Supere o medo e descubra as maravilhas de cozinhar na panela de pressão
Apontada como curinga na cozinha, panela de pressão otimiza o tempo, preserva nutrientes e transforma ingredientes básicos em pratos memoráveis
compartilhe
Siga noPara muitos cozinheiros, a panela de pressão é um utensílio envolto em mistério e, para outros, em receio. Alimentado por histórias de explosões e acidentes, o medo de seu assobio característico e de seu poder contido é um fenômeno comum. Mas essa apreensão, em grande parte, é infundada e decorre de um entendimento incompleto sobre seu funcionamento, reforçada por mitos e desinformação. Ao superar a insegurança, com conhecimento sobre seu uso correto, os cozinheiros, profissionais ou não, podem desbloquear um universo de possibilidades.
Com uma história que se entrelaça à Revolução Industrial e engenharia que transforma a física em culinária, a panela de pressão é muito mais do que um mero utensílio. É um símbolo de eficiência e praticidade na cozinha. É o instrumento ideal para quem busca otimizar o tempo, preparar refeições saudáveis, preservar nutrientes e transformar ingredientes básicos em pratos memoráveis.
Da maciez de um corte de carne fibroso à perfeição de um grão-de-bico bem cozido, a panela de pressão é uma ferramenta de precisão que merece lugar de destaque no fogão. Longe de ser assustador, como era no passado, o objeto é um aliado da cozinha do século 21, que oferece saúde, conveniência e o prazer de uma culinária descomplicada e saborosa.
Professor do curso de gastronomia do Centro Universitário UniBH, Sinval Espírito Santo afirma que usar a panela de pressão na preparação de alimentos é algo muito comum. “Na cozinha brasileira, em que o feijão é feito diariamente, e onde também as carnes firmes estão presentes, o uso é ainda mais comum, se comparado a outras gastronomias”, diz.
Entre os benefícios, o tempo menor de cocção, que resulta em economia de gás e eletricidade (no caso do fogão elétrico). “A panela de pressão também é versátil. Serve para fazer sopas, caldos, molhos, vários tipos de grãos, legumes, raízes e tubérculos. Transforma carnes mais rígidas em preparações macias, mantendo a suculência. E pode ser usada para esterilizar utensílios caseiros”, menciona Sinval.
O senso comum pode sugerir que o cozimento em temperaturas elevadas degrada vitaminas e minerais. Mas, na verdade, conforme o professor, a panela de pressão preserva as propriedades ao acelerar drasticamente o processo e minimizar o tempo de exposição ao fogo alto.
Estudos já demonstraram que o feijão preto cozido por 15 minutos na pressão retém seis vezes mais antioxidantes do que o mesmo feijão fervido em água por uma hora. Vegetais ricos em vitamina C, como espinafre e brócolis, que podem perder até 95% desse nutriente na fervura tradicional, preservam uma porcentagem significativamente maior quando preparados sob pressão.
Outra possibilidade culinária da panela de pressão, cita Sinval, é extrair sabores interessantes quando diferentes alimentos, colocados ao mesmo tempo, trocam seus temperos. “Você faz uma carne, por exemplo, aí coloca na panela uma cebola, uma cenoura ou um tomate inteiros. Esses alimentos vão soltar água e formar um molho muito saboroso junto com a carne”, ensina.
Além do feijão
A panela de pressão é frequentemente associada ao preparo de feijão, mas pode servir para cozinhar uma ampla gama de alimentos – transforma, por exemplo, ingredientes duros e fibrosos em pratos macios e suculentos.
Entre as carnes fibrosas, cortes bovinos como acém, fraldinha, músculo e costela são bons candidatos. Para leguminosas e grãos, a panela de pressão é o método mais rápido e eficiente para cozinhar feijões, grão-de-bico, lentilhas e outros grãos.
Leia Mais
Mas há alimentos que devem ser evitados. Entre eles, folhas verdes, massas e laticínios. Carnes congeladas devem ser descongeladas antes, pois o cozimento de pedaços grandes e congelados pode ser irregular e sobrecarregar o equipamento. A ervilha seca in natura, a cevada e a aveia também são ingredientes que apresentam um certo risco, porque soltam muita espuma ao serem cozidos, o que aumenta a pressão dentro da panela.
Sinval lembra, ainda, que a panela de pressão não precisa ser utilizada apenas para grandes quantidades de alimentos. “Pode-se colocar duas batatas, uma beterraba, o feijão não precisa ser feito para guardar. A escolha deve ser condizente com a demanda, com o tamanho da família”, recomenda.
Invenção francesa
A origem da panela de pressão remonta ao século 17 e é um testemunho da curiosidade e da genialidade de um físico notável. Em 1679, o francês Denis Papin inventou um recipiente de ferro e bronze com uma tampa hermética e uma válvula de segurança, que ele batizou de “Digestor de Papin” ou “Marmita de Papin”. O nome “digestor” lembra a função original de amolecer materiais duros, como ossos, para extrair caldos nutritivos, uma política que o governo francês chegou a adotar para melhorar a dieta dos pobres e do exército.
“Apenas no século 20, com melhorias em design, material e sistemas de válvulas, é que a panela de pressão se torna um utensílio doméstico popularizado, produzido em larga escala e utilizado nas cozinhas de todo mundo”, conta Sinval.
O funcionamento da panela de pressão é uma aplicação direta de princípios da física. Para que um líquido entre em ebulição, a pressão do vapor precisa se igualar à pressão atmosférica. Ao nível do mar, a água ferve a 100°C. Em uma panela de pressão devidamente vedada, a história é diferente. O calor de uma fonte externa aquece a água e o alimento, gerando vapor, que, sem ter por onde escapar, aumenta a pressão interna do recipiente.
De acordo com a lei dos gases ideais, quando a pressão de um gás aumenta, sua temperatura também sobe. Esse aumento de pressão faz com que o ponto de ebulição da água se eleve, permitindo que ela atinja temperaturas significativamente mais altas, tipicamente entre 110°C e 120°C.
A válvula de segurança, concepção de Papin, indica que a prevenção de acidentes foi uma preocupação primordial desde a criação do equipamento.
Carnes firmes
Entusiasta da gastronomia, o jornalista Luiz Horta, de 68 anos, lembra que a panela de pressão tinha cara de que ia explodir a qualquer momento quando começou a cozinhar, há quatro décadas. Hoje, ele cozinha diariamente em casa e usa o utensílio pelo menos uma vez por semana.
“Já fiz de tudo, mas uso mais para cozinhar carnes mais firmes, como músculo. Já fiz até galetos na cestinha que vem em uma das panelas, com limão siciliano, e ficou ótimo. Ossobuco também é muito bom, assim como feijão, feijoada, miúdos como moela e coração de galinha”, cita.
Para Luiz, a vantagem é a rapidez e a eficácia na hora de cozinhar. “Gosto porque uso uma panela só. Gasta menos energia e é fácil de lavar.”
Luiz é dono de duas panelas de pressão elétricas, uma menor e outra maior, feitas no Brasil, e mais uma que vai ao fogo. Essa é da empresa francesa SEB, que revolucionou a culinária caseira, utilizando técnicas modernas de estampagem de metal para criar um produto mais seguro, leve e eficiente.
“É um clássico do design francês, orgulho da minha cozinha. Parece de laboratório e é tão segura que é quase impossível acontecer acidentes. Ter uma SEB é como ter um Rolls-Royce”, compara.
Rápido e prático
Nos três dias da semana em que as netas pequenas passam as manhãs em sua casa, Maria Cristina Vincens prepara o almoço. É quando a engenheira química aposentada, de 73, vai para o fogão. Além das panelas convencionais, ela tem duas de pressão – uma normal e outra elétrica. O uso mais corriqueiro, sem falar no feijão, muitas vezes incrementado com linguiça, é para carnes, como de boi, porco e frango. Uma das receitas preferidas é a carne de sol, que, ao sair da pressão, é fácil de ser desfiada.
Maria Cristina sempre gostou de culinária e a panela de pressão é presença em sua cozinha já faz tempo. “É mais rápido e prático. A elétrica, por exemplo, nem precisa de água, tem um timer e pode ser programada conforme o preparo. Muito diferente daquela forma como nossa avó cozinhava, devagar, prestando atenção o tempo todo.”
Atenção máxima
Borracha, vedação, travas, válvulas. O professor do curso de gastronomia do Centro Universitário UniBH Sinval Espírito Santo reforça que tudo precisa estar em bom estado para resguardar o cozinheiro de acidentes com a panela de pressão. “É importante ficar de olho se a borracha não está ressecada, frouxa ou rachada, se a válvula não está entupida, se a panela está fechando direito, bem encaixada. Também manter a panela sempre limpa e seca”, reforça.
Mas as dicas não param por aqui. Na hora da compra, é fundamental adquirir um modelo que possua o selo do Inmetro, evitando panelas de procedência duvidosa em comércios ambulantes.
Durante o cozimento, o erro mais frequente é o preenchimento excessivo. Nunca se deve ultrapassar dois terços da capacidade total do recipiente para alimentos sólidos e metade para líquidos – normalmente, as panelas possuem essa marcação internamente.
“Esse limite de água e alimento é o espaço para o vapor passar. O limite de água deve ser bem controlado e também não pode ser muito pouco, com o risco de queimar”, diz o professor. O excesso de conteúdo, não apenas impede o funcionamento correto das válvulas, como também pode levar a vazamentos e, em casos extremos, à explosão.
Sinval também lembra de ficar atento ao relógio. “Se o tempo também não for bem controlado, o alimento pode perder textura, desmanchar ou ficar super mole, passar do ponto.”
Chiado característico
Assim que a panela começa a emitir o chiado característico, é hora de reduzir a intensidade do fogo. A água já estará em ebulição e a temperatura interna não aumentará mais.
“O apito é um sinalizador para que você entenda o tempo de cozimento do alimento. Depois do chiado, abaixe o fogo, mantenha a pressão e espere o tempo indicado para cada preparação para desligar. E nunca force a abertura.” Também não é aconselhado agitar a panela.
Após o cozimento, a regra mais importante é a paciência. Deve-se aguardar que todo o vapor seja liberado naturalmente ou, em modelos que permitem, utilizar o método de liberação lenta recomendado pelo fabricante.
O professor lembra que a mania de colocar a panela embaixo da água não é correta. “Ao desligar, é preciso deixar a pressão sair ou, se precisa ser mais rápido, colocar uma colher embaixo da válvula, por exemplo. Também nunca encostar na válvula com a mão”, orienta.
“Quanto mais você usa, mais aprende a lidar com esse equipamento de uma forma favorável. A panela de pressão pode ser uma ótima aliada na cozinha.”
Início de uma revolução
A panela de pressão ultrapassou as fronteiras da cozinha e se tornou a semente de uma revolução tecnológica. Observando que a pressão do vapor era capaz de levantar a pesada tampa de sua panela, o seu criador, Denis Papin, teve a ideia de utilizar essa força para mover um pistão em um cilindro. O conceito fundamental que ele concebeu – o de usar o vapor para realizar trabalho mecânico – foi a base para o desenvolvimento do motor a vapor, invenção de importância central para a Revolução Industrial.
Outros usos
A panela de pressão não é só usada na culinária, mas também nos hospitais, na indústria de papel e nas fábricas de conservas alimentícias.
• Na indústria de papel, a pressão é utilizada para reduzir as lascas até que as fibras se soltem o suficiente para fabricar o material.
• Nos hospitais, as altas temperaturas das autoclaves possibilitam uma esterilização mais segura.
• Nas fábricas de conservas, o cozimento sob pressão garante melhor preservação dos alimentos, eliminando um número maior de bactérias.