não tínhamos produtos especiais para as pessoas celíacas. Agora, é comum vermos itens sem glúten, isso facilita muito a vida delas.”
Lactose: há níveis de intolerância ao açúcar do leite que podem gerar reações leves. “O grave é a alergia à caseína, proteína do leite. Nesse caso, é preciso cortar o leite e a lactose.” A especialista alerta que leites sem lactose podem conter a caseína, portanto, o mais seguro para essas pessoas é consumir leite de origem vegetal.
Sem restrições: para quem não possui nenhuma restrição, o mais interessante, segundo a chef e nutricionista, é estar atento aos ultraprocessados. “Nosso grande problema são os ultraprocessados, que trazem calorias vazias. Comida de verdade não
adoece nem engorda.”
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*Estagiária sob supervisão da subeditora Celina Aquino