Dia da Gastronomia Mineira: a influência dessa culinária em cozinhas de BH
Nesta véspera do Dia da Gastronomia Mineira, conheça profissionais de outras regiões do Brasil que são diretamente influenciados pela cozinha de Minas
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Siga noA gastronomia mineira é, indiscutivelmente, uma das mais consolidadas a nível nacional. Seus símbolos, que vão desde o fogão a lenha a diversos preparos tradicionais, são conhecidos nacionalmente como parte da cultura do estado. E por ser tão potente e ir muito além da comida, a gastronomia mineira ganhou, em 2012, uma data especial para ela.
O Dia da Gastronomia Mineira é celebrado amanhã (5/7), e saúda toda a cultura culinária do estado, além de uma figura muito importante para os estudos e visibilidade da cozinha de Minas: o intelectual Eduardo Frieiro, que faz aniversário na mesma data. Falecido em 1982, ele foi membro da Academia Mineira de Letras, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e se destacou muito como escritor com a obra “Feijão, Angu e Couve – ensaio sobre a comida dos mineiros”, a pioneira nos estudos do campo da alimentação do estado.
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Em seu livro, Frieiro destacou o apreço pela tradição de receitas mineiras, que não deveriam, de acordo com ele, ser "descaracterizadas" ou modificadas. Indo na contramão do tradicionalismo do autor, no entanto, profissionais da cozinha de Norte a Sul do país exploram novas possibilidades em seus pratos, colocando neles pitadas de mineiridade e de referências de culinárias múltiplas, apostando em uma gastronomia que une diversos Brasis.
Com jeitinho
Foi com jeitinho e paciência que Regilene Coelho trouxe para Belo Horizonte a cozinha de sua terra natal, a cidade de Imperatriz, no Maranhão. O município está na fronteira do Nordeste do país com o Norte, e a gastronomia de lá também cruza elementos das duas regiões. “O Pará fica a 100 quilômetros de Imperatriz, e atravessando o rio Tocantins, que passa pela cidade, já chegamos no Tocantins. Por isso, a nossa comida tem muita influência do Norte”, destaca.
Regilene veio para BH para estudar, mas, pelo alto custo de vida da capital, precisou trabalhar no comércio. Desde que chegou na cidade, se apaixonou pela comida mineira. Depois de um tempo, inclusive, resolveu fazer um curso para aprender ainda mais sobre a cozinha do estado e, em 2012, largou o emprego e focou em um novo curso, se dedicando 100% à gastronomia.
Até então, a culinária do Maranhão não era o seu forte, ela estava conquistando os mineiros com a comida local. “O meu objetivo era abrir um restaurante de comida mineira, ia se chamar pururuca”, recorda. Acabou que esse sonho não foi para frente e, em 2019, após uma apendicite que quase a levou ao óbito, Regilene decidiu abrir seu restaurante, dessa vez, pensando em fazer aquilo que estava com saudade de comer: a comida de casa.
Desconfiança
No começo do Maturi, restaurante comandado por Regilene, no Bairro Santa Tereza, na Região Leste da cidade, a feijoada era um dos atrativos usados para agradar os mineiros. “Eu fazia a feijoada para chamar as pessoas e então apresentar pratos nordestinos e nortistas do restaurante. Inclusive, quase cheguei a fazer feijão-tropeiro”, destaca.
E assim, com jeitinho, Regilene conquistou os mineiros pelo estômago e, mais importante que isso, conquistou a confiança deles. Em pouco tempo, a feijoada já não era mais necessária e o grande chamariz da casa passou a ser, de fato, a comida nativa de Imperatriz. E como já tinha uma alma meio mineira, Regilene foi implementando itens da culinária de Minas nos pratos regionais e transformando o cardápio da casa de acordo com o seu perfil e atendendo alguns pedidos dos clientes.
O baião de dois (R$ 39), por exemplo, acompanha feijão-de-corda, mandioca, couve e costelinha. O prato mistura itens mineiros, nordestinos e a mandioca, de origem indígena. “No Maranhão, a carne de porco é a última opção escolhida, mas ela é a cara do mineiro, por isso trouxe ela para o prato, que é um sucesso”, diz Regilene.
A costela de tambaqui com arroz com cuxá, folhas de vinagreira muito consumidas na culinária maranhense (R$ 47) é outro prato com sabores do Maranhão, mas que faz Regilene se lembrar do Rio São Francisco, que passa por Minas Gerais. “Acho que às vezes o mineiro se esquece do Rio São Francisco, dos peixes de rio. Esse tambaqui vem do Rio Tocantins, que passa pela minha cidade”, reforça.
Equilíbrio
Outro profissional que se viu tendo que equilibrar a inovação com a tradição para conquistar o público mineiro foi o chef Zito Cavalcante. Natural de Cabo Frio, no estado do Rio de Janeiro, ele entrou na gastronomia por acaso, depois de um trabalho de freelancer como chapeiro em uma hamburgueria de um familiar. Depois dessa experiência, resolveu se mudar para Niterói, onde começou a faculdade de gastronomia, mas mudou de curso e de cidade, já que não havia se adaptado à faculdade. Se mudou para a Serra Gaúcha e fez um curso voltado à gastronomia italiana, mas que abrangia o essencial de muitas culinárias.
Cozinhando, Zito passou por muitos cantos do país. Em 2014, inclusive, fez uma viagem de 50 dias cozinhando pelo Brasil. Foi nessa ocasião que conheceu BH. “Fiquei apaixonado por Belo Horizonte, tinha tudo que eu amava. Os bares tinham comidas maravilhosas”, comenta ele, destacando que ainda conheceu a esposa na capital mineira, o que tornou a paixão pela cidade ainda maior.
O chef destaca ingredientes e técnicas mineiras que não conhecia, mas que o conquistaram. “Aqui tinha ingredientes que eu nunca tinha comido, como o pequi e a taioba. A técnica pinga e frita, típica mineira que consiste em colocar água aos poucos para cozinhar a carne, me encantou, é excepcional e ainda pouco falada”, destaca.
Jogo de cintura
Com a paixão pela culinária de Minas e a bagagem que carrega de outras regiões, Zito abriu, em 2019, o Padú. “A ideia do bar era fazer comidas do Norte ao Sul do país”, diz. A casa fechou as portas no último ano, mas o chef teve a oportunidade de começar um novo negócio como sócio: o Faísca.
No novo empreendimento, no Bairro Caiçara, na Região Noroeste de BH, a proposta de bar continua, mas a brasa assume o protagonismo. “Minas está 100% inserida no Faísca e em todo lugar que cozinho. Todos que trabalham na cozinha do bar são mineiros, e isso sem dúvidas faz diferença no tempero”, comenta o chef.
Os anos de atuação em cozinhas belo-horizontinas mostraram a Zito que é preciso ter jeitinho e delicadeza para apresentar novos sabores ao povo mineiro. “Eu entendi que o cliente de Minas quer estar inserido no conforto de sua própria cultura, e se for para provar algo diferente, tem que ser com cuidado, muitas vezes com adaptações”, explica.
O chef servia no Padú e ainda serve no Faísca um ratatouille no espetinho de jiló e bacon (R$ 28). A ideia dele é mesclar a técnica do prato francês, que consiste em finas camadas de legumes dispostas em um recipiente e preparadas com molho de tomate, mas adaptando-a com ingredientes icônicos da gastronomia mineira, o jiló e a carne de porco, representada pelo bacon. Zito também trabalha com o jiló na brasa com linguiça ralada a chimichurri (R$ 24). Nesse caso, ele também se aproxima dos mineiros com os ingredientes tradicionais. Assim como nesses pratos, em todo o cardápio ele resgata sua essência “cosmopolita”, que une técnicas e iguarias de diversas regiões do mundo e, sobretudo, do Brasil.
Intercâmbio gastronômico
Diego Manfredini, proprietário do Bebedouro Bar e Fogo e sócio do Porks, é de Curitiba, mas sempre carregou Minas Gerais no coração, afinal, seu pai é mineiro. “Eu esperava o ano todo para vir para Belo Horizonte e comer a comida da minha avó”, comenta.
Em BH, Diego conheceu sua mulher, e com ela, muitos outros pratos e ingredientes tradicionais, como o pequi, a rabada e o fígado. Muito além de se apaixonar pelas iguarias do estado, Diego diz ter se encantado com toda uma identidade regional. “Eu entendo que o conceito de gastronomia mineira vai além da culinária, diz respeito a uma cultura”, diz, destacando a boemia, os bares e o orgulho desse povo.
O gosto por essa culinária fez com que Diego abrisse, ao lado do irmão, o bar Quermesse em Curitiba. “Minas nos deu a possibilidade de apostar na gastronomia em bares, não apenas em restaurantes”, comenta. A casa, que serve petiscos inspirados na boemia mineira, conta com duas unidades na capital paranaense e já chegou a funcionar em BH por um período.
Na capital mineira, onde mora há sete anos, Diego abriu, em 2023, o Bebedouro Bar e Fogo, restaurante focado em petiscos e pratos na brasa que conta com duas unidades, uma na Região da Pampulha e outra no Espaço 356, localizado no Bairro Olhos D´água.
No Bebedouro, Diego mistura um pouquinho do que ama, e traz o clássico churrasco da Região Sul do Brasil, que tanto ama. A panceta de rolo (embutido italiano de barriga de porco) com queijo canastra e goiabada (R$ 60) é exemplo disso. “Esse é um prato muito pedido por turistas, nossos garçons sempre sugerem ele também, justamente por ter esse toque mineiro, mas por se diferenciar de um torresmo, por ser feito na brasa”, explica.
O proprietário destaca ainda a panelinha de queijo canastra com tomates e uvas (R$ 65). “Para mim, ela une um queijo que é símbolo de Minas com uma fruta que é muito forte no Sul, mistura esses dois mundos”.
Retorno do público
Algo que chama a atenção de Diego em Minas é o público. Assim como outros profissionais, ele enxerga o mineiro como uma pessoa desconfiada, que segue muitas tradições. “Ele às vezes demora a conhecer um lugar, porque prefere ir onde já conhece e já sabe que é bom”, comenta.
Isso, segundo ele, foi uma das maiores dificuldades para emplacar o restaurante.”Acho que os mineiros são os mais difíceis de conquistar, mas também são os clientes mais fiéis”, destaca, reforçando a importância do atendimento além da qualidade do que é servido.
Por outro lado, o retorno próximo e carinhoso dos clientes de Minas é algo que sempre surpreende Diego. “No meu bar em Curitiba, é raro receber algum tipo de retorno direto dos clientes, enquanto, em BH, sempre nos dão feedbacks, sejam eles positivos ou negativos, e isso nos ajudou muito principalmente no início da operação”, declara.
Reflexo de Minas
Apesar de muito marcada e reconhecida, a gastronomia mineira compartilha ícones culinários com outras regiões do país. O próprio feijão-tropeiro é alvo de muita polêmica no campo alimentar, já que alguns pesquisadores dizem que a receita teve origem em território paulista ou mesmo goiano. Independentemente da origem do prato, ele se tornou um símbolo mineiro consumido em todo o país.
Além dele, outros tantos ingredientes e preparos simbolizam diferentes culturas e, por vezes, recebem nomes diferentes em cada região, mas no fundo, conversam entre si.
Raízes que se unem
Willian Oliveira, chef do Vila Chalezinho, em Nova Lima, nasceu em Alto Paraguai, no Mato Grosso e veio para Belo Horizonte aos 15 anos para estudar. Quando chegou, começou a se encantar com a gastronomia mineira, que vivenciava um momento de muita valorização. “Fiquei apaixonado pela comida de Minas, dos restaurantes e das casas, a mãe da minha madrasta é uma típica mineira, e, por isso, passei a comer muito essa comida caseira”, diz. Essa relação com a cozinha do estado foi, inclusive, o que o levou a cursar gastronomia em 2016.
Dentre diversas oportunidades que teve em cozinhas das mais variadas culinárias, ele destaca sua passagem pelo restaurante Roça Grande, de Mariana Gontijo, onde fez uma verdadeira imersão na comida mineira. “Eu pensava: como posso atuar em um mercado sem saber suas origens, suas identidades? Por isso, foi muito importante essa passagem, pois lá o pequeno produtor é muito valorizado”, explica.
Em Belo Horizonte Willian passou a comer pratos que nunca havia degustado antes, como o próprio feijão-tropeiro, e foi surpreendido com semelhanças entre as duas regiões, que têm um passado caipira. “Lá, assim como aqui, há uma raíz caipira, mas tem uma pegada mais ribeirinha, com muito uso do peixe, por exemplo, o que é diferente daqui”, diz.
No restaurante O Jardim, onde trabalhou e no Vila Chalezinho, onde está atualmente, Willian pôde também explorar suas origens e seu presente belo-horizontino por meio de pratos diferentes do comum. O jarret suíno (joelho de porco) com purê de mandioca e mix de folhas (R$ 118) do Vila Chalezinho trouxe o protagonismo do porco, que ele consumia no Mato Grosso e que se aproximou ainda mais em Minas, e a mandioca, esse tubérculo de origem indígena e nativo da Amazônia que é também tão presente na culinária mineira.
Já em sua passagem pelo O Jardim, o chef trouxe o clássico frango com creme de milho e elevou a receita a outro patamar, da alta-gastronomia. Nela, o frango era assado e disposto sobre um creme de milho, finalizado ainda com uma farofa crocante de alho.
Técnica e ingredientes
A confeiteira Marina Mendes, dona do ateliê Sá Marina, veio, assim como Willian, bem cedo para BH. Natural de Vitória da Conquista, na Bahia, ela tinha como objetivo cursar direito na capital mineira. E foi isso que fez, até que, após um período morando na França, se encontrou na pâtisserie e retornou ao Brasil com o plano de entrar de cabeça na confeitaria.
Seu grande diferencial foi e continua sendo o conceito por trás de cada doce, que carrega ingredientes brasileiros ricos em personalidade e sabor. Para tanto, a confeiteira carrega muitas referências e memórias, que são sempre revisitadas.
Marina tem família em Minas e desde criança sempre visitou as tias no município de Ouro Branco. “Sempre me encantei com as padarias mineiras, as broas, os bolos, as roscas..”, comenta. Hoje, com mais tempo de vida em Minas do que na Bahia, a confeiteira enxerga bem a interface entre os dois estados. “Eles estão um ao lado do outro, e é incrível como usam os mesmos ingredientes de formas completamente diferentes”.
Assim, em suas criações ousadas, ela sempre mistura um pouco da sua personalidade, usando elementos mineiros, baianos e, sobretudo, brasileiros. A pavlova, uma de suas especialidades, já foi feita com chocolate de mandioca da marca mineira Kalapa, bolo de mandioca, coco e maracujá da caatinga e, em outra versão, levou jabuticaba e queijo curado mineiro. O saint-honoré, uma clássica sobremesa francesa, recebeu uma releitura de Marina onde a massa choux era feita com fubá, recheada com mousseline de milho e finalizada com uma telha de milho e canela.
Os doces de Marina podem não agradar um mineiro tradicional. “Eu enxergo meu público como mineiros com a mente aberta, eu não funciono bem se fizer algo tradicional”, diz. Por outro lado, ela conta que, inúmeras vezes, fez sobremesas que ativaram memórias em quem as provou. “A ideia é mostrar que o diferente não veio para negar as origens, mas para reinventar receitas de uma forma muito respeitosa”, explica.
Anote a receita: Baião de dois do Maturi
Ingredientes:
Para a base:
- 1kg de arroz cozido al dente
- 1 kg de feijão-de-corda cozido al dente
- 100g de cebola picada em cubos
- 100g de tomate sem pele picado em cubos
- 1 maço de coentro picado
- 1 maço de cebolinha picada
- 50g de alho amassado
- 100g de pimentão picado
- 500ml de caldo do cozimento do feijão
- 10g de colorau
- 50 ml de óleo de coco torrado
- Sal e pimenta a gosto
Para a costelinha:
- 1kg de costelinha cortada osso por osso
- 50ml de vinagre de caju
- 50g de sal
- 10g de pimenta-do-reino
- 50g de alho picado
- 5 folhas de louro
- 1kg de banha de porco
Modo de preparo:
- Em uma panela grande, aqueça o óleo em fogo médio.
- Adicione a cebola, o alho, o colorau, o tomate e o pimentão.
- Refogue por cerca de 3 minutos até os vegetais ficarem levemente macios e perfumados.
- Acrescente o arroz e o feijão cozidos com parte do caldo do feijão.
- Depois, acerte o sal, adicione a pimenta, o coentro e a cebolinha.
- Envolva todos os ingredientes.
- Cozinhe em fogo baixo, com a panela tampada por cerca de 10 minutos ou até que o baião esteja completamente aquecido.
- Para preparar a costelinha, regue a carne com o vinagre a acrescente todos os temperos (sal, pimenta, louro e alho).
- Deixe descansar por, no mínimo, 6 horas.
- Escorra as costelinhas, coloque-as em uma panela em fogo médio e cubra com a banha.
- Assim que começar a fritar, vá adicionando um pouco de água e tampando a panela.
- Repita esse processo até as costelinhas ficarem douradas e macias.
- Sirva a base com a costelinha ao lado.
Serviço
Maturi (@maturibh)
Rua Mármore, 169, Santa Tereza
Sexta, das 11h às 16h
Sábado e domingo, das 11h às 16h30
Faísca (@faiscabh)
Rua Guaíra, 334A, Caiçaras
Segunda, quinta e sexta, das 17h à 00h
Sábado, das 12h à 00h
Domingo, das 12h às 20h
Bebedouro Bar e Fogo (@bebedourobarefogo)
(Unidade São Luiz)
Avenida Otacílio Negrão
de Lima, 1835, São Luiz
(31) 3191-9397
(Unidade Espaço 356)
Rua Adriano Chaves e Matos, 100,
Olhos D'Água
(31) 99605-6002
De segunda a sexta, das 17h à 00h
(ambas unidades)
Sábado e domingo, das 11h30 à 00h
(ambas unidades)
Vila Chalezinho (@vilachalezinho)
Alameda Oscar Niemeyer, 132, loja 5,
Vila da Serra, Nova Lima
(31) 3097-2019
De segunda a quarta, das 18h30 à 00h
De quinta a sábado, das 18h30 à 01h
Sá Marina (@samarina.br)
(31) 98393-0613
*Estagiária sob supervisão de Isabela Teixeira da Costa