GASTRONOMIA

Quintais e botecos improvisados de BH oferecem cardápio de qualidade

Entre becos e vielas de BH existem cantinhos que revelam cheiros e uma grande variedade de opções gastronômicas

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Há quem diga que “BH é do tamanho da sua fome”. Mas, mesmo com infinitas opções gastronômicas, a tendência acaba sendo “beliscar” só em um canto. Enquanto os holofotes continuam apontados para os mesmos endereços de áreas nobres, tem pessoas cozinhando revolução onde a cidade costuma virar as costas. Entre becos e vielas, barrancos e “quebradas” estão borbulhando histórias e sabores que não cabem nas colunas da moda. São botecos improvisados que viram referência e quintais que se tornaram ponto de encontro, desafiando o velho mapa do “comer bem” na capital mineira. É hora de ampliar o cardápio — e o olhar.

Em meio às ladeiras que moldam a paisagem do Morro das Pedras, na Região Oeste de Belo Horizonte, nasce uma das histórias que ilustram bem a cena gastronômica que emerge das periferias. O nome do restaurante leva o apelido carinhoso de sua fundadora, uma mãe solo determinada a garantir o sustento da família. Foi da emergência que nasceu a Cozinha da Ita, na Vila Leonina. Um espaço que hoje parece restaurante, mas que antes era casa, marmitex, feijoada de sábado e muito corre para manter uma filha estudando fora. 

“Sou mãe solo, e trabalhava na casa de uma família como cozinheira. Não tinha como manter minha filha em Viçosa, na Zona da Mata, onde ela passou na universidade federal (UFV). Tive que arrumar outra fonte de renda”, conta a chef do restaurante, Lenita do Carmo. 

A cozinha começou despretensiosa. Ita Canuto, como é conhecida, iniciou uma venda tímida de feijoada, no formato marmitex, sempre aos sábados. Mas bastou o cheiro subir pelas ruas para a clientela começar a chegar; logo, o dia único se tornaria final de semana, e depois sete dias. Hoje, o restaurante recebe o público de terça a sábado, das 11h às 15h, com casa cheia.

Depois de um tempo trabalhando com o delivery das refeições, Ita inaugurou o restaurante, em 4 de dezembro de 2017. “Participei do Circuito Gastronômico de Favelas, e ganhei com o bolinho de feijoada. Depois disso, decidi abrir o espaço. A demanda era muito grande. Eu mandava marmitex, mas tinha clientes que vinham almoçar aqui. Então deixei de ter casa para fazer restaurante. O pessoal sempre me fala o quanto é aconchegante, é como estar em casa mesmo”, relata.

A feijoada é um dos carros-chefes do restaurante de Ita
A feijoada é um dos carros-chefes do restaurante de Ita Jair Amaral/EM/D.A Press

No cardápio, a estrela é a feijoada, mas, também vale experimentar o “Droba Língua” — uma criação de Ita. O prato é uma mistura de dobradinha com língua, feijão fradinho, bacon e outras delícias. “O buffet é self-service, e o prato custa R$ 25 fixos. A pessoa come à vontade. Para quem prefere comer em casa, também continuo enviando as marmitas”, confirma a chef.

Mudança de vida

Sem cerimônia ou garçom à espera, no Barrankus o ritual começa de forma inusitada: você chega, bate palma, e lá de cima alguém joga uma chave amarrada em uma cordinha. É você quem abre o portão, sobe a escada, se acomoda e então, faz o pedido. O bar funciona no improviso, no jeito simples que virou marca registrada. 

Valdecir Cardoso, o Nem, ao lado da esposa Heloísa Helena comandam o Barrankus, que oferece pratos como costelinha, tropeiro, tilápia e feijoada
Valdecir Cardoso, o Nem, ao lado da esposa Heloísa Helena comandam o Barrankus, que oferece pratos como costelinha, tropeiro, tilápia e feijoada Túlio Santos/EM/D.A Press

Tudo começou com a compra de um pedaço de terra em um barranco - daí o nome do negócio - no Aglomerado da Serra, Região Centro-Sul. O casal Valdecir Cardoso e Heloísa Helena, estava construindo um lugar para morar - que logo se tornaria um prédio de seis andares, sendo quatro do comércio - quando ficaram desempregados, em 2015. 

“Nós montamos um delivery. Depois os clientes queriam vir conhecer, e decidimos abrir para recebê-los. Tínhamos vários clientes provindos das entregas, então eles começaram a frequentar o bar”, recorda Valdecir, mais conhecido como Nem. 

Foi graças ao Barrankus que o casal pôde manter a formação dos filhos, Dyhan Pierre, perito criminal e bailarino do grupo Corpo, e Deyse Lauren Cardoso, estudante de direito. “Hoje também conquistei um carro para fazer compras e uma moto para as entregas. Tudo vem do Barrankus, ele transformou tudo em realidade”, orgulha-se Valdecir.

O funcionamento e a escolha pelo método da chave na cordinha, segundo o dono, veio pela facilidade. No começo, os dois filhos do casal estudavam em casa, durante o horário de trabalho no bar. “Toda vez que chegava alguém, tínhamos que descer para abrir. Por isso resolvemos adotar essa forma. É mais prático”, explica Nem. 

Self-service

A praticidade vai desde a entrada até a mesa. Lá não tem garçom, por isso, é o próprio cliente que pega a cerveja, escolhe a música e até fecha a conta. “Os pedidos são feitos pelo WhatsApp do bar. Depois levamos tudo até os andares de cima”, conta ele. A casa abre de segunda a sábado, das 11h às 14h30 para o almoço, e das 18h à 1h, para aqueles que desejam estender o happy hour.

A cozinha, comandada pela esposa Heloísa, oferece opções para todos os gostos. “Costelinha com mandioca, tropeiro, tilápia, feijoada, camarão, filé com fritas, pastel de angu, bolinho de bacalhau e hambúrgueres são algumas das variações”, lista Nem. Tudo isso, aliado ao ambiente familiar e a uma vista privilegiada, faz do Barrankus um sucesso na região.

Quintal da amizade

Um ambiente para receber entes queridos, tomar uma cerveja e ouvir samba e pagode. Foi assim que, a partir da “Segunda sem Lei”, dia de churrasco na casa de Leonardo Gonçalves dos Reis, nasceu o Quintal do Degas, na Lagoinha, Região Noroeste de BH. Com o tempo, os amigos foram trazendo mais amigos e, assim, a casa se tornou um bar acolhedor, simples e com uma baixa gastronomia que rende elogios.

Como o próprio nome entrega, o bar funciona, há cinco anos, no quintal, localizado aos fundos do número 75, na esquina entre as ruas 15 de abril e Turvo, na Vila Senhor Dos Passos. “No começo era uma coisa muito tímida, depois eu fui ampliando. Resolvi fazer da extensão da minha casa, um espaço para eu monetizar”, diz o proprietário Leonardo Degas.

Quem assina os pratos é a irmã dele, Priscila, que já recebeu elogios de Nenel, do Baixa Gastronomia, pelos preparos impecáveis. Degas conta que, além do churrasco feito toda segunda-feira, o carro-chefe é o torresmo de rolo, feito com a melhor parte da barriga do porco, onde há mais carne, além da feijoada, servida toda sexta. Mas o menu de tira gostos também é amplo e oferece o melhor da ‘comida de boteco’, sempre acompanhada de uma cerveja gelada.

No Quintal do Degas, nos dias de calor extremo, uma piscina é disponibilizada para refresco

No Quintal do Degas, nos dias de calor extremo, uma piscina é disponibilizada para refresco

Leandro Couri/EM/D.A. Press

No Quintal a atmosfera é de casa. Ali você pode palpitar na playlist, interagir com as mesas do lado, e até dar um pulo na piscina. Sim, é isso mesmo. Para os dias de calor extremo, o espaço oferece um refresco que vai além dos drinks e da cervejinha gelada: uma piscina com ducha. Degas conta que não há taxas para utilizá-la. “Basta vir, consumir e se divertir”, diz ele. A piscina tem capacidade de 5 mil litros, e a limpeza e tratamento da água são feitas pelo próprio dono, que teve anos de experiência trabalhando neste ramo.

O funcionamento do Quintal é diário, exceto às terças: segunda (12h à 0h), quarta e quinta (18h à 0h), sexta (12h às 22h), e sábado e domingo (13h às 20h).

Inspiração americana

Tem bares que servem cerveja e porções. Já outros, buscam servir algum tipo de alívio. No S.O.S Pub, localizado no Bairro Vista Alegre, próximo à comunidade Cabana do Pai Tomás, na Região Oeste, é isso que sai da cozinha e transborda das caixas de som: o remédio das noites difíceis, o tempero e o aconchego dos encontros.

Aberto há pouco mais de um ano, o bar nasceu da parceria entre mãe e filha — Fernanda e Rebeca Rodrigues - que juntaram afeto e visão empreendedora para criar um espaço autêntico. “Queríamos trazer um entretenimento diferente para a nossa região, então surgiu a ideia de colocarmos um bar no mercado”, conta a filha.

Bolinhos do "Socorro do mineiro

Arquivo pessoal

Bolinhos do "Socorro do mineiro"

A inspiração veio da cultura dos pubs norte-americanos. “O S.O.S em inglês, significa salve nossas almas. Em português utilizamos essa expressão do socorro, para pedir salvação. Pensamos nisso porque, para a pessoa que vai ao nosso lar, oferecemos um socorro. Seja um lugar para comemorar, onde você vai fugir dos seus problemas, ou chorar com seus amigos, sorrir, brincar”, afirma Rebeca.

Cardápio do “socorro”


Às vezes, o chamado de socorro também pode vir em forma de fritura e bem quentinho. Aqui entram em cena, o pastel de costela e o torresmo de rolo, especialidades da casa, preparadas por Fernanda, cozinheira de mão cheia que, além do pub, também comanda uma confeitaria. E o cardápio não para por aí: em abril o S.O.S participou do Comida di Buteco e pôs à mesa o “Socorro do Mineiro”.

A ideia foi apresentar um prato que homenageia os quatro primeiros estados para onde o festival se expandiu”, conta Rebeca. Minas Gerais chega na forma de um bolinho de pernil com abacaxi. Do Rio de Janeiro, vem a ousadia da feijoada em miniatura - um bolinho com bacon e couve. Salvador desembarca com um bolinho de sururu com batata, e por fim, Goiânia surge em um mini empadão de lombo com linguiça, o match perfeito para a geleia de pimenta da casa. 

O prato segue como parte do menu durante este mês. Vale a visita em qualquer dia da semana, sendo de segunda a sexta-feira, das 18h à 0h, e sábados e domingos, das 16h às 2h.

Descentralizar

Em outro canto pulsante da Região Oeste nasceu um bar que une duas paixões: cerveja artesanal e identidade. Em 2016, o sonho de Anderson Real começou a ser fermentado ainda nas aulas de tecnologia cervejeira. Ele viu no bairro onde morava, também no Vista Alegre, potencial para consumir um produto de qualidade. Ao final do curso, a missão estava dada: descentralizar. “O objetivo era conquistar a população local a fim de evitar o deslocamento para a zona Sul. As pessoas teriam o mesmo serviço e a mesma qualidade aplicada numa região do subúrbio”, relata o idealizador.

Nascia assim a Cervejaria Pajé, um lugar para se ouvir um bom jazz, um blues ou um rock, enquanto se harmoniza um contra filé com cerveja artesanal. “Acabamos tomando a frente, causando um desenvolvimento intenso para a região. Depois de nós, vieram supermercados, academias e farmácias. Para o bar, buscamos trazer um toque da cultura afro-francesa e um pouco da influência do Sul dos Estados Unidos”, comenta Real.

Na cervejaria, o compromisso é o sabor e a cultura. O nome Pajé, por si só, já invoca a ancestralidade. Uma homenagem ao pai de Anderson, que na infância era chamado carinhosamente de “Paché”, e que, com um toque de brasilidade, virou símbolo de cura. “O pajé é um curandeiro, o médico da tribo… No nosso caso, essa cura vem em forma de cerveja”, brinca Anderson.

O campeão de vendas da casa não nega a força do paladar: contra filé com gorgonzola — um clássico com personalidade forte. Às quintas, o bar acende as brasas para a “Quinta da Picanha”, quando o corte nobre reina absoluto, acompanhado por batatas crocantes e conversas longas. Mas o menu vai além, e nos dias mais “inspirados”, como diz o proprietário, pode surgir uma traíra espalmada, um pato com batatas, arroz de carreteiro ou alguma ousadia sazonal que a cozinha queira dividir com os fiéis frequentadores.

De todos os cantos

De volta ao coração da Lagoinha também existe um ponto onde cabe o Brasil inteiro. O Barzenho nasceu com a ideia de ser um refúgio para quem já percorreu o país e sente saudade de alguma esquina, algum prato ou alguma bebida típica. “Nossa proposta é trazer no cardápio, nos drinks e em cada canto decorado da loja, a vasta e rica brasilidade que temos, seja Região Sul, Centro-Oeste, Nordeste, Norte e Sudeste”, diz o sócio proprietário Lucas Meireles Duarte.

E foi com esse espírito que o Barzenho se instalou na Lagoinha, bairro muitas vezes estigmatizado, mas que respira história, tradição e resistência cultural. “É um dos bairros mais antigos e boêmios de BH. Existem casas e comércios que estão ativos há mais de 108 anos. Queremos trazer a atenção das pessoas para esse bairro que é tão rico em cultura. Mostrar para quem nunca viu ou não conhece, que a Lagoinha é um bairro da paz e com muita história em cada esquina”, afirma Lucas

A escolha do nome para o estabelecimento é uma homenagem afetiva. Leopoldina, de 96 anos, e avó de Lucas, que há sete décadas teve seu próprio boteco. “Toda vez que contava histórias sobre ele, ela falava “barzenho”, com o som de E no lugar do I. Decidimos manter o nome assim”, explica o sócio.

Naipe brasileiro

O Barzenho é radical em sua proposta: nenhum produto estrangeiro entra ali. Nem mesmo marcas consagradas como Coca-Cola e Heineken. “Tudo o que vendemos nasceu aqui”, garante o sócio. E o resultado é um cardápio diverso, original e deliciosamente criativo. 

Entre as estrelas do menu estão: pães de queijo fritos com molho de carne para rechear; o picolé de mineiro (feijão tropeiro com uma peça de costela de porco, acompanhado de bananas assadas e dois ovos fritos); e o pato no tucupi, na versão risoto (pato desfiado com redução de tucupi e crocantes de castanha).

Para harmonizar, a casa serve cerveja, chope e uma carta de drinques feitos com ingredientes típicos de cada canto do Brasil. As indicações são o Cabrunco, feito com vodca, caju, laranja, limão, gengibre e pimenta rosa; e o Yari, uma mistura de cupuaçu com cachaça de jambu, que acompanha uma guarnição de beiju de tapioca com chocolate branco. “É o destino para qualquer pessoa que queira conhecer mais das riquezas gastronômicas e bebidas típicas do nosso país, sem sair do lugar”, diz Meireles.

Serviço

Cozinha da Ita

R. Trinta de Junho, 150 - Leonina

 (31) 99139-1698

Barrankus

R. Gravataí, 273 - Nossa Senhora da Conceição

(31) 9920-9476

Quintal do Degas

Esquina com - Rua:quinze de abril, 75 fundos, R. Turvo, 73 - Senhor Dos Passos

(31) 98889-9681

S.O.S Pub

Av. Padre José Maurício, 1126 - Vista Alegre

 (31) 99295-0703

Cervejaria Pajé

Av. Capim Branco, 419 - Vista Alegre

 (31) 98649-4946

Barzenho

R. Itapecerica, 865 - Lagoinha

 (11) 98215-8514

* Estagiária sob supervisão da editora Ellen Cristie.

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