Além do salmão: restaurantes japoneses de BH apostam em peixes brasileiros
Espécies nacionais chegam a passos lentos a cardápios de Belo Horizonte, mas já mostram que estão prontos para agradar o paladar dos mineiros
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Pode parecer impossível pensar em visitar um restaurante japonês e não comer salmão. Mas isso está mudando em Belo Horizonte. Além do atum, muito valorizado na culinária asiática, algumas casas vêm apostando em peixes brancos vindos da costa do Brasil – afinal, por chegarem mais rápido às cozinhas, são mais frescos. Consequentemente, elas trabalham duro para apresentar as iguarias aos consumidores mineiros, que tendem a ser bastante conservadores no paladar.
Por ter sido criado em São Paulo e chegado posteriormente a Belo Horizonte, mais especificamente em 2024, o restaurante Su, localizado no DiamondMall, Bairro Santo Agostinho, Região Centro-Sul, já aterrissou na cidade com pescados brasileiros no cardápio.
“Quando fomos para BH, não pensamos duas vezes antes de levar os peixes do Brasil, porque isso valoriza o nosso menu, nos faz proporcionar uma experiência fora do comum”, explica Thamyres Cabral, especialista de produto do Grupo Attivo, do qual o Su faz parte.
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Apesar de serem sazonais, os pescados brasileiros são garantidos no cardápio e costumam fazer bastante sucesso: carapau, pargo, robalo e olhete (ou olho-de-boi). No restaurante, eles aparecem em diferentes preparos, mas, sobretudo naqueles em que a textura e o sabor são mais preservados. Por isso, os mais comuns são sashimis (fatias de peixe), niguiris (peças de peixe sobre bolinho de arroz japonês) e temakis (cones de alga recheados com arroz, peixe e outros complementos).
“Por mais que sejam menos falados, os pescados brancos da nossa costa são muito versáteis”, diz Thamyres, que destaca um preparo inusitado com o robalo, o peixe mais pedido no Su depois do salmão e do atum. “O item mais pedido na categoria peixes brancos é o niguiri de robalo empanado com mel trufado (R$ 43, com duas unidades).”
Apesar de São Paulo ainda ser uma cidade que consome mais pescados e iguarias que Belo Horizonte (capital conhecida por ser mais tradicional), ela já observa um aumento significativo no consumo desses peixes pelos mineiros, quando comparado com o início da operação do Su. “O salmão é, sem dúvidas, o favorito, mas, com a qualidade e diversidade de pescados brancos, acabamos tendo uma concorrência mais saudável e os clientes topam variar mais”, completa.
Trabalho de anos
Outra pessoa que vem lutando pelo reconhecimento dos peixes da nossa costa é Weberth Coelho, chef executivo do Udon, com unidades no Belvedere e no Lourdes, ambos na Região Centro-Sul da cidade. Há sete anos trabalhando na rede, sendo dois nesse cargo, ele conta que ainda é uma missão difícil apresentar peixes diferentes aos belo-horizontinos.
“Em BH, quando se pensa em restaurante japonês, logo se pensa em salmão, mas, em restaurantes bem tradicionais, esse peixe é uma das últimas opções”, diz.
Mesmo assim, ao longo desses dois anos à frente da cozinha do Udon, Weberth intensificou o trabalho que já existia de introdução dos pescados brasileiros no paladar dos mineiros. “Minha proposta é levar cada vez mais pescados daqui para a boca das pessoas”, destaca.
A desinformação, segundo ele, ainda é um fator que dificulta esse trabalho. “Nosso público muitas vezes pensa que peixe branco é sempre igual. Nesses casos, é preciso explicar um pouco as diferentes texturas, sabores e modos de preparo de cada um deles.”
O pargo e o olho-de-cão, por exemplo, são duas espécies usadas na cozinha fria da casa, servidas com a escama escaldada (joga-se água fervente por cima). O peixe-serra, por sua vez, tem sua escama escaldada e levemente defumada. Além deles, o Udon serve linguado, cavalinha, sarda, robalo, xaréu e outras espécies sazonais.
Assim como nos outros restaurantes que investem nesses peixes, no Udon eles são servidos em formatos que valorizam seus aspectos sensoriais. O sashimi e o niguiri são as peças mais comuns feitas com os pescados do Brasil. Um exemplo diferente é o Shirome Nametake (R$ 49, com duas unidades). O prato é um gunkan (enrolado) de pescada amarela servido com mini cogumelos japoneses.
Cuidado com os processos
Inaugurado em março, o Marú, na Região da Savassi, vai se apresentando, pouco a pouco, ao público. Com proposta descolada, que mistura a culinária japonesa ao brasileiríssimo chope, o bar já caiu no gosto da população, mesmo com pouco mais de cinco meses de história.
Marcelo San, chef da casa, conta que, neste momento, eles estão entrando na segunda fase do lançamento. “Desde a concepção do projeto, a ideia é trazer peixes diferentes, mas agora que estamos no momento de investir cada vez mais nos pescados que vão além do atum e do salmão”, explica. “No cardápio, também estamos propondo, a cada quinze dias, duas sugestões para o almoço e para o jantar, e isso é legal, pois podemos usar peixes sazonais com mais frequência.”
O chef do Marú também destaca as particularidades no preparo de cada uma das espécies e a importância de levar isso para o cliente.
“O nosso pargo é servido com a pele, mas ela deve ser escaldada de tal forma que não afete a carne em si. O peixe-serra também exige um cuidado especial com a pele, que deve ser queimada sem que a carne cozinhe. Já a cavalinha, outro pescado que usamos, precisa ser marinada antes de ser servida”, explica Marcelo.
Convencimento
Assim como outros profissionais, Marcelo San ressalta a dificuldade que ainda existe em convencer o cliente a variar o pedido, a sair um pouco da zona de conforto com o salmão e o atum.
“O nosso maior desafio não é em relação à logística ou a encontrar fornecedores, mas, sim, em convencer os clientes de que os nossos peixes brancos são produtos incríveis. Acho que, especialmente em BH, as pessoas podiam migrar do salmão e experimentar outros pratos, afinal, tem muita coisa boa na nossa costa, peixes criados com responsabilidade”, defende o chef.
Uma maneira de atrair o público é utilizar ingredientes familiares. O tiradito de três peixes (R$ 58), por exemplo, combina tiras do peixe branco disponível no dia com o salmão e o atum. Para acompanhar, molho ponzu e semente de girassol.
Cardápio sazonal
Quando foi inaugurado, há quatro anos, o el MAI, que fica no Lourdes, Região Centro-Sul de BH, carregava uma “proposta ousada”, segundo Rodrigo Paiva, fundador da casa. Isso porque, desde o início, peixes diferentes e outras iguarias eram explorados no cardápio, entre eles, os pescados brasileiros.
Apesar de o salmão e o atum serem, de longe, os favoritos dos clientes, Rodrigo já percebe uma evolução do paladar mineiro no que diz respeito aos peixes brancos. “Hoje, tem pessoas que cobram quando chegam ao restaurante e não temos determinado peixe branco, porque eles são bem sazonais.”
As espécies mais utilizadas no el MAI são: pargo, tainha, carapau e xaréu. Cada um deles tem características únicas, por isso Rodrigo reforça a importância de toda a equipe degustar e saber bem como, literalmente, vender o peixe. “Os profissionais do salão precisam passar todas as informações necessárias para os clientes. Nós trabalhamos muito para mostrar o que tem de delicioso na nossa costa.”
Rodrigo também preza pelas peças mais “simples”, em que o peixe é protagonista. Caso o cliente opte por testar algo mais diferente com os pescados, a sugestão é o ceviche com chips de batata-baroa (R$ 69).
Sem salmão, não há negócio
Apesar do esforço e do investimento em peixes nativos, o tão famoso salmão é um item essencial no cardápio do el MAI. “Acho que ele tem sabor único e uma coloração bem marcante, que chama a atenção, além de ter sido apresentado ao público há muitos anos. Eu, como consumidor, prefiro o atum ou o peixe branco, mas não posso abrir mão do salmão no menu do restaurante”, destaca Rodrigo.
Principais pescados brasileiros
- Carapau: também conhecido como xerelete, é um peixe que mede, no máximo, 70cm e pesa cerca de 5kg. Apresenta carne branca e suave. Pode ser encontrado em boa parte da costa brasileira, do Amapá ao Rio Grande do Sul.
- Pargo: peixe vice-líder na exportação do Brasil, tem cerca de 30cm de comprimento e é explorado, sobretudo, na costa do Pará e Amapá. Possui carne suculenta e sabor suave.
- Olho-de-boi: é encontrado do Amapá até Santa Catarina e pode chegar a medir 1,7m e pesar 80kg. Possui sabor amanteigado.
- Cavalinha: peixe de pequeno porte, apenas um pouco maior que a sardinha. Pode ser encontrado no Oceano Atlântico, dos Estados Unidos à Argentina (inclusive em boa parte da extensão da costa brasileira). É um peixe de carne oleosa.
- Robalo: peixe com carne branca, suave e firme. Está presente em toda a costa brasileira e pode, inclusive, ser criado em açudes, lagos e represas. Seu tamanho varia conforme a espécie, mas a maior delas, o robalo-flecha, pode chegar a 1m de comprimento e 25kg.
Protagonista indiscutível
O salmão, peixe de carne alaranjada e sabor marcante, se tornou praticamente sinônimo de culinária japonesa no país, mas nem sempre esteve ligado à essa gastronomia. Foi a Noruega, ao Norte da Europa, que levou o peixe ao país asiático. Na década de 1960, os noruegueses desenvolveram uma técnica de criação da espécie em cativeiro, o que aumentou a produtividade.
Com o crescimento da população do Japão e a alta produção da Noruega, o país oriental começou, em 1980, a importar o alimento. Demorou até que o peixe fosse aceito pelos japoneses. Foram anos de esforços de órgãos noruegueses para mostrar que era possível consumir o salmão cru, assim como outros peixes de prestígio no Japão, como o atum.
Nos anos 1990, finalmente, o peixe caiu no gosto dos orientais – apesar de, até hoje, não ser considerado nobre. E não só deles, afinal, foi nesse mesmo período em que a culinária japonesa decolou para diversas partes do mundo, inclusive o Brasil, e se tornou um sucesso global ao lado do salmão.
Muito se fala sobre a qualidade do peixe tão amado pelos brasileiros. Já é de conhecimento geral, por exemplo, que a espécie que consumimos aqui vem do Chile e é criada em cativeiros (no mar). Apesar da conotação negativa que esse cultivo possa ter, a pesquisadora e atual chefe de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Pesca e Aquicultura, Lícia Lundstedt, explica que ele ocorre de forma responsável, respeitando a segurança alimentar.
“É possível dizer que o cultivo de salmão é, se não o mais, um dos mais tecnificados na aquicultura. Pode ser considerado um cultivo de precisão, pois os animais provêm de um avançado programa de melhoramento genético no qual os animais são selecionados para melhor ganho de peso e resistência a doenças.”
A coordenadora do laboratório de bioquímica e toxicologia de alimentos da Faculdade de Farmácia da UFMG, Flávia Beatriz Custódio, também destaca que o peixe é uma fonte de componentes importantes. “Peixes que vêm de regiões mais frias, a exemplo do Chile, tendem a ser ricos em ômega 3, o que é um benefício para o nosso organismo.”
A professora ainda explica que o modo de criação em cativeiro não apresenta, comprovadamente, algo negativo à saúde humana. “Quando falamos em cultivo, é possível que antibióticos sejam usados para controlar doenças. No entanto, é preciso ter em mente que o uso dos antibióticos é menos expressivo no cultivo de peixes do que no de aves, por exemplo”.
Coloração
Outro ponto de debate em relação ao salmão é a cor alaranjada de sua carne. Lícia explica que a coloração dos peixes de cativeiro vem, sim, da ração, mas, diferentemente do que muita gente acredita, ela não é necessariamente maléfica à saúde.
“Na natureza, os salmões selvagens se alimentam de pequenos crustáceos (pequenos camarõezinhos), ricos em astaxantina, que é o pigmento que confere a coloração 'salmão' à carne dos peixes. No processo de criação, esse pigmento, que também tem poder antioxidante, pode ser obtido a partir de microalgas ou leveduras. Ele é extraído, purificado e adicionado à ração para proporcionar a coloração desejada na carne, além de fortalecer o sistema imunológico dos animais.”
Sustentabilidade
Lícia e Flávia acreditam que haja espaço para o salmão e para os pescados brasileiros nas mesas dos restaurantes japoneses. A professora da UFMG, inclusive, reforça que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a ingestão, de duas a três vezes por semana, de peixes e que os de água marinha se mostraram muito benéficos à saúde em estudo realizado pela entidade.
A sustentabilidade e a valorização do produtor responsável também foram destacados pelas especialistas. “Acredito que os restaurantes estejam buscando aproveitar a grande variedade de peixes que temos em nossa biodiversidade, de água-doce ou marinha, que pode chegar à mesa do consumidor quase que em caráter de 'exclusividade' e ainda fresco, desde que tomados os devidos cuidados de captura, transporte, manipulação e armazenamento, que são fundamentais para garantir a qualidade do pescado”, aponta Lícia.
“Essa estratégia sugere um caráter sazonal, conforme a disponibilidade dos itens pescados, favorecendo a economia circular e incentivando o trabalho de colônias de pescadores locais”, completa a pesquisadora.
Flávia, por sua vez, destaca também a poluição que está envolvida no transporte dos peixes. “Quando pensamos em peixes locais, estamos também reduzindo a pegada de carbono, pois é um trajeto bem menor a ser percorrido até o restaurante quando se compara ao salmão, por exemplo”, diz.
É evidente que o salmão não vai perder seu protagonismo no Brasil, pelo menos não tão cedo, mas todos os esforços para diversificar nossos cardápios são bem-vindos, afinal, isso beneficia a saúde e a economia brasileira.
Anote a receita: Ceviche de sarda com tortilhas crocantes do Marú
Ingredientes:
- 120g de sarda ou dourado;
- 40g de cebola roxa;
- 1 pimenta dedo-de-moça finamente picada (com ou sem sementes) a gosto;
- Folhas de coentro fresco a gosto;
- Lemon pepper a gosto;
- Aparas de peixe branco;
- 1 pequeno pedaço de gengibre fresco;
- 1 pimenta dedo-de-moça inteira;
- 1 talo de aipo; 1 dente de alho;
- Folhas de louro a gosto;
- Suco de 2 a 3 limões;
- Coentro a gosto;
- Gelo (alguns cubos);
- Sal e açúcar a gosto;
- 1 pimentão amarelo sem sementes;
- 1 pimenta dedo-de-moça;
- 1 dente de alho;
- Azeite a gosto;
- Tortilhas crocantes;
- Brotos frescos ou ervilha peruana.
Modo de fazer:
- Para o leite de tigre, misture as aparas de peixe, gengibre, pimenta dedo-de-moça, aipo, alho, louro, suco de limão, coentro, gelo, sal e açúcar.
- Deixe infusionar por 1 a 2 horas.
- Retire o louro e bata no liquidificador até obter um caldo intenso.
- Coe e reserve.
- Para o ají amarillo (creme servido junto), cozinhe o pimentão amarelo, a pimenta dedo-de-moça e o alho até amaciar.
- Escorra completamente e processe no liquidificador com azeite e sal até formar um creme liso.
- Reserve.
- Para o ceviche, tempere os cubos do peixe com limão e lemon pepper.
- Acrescente o leite de tigre e deixe marinar até o ponto ideal de “cocção a frio”.
- Incorpore a cebola roxa, a pimenta dedo-de-moça picada e o coentro.
- Para a montagem, em prato raso, posicione um aro e disponha o ceviche no centro.
- Regue com parte do caldo que sobrou e finalize com o creme de ají amarillo.
- Decore com brotos frescos e sirva acompanhado de tortilhas crocantes.
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Serviço
Restaurante Su (@restaurante.su)
Avenida Olegário Maciel, 1600, Santo Agostinho, 4º andar (DiamondMall)
(31) 3070-0069
Todos os dias, das 12h às 22h
Udon (@udonbh)
(Unidade Lourdes)
Avenida do Contorno, 7315, Lourdes
(31) 2528-2249
De segunda a quinta, das 12h às 15h e das 18h à 00h; sexta e sábado, das 12h à 1h; domingo, das 12h às 23h
Marú Bar Japonês (@maru.barjapones)
Rua Fernandes Tourinho, 604, Savassi
(31) 2528-7337
Todos os dias, das 11h à 00h
el MAI (@elmaigastro)
Rua Professor Antônio Aleixo, 592, Lourdes
(31) 3879-9699
De segunda a quinta, das 17h30 à 00h; sexta, das 17h30 à 00h30; sábado e domingo, das 12h à 00h30